Grande produtor de soja, município de Balsas desmatou 145 campos de futebol por dia nos últimos cinco anos. Casos de pulverização aérea de agrotóxicos sobre comunidades se espalham pelo estado
Por Cássio Bezerra
Do Le Diplomatique Brasil
Balsas, no Maranhão, foi apontado pelo Relatório Anual de Desmatamento no Brasil 2023 do MapBiomas Alertas (RAD Biomas) como o segundo município brasileiro que mais desmatou entre 2019 e 2023. A cidade foi pioneira na produção de soja no estado, o que a colocou na posição de terceira mais rica do Maranhão, com PIB per capita de R$ 65.059,77, muito acima da média nacional e duas vezes o da capital São Luís.
Esse desempenho econômico, no entanto, contrasta com a devastação do Cerrado e a pressão violenta que o agronegócio exerce sobre as comunidades quilombolas, tradicionais e de agricultores e agricultoras familiares para abrir novas áreas de monocultura. Isso ocorre não somente em Balsas, mas nos municípios vizinhos e em diversas cidades da parte maranhense do MATOPIBA, onde proliferam conflitos agrários e violações de direitos humanos. Nos últimos anos, esse contexto foi agravado com a prática da pulverização aérea de agrotóxicos.
Os municípios da Região de Balsas integram o MATOPIBA, região formada por áreas de Cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, para onde o agronegócio vem se expandindo desde os anos 1980. Balsas cresce rapidamente impulsionada pelos bilhões de reais que o agronegócio movimenta. O PIB bruto do município, por exemplo, saltou de R$ 385,2 milhões, em 2000, para mais de R$ 6,3 bilhões, em 2023 (IBGE); tornando-se o terceiro maior PIB dos 217 municípios do Maranhão.
Outra medida desse poder econômico foi o sucesso da 20ª AgroBalsas, feira agropecuária anual de negócios. Conforme a Revista AgroBalsas, número 24, editada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação (FAPCEN), instituição ligada a produtores de soja, em apenas seis dias, de 13 a 18 de maio passado, a 20ª AgroBalsas reuniu 182 mil visitantes, mais de 3 mil marcas e gerou negócios da ordem de R$ 3,9 bilhões.
Por outro lado, também em maio de 2024, foi divulgado o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil 2023 do MapBiomas Alertas (RAD Biomas), que apontou que 47% de toda a perda de vegetação nativa do país, no ano passado, ocorreu nessa região do MATOPIBA, totalizando 858.952 hectares de desmatamento ou o mesmo que 8.589,52 km², uma área praticamente do tamanho do estado de Sergipe, que tem 8.514 km²; e um aumento de 59% no volume do desmatamento em relação a 2022.
Apenas 50 municípios do MATOPIBA respondem por 36% de toda a área desmatada no Brasil em 2023, dos quais 13 são cidades do Maranhão, algumas delas da Região de Balsas, como Riachão, São Raimundo das Mangabeiras, Carolina, Loreto, Mirador, Grajaú e Alto Parnaíba. Balsas foi apontado no RAD Biomas como o segundo município brasileiro que mais desmatou entre 2019 e 2023, ficando atrás somente da cidade de São Desidério, na Bahia, outro município grande produtor de soja do MATOPIBA. A cidade maranhense desmatou, em média, 102 hectares por dia, cerca de 145 campos de futebol, nesse intervalo de cinco anos.
Vetores de pressão
O RAD Biomas também analisa os vetores de pressão desse desmatamento, isto é, quais são os agentes responsáveis pela supressão da vegetação, como garimpo, expansão urbana, eventos climáticos extremos, entre outros. Conforme o relatório, o desmatamento por pressão da atividade agropecuária responde por mais de 97% de toda a perda de vegetação nativa no Brasil nos últimos cinco anos, impulsionado pela Região do MATOPIBA. E, pela primeira vez, o Cerrado ultrapassou a Amazônia como bioma mais destruído, com 1,11 milhão de hectares desmatados.
Em outras palavras, os dados do RAD Biomas tanto demonstram o aceleramento da devastação do Cerrado no Maranhão, e em todo o MATOPIBA, como reforçam que essa destruição ocorre, principalmente, pela expansão do agronegócio.
Para avançar, o agronegócio precisa abrir novas áreas de monocultura. Isso provoca conflitos. O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) observa, ano após ano, no seu Atlas da Violência no Campo no Brasil, que uma das principais condicionantes para a violência no campo é a pressão fundiária sobre os territórios dos povos tradicionais e que essa violência é mais letal nas áreas com maior desmatamento. O avanço do agronegócio pressiona violentamente sobre as comunidades quilombolas, tradicionais e de agricultores familiares. É o que ocorre com as comunidades instaladas há muito tempo no Cerrado maranhense.
“Não dá para falar em desmatamento, sem pensar nas pessoas, porque o desmatamento traz um conjunto de mazelas: a insegurança alimentar, a contaminação do solo, a contaminação das águas, as queimadas. Tudo em função do agronegócio, que ocasiona o desmatamento e, principalmente, a violação de direitos humanos. Os conflitos acontecem em função do desmatamento. Quanto mais o agronegócio avança, mais terras são tomadas. Quem fica sem essas terras são as comunidades tradicionais”, afirma Francisca Vieira Paz, presidente da Associação Camponesa (ACA), entidade de defesa das trabalhadoras e trabalhadores rurais no Sul do Maranhão.
Francisca Paz concedeu entrevista com receio, devido às ameaças que sofreu no passado pelo trabalho que desenvolve na ACA.
Conflitos atingem 61 mil famílias
Os dados do RAD Biomas dialogam com as informações sobre conflitos agrários no Maranhão. No estado, entre 2020 e 2024 (o período observado pelo RAD Biomas é de 2019 a 2023), 18 defensores de direitos humanos foram assassinados e há registro de mais 409 pessoas ameaçadas de morte. Esses números são apurados por organizações como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão (FETAEMA), que é uma organização sindical com alcance em praticamente todo o estado por meio dos Sindicatos das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais (STTRs) que estão distribuídos em 2015 dos 2017 municípios.
No mesmo período, de 2020 a 2024, a FETAEMA registrou 405 conflitos em 94 municípios maranhenses. O secretário de Política Agrária da Federação, Edimilson Costa, mestre em Cartografia Social e Política da Amazônia pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), afirma que 80% desses conflitos estão relacionados ao desmatamento e são tanto conflitos agrários, como socioambientais. “É uma questão ambiental, seja pelo desmatamento, ou pelo agrotóxico. Então, eu arrisco dizer que a grande maioria dos conflitos é de incumbência socioambiental”, afirma.
A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) adota os levantamentos elaborados pela CPT, assim como, desde 2021, tem referenciado os dados produzidos pela FETAEMA. “Embora reconhecendo que essas organizações adotam metodologias diferentes, possuem capilaridades distintas e, portanto, produzem dados também distintos, elas sistematizam dados que mostram recortes e violações aos direitos humanos produzidos pela violência no campo”, explica a assistente social da SMDH, Roseane Dias.
A SMDH também relaciona a violência no campo no Maranhão com o desmatamento e o agronegócio. “Desmatamentos se constituem em uma das expressões de violência no contexto dos conflitos agrários, além das ameaças, assassinatos, despejos forçados, dentre outras formas acionadas por agentes que tentam se apropriar indevidamente dos territórios tradicionais, defendidos pelas famílias e suas lideranças”, conclui Roseane Dias.
O tamanho do conflito agrário e socioambiental no Maranhão também é medido em hectares e é assustador. São 2,890 milhões de hectares em disputa no estado, uma área quase do tamanho da Bélgica, maior que o Haiti ou 19 vezes o tamanho da cidade de São Paulo, envolvendo 61 mil famílias. O levantamento é da FETAEMA que, na Região de Balsas, contabiliza 20 municípios com conflitos agrários. “Tem uma situação bem tensa no assentamento de Gado Bravinho [Balsas], envolvendo tentativa de homicídio, queima de casa, tortura, ameaça de morte, expulsão de forma violenta”, afirma Edimilson Costa.
Antônio Gomes de Moraes, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), acompanha há décadas as comunidades da região pelas Pastorais Externas da Diocese de Balsas, das quais atualmente é coordenador. Ele citou o exemplo das pessoas da comunidade de Bom Acerto, em Balsas, comunidade tradicional que, nos anos 1970, era “ponto de desobriga dos padres”, cujo território elas foram forçadas a deixar. “O último caso que nós tivemos foi de Bom Acerto. Os padres faziam celebração ali, casavam, batizavam as pessoas. Foi preciso as famílias saírem de lá. Foram expulsas de lá de uma forma violenta. Depois, encontraram uma outra terra já num processo judicial, um outro local para morar, mas saíram daquela comunidade onde nasceram e se criaram. Aquelas pessoas, elas tiveram, vamos dizer, uma mudança cruel. Vão precisar reaprender a viver em outro lugar. É isso que vem acontecendo, não só com a comunidade Bom Acerto”, afirma.
Antônio Moraes observa que Balsas foi pioneira do agronegócio no Maranhão e revela preocupação com a expansão das áreas de monocultura na região. “Sobretudo a soja entrou por aqui. E cada vez mais vem crescendo a questão dos tamanhos de áreas e das novas áreas abertas aqui, no Sul do Maranhão, na Região de Balsas. Isso tem gerado uma alteração muito grande na vida das pessoas, das famílias, das comunidades, dos territórios. São diversos territórios que vão, vamos dizer, diminuindo, porque o agronegócio não tem como conviver com a pequena agricultura, com a agricultura familiar. Então, ele tem poder, ele tem um apoio político, econômico e termina levando vantagens, saindo à frente, e as comunidades ficam prejudicadas”, analisa.
Vitor Hugo Souza Moraes é advogado e assessor técnico do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), organização que atua com os povos indígenas e povos e comunidades tradicionais em defesa dos biomas. Em junho passado, Moraes esteve em Balsas para ministrar uma oficina na qual apresentou a lideranças comunitárias alguns caminhos para que suas comunidades consigam acessar políticas públicas. Ele observa que os conflitos agrários no Maranhão possuem diversas camadas que precisam ser integralmente analisadas. E que, para além do avanço do agronegócio, a falta de responsabilização dos assassinos e agressores traz a sensação de impunidade e impotência.
“Há componentes ambientais, fundiários, de direitos humanos, de segurança alimentar e de defesa do próprio direito à vida. O aumento desses conflitos nos últimos anos – que colocou o Estado na infeliz liderança nacional em número de conflitos – está diretamente ligado à violência no campo, transformando a zona rural em um cemitério de lideranças camponesas. O Maranhão tem vivido o luto de dezenas de vítimas de mortes violentas e outras tantas vidas ameaçadas por defenderem os direitos de suas comunidades. Algumas delas resistem há mais de um século”, lamenta.
Pessoas ameaçadas
Há mais dados sobre a violência no campo no Maranhão que reforçam o que Vitor Hugo diz. Desde 2016, a SMDH faz a gestão do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas do Ministério da Cidadania e Direitos Humanos (PPDDH). Entre setembro de 2016 e fevereiro deste ano, o PPDDH recebeu 206 solicitações de proteção que se originaram de 51 municípios maranhenses. Todas essas solicitações vieram de pessoas que defendiam os direitos e os territórios de suas comunidades. Atualmente, 113 pessoas estão incluídas no Programa de Proteção no Maranhão. Todos, sem exceção, estão relacionados a conflitos fundiários. Os dados do PPDDH identificam as pessoas ameaçadas da seguinte forma:
46 Posseiros
46 Quilombolas
19 Indígenas
1 Pescador
1 Apoio à luta pela terra
Dessas 113 pessoas, 21 enfrentam o envenenamento de seus territórios com agrotóxicos. “Todas as pessoas incluídas no PPDDH no Maranhão são originárias do campo e as ameaças são decorrentes de conflitos fundiários, em comunidades tradicionais e em Terras Indígenas. É importante destacar que a maioria dos casos que hoje estão em proteção ou que estiveram na proteção são oriundos das regiões do Baixo Parnaíba maranhense, da Região dos Cocais, Região Tocantina e Baixada e são casos que envolvem conflitos que são agrários e ao mesmo tempo ambientais, pois em todos se percebe que na luta em defesa dos territórios perpassam situações graves de desmatamentos e agrotóxicos”, afirma Roseane Dias.
Mapa do Veneno
Nos últimos anos, os conflitos agrários expandiram-se para além da Região Sul do Maranhão, chegando ao Baixo Parnaíba e à Região Leste do Maranhão, novas fronteiras do agronegócio, cuja pressão sobre os territórios ganhou também uma nova faceta: a pulverização de veneno sobre as comunidades no entorno das grandes fazendas de soja e outras monoculturas, por meio de drones e aviões. Essa prática tem se disseminado pelo estado e impactado de diversas formas as comunidades, a começar pela saúde das pessoas.
A FETAEMA em parceria com a Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA) e o Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia da Universidade Federal do Maranhão (LEPENG/UFMA), iniciou um levantamento mensal de comunidades que são atingidas por agrotóxicos, seja por lançamento de avião ou drone, o Mapa do Veneno. De janeiro a julho de 2024, o levantamento chegou ao número de 190 comunidades atingidas em 32 municípios maranhenses.
“Chegar ao sétimo mês do ano com 190 comunidades que são diretamente atingidas por agrotóxicos é de causar espanto, levando-se em consideração, por exemplo, que uma comunidade é formada em média de 20, 30, 40 famílias. Então aqui nós estamos falando de milhares de pessoas que estão sendo diretamente pulverizadas por substâncias químicas, muitas substâncias cancerígenas, muitas substâncias que, em contato com a pele, causam queimaduras; em contato com a mucosa nasal, causam problemas respiratórios – como se fala muito na zona rural, nas comunidades: ‘gasturas’, que é o vômito, a diarreia, a dor de cabeça – então é um número expressivo e, infelizmente, também o Estado brasileiro e o Estado do Maranhão não conseguem, a partir dos dados oficiais, contabilizar quantas pessoas hoje são vítimas de agrotóxico”, afirma Diogo Cabral, advogado da FETAEMA e mestre em Desenvolvimento Socioespacial Regional pela UEMA.
Hoje as grandes fazendas de soja alcançam quase todo o estado. O MATOPIBA deixa de fora apenas a Região Noroeste do Maranhão. Quatro cidades da Região de Balsas estão no Mapa do Veneno, até agora: Balsas, Riachão, São Raimundo das Mangabeiras e Loreto. Mas Chapadinha, na Região Leste do estado, é o município com mais comunidades incluídas no Mapa do Veneno, quase 60. A organização estima que, para cada comunidade que denuncia essa violência, outras cinco permaneçam caladas por diversas razões, inclusive, por medo e pressão.
Os relatos de pulverização aérea de veneno na Região de Balsas são comuns. Na cidade de Loreto, a 160 km de Balsas, uma comunidade, que fica a outros 70 quilômetros distante do centro de Loreto, está no meio das fazendas de soja. José da Luz Costa Filho, conhecido como Zé Filho, agricultor, diretor da Cooperativa Agroecológica pela Vida do Cerrado Sul Maranhense (Coopevida), e vereador de Loreto, no segundo mandato, comentou sobre as consequências para essa comunidade de ter o agronegócio como vizinho, com a contaminação dos igarapés e riachos e a perda da produção da agricultura familiar.
“A pulverização aérea acaba atingindo essas comunidades rurais que estão no entorno, bem como os riachos. Esse processo tem impactado a vida daquelas famílias do Baixão do Sonhém, elas já não produzem. Antes, o Sonhém era conhecido como uma comunidade que produzia bastante laranja, abacate e uma diversidade de frutas, mas isso acabou se perdendo e a gente consegue fazer essa ligação [com o agronegócio]. Em diálogo com as próprias comunidades, com pessoas de lá, [sabemos] que após a expansão desses projetos, começaram a desaparecer as frutas, a laranja e os bichos. Os buritizais também começaram a morrer, que é coisa difícil de você ver. Então, tem essa situação. E aí isso vem impactando também na vida dessas pessoas, que às vezes são obrigadas a sair daquela localidade, são forçadas a ir para o meio urbano”, explica Zé Filho.
Dependendo das condições do tempo, o vento pode levar o veneno a grande distância e o mau cheiro permanece por dias. O presidente do Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais (STTR) de outro município da região, Feira Nova do Maranhão, a 127 quilômetros de Balsas, Alvoni Cruz de Sousa, relata que o cheiro do veneno, por vezes, é sentido até na cidade.
“A gente sente na cidade, sim. O cheiro fica não só no momento que o drone está sobre a plantação e vem o vento, contamina por dias e dias e as pessoas têm desenvolvido problemas de saúde”, afirmou. Algumas propriedades estão próximas ao perímetro urbano de Feira Nova do Maranhão. A pulverização de veneno com drones, conforme a liderança sindical, afetou também os pequenos cursos d’água, de onde os peixes estão desaparecendo, e de onde as comunidades já evitam utilizar a água. “Esse veneno termina se dissolvendo nas correntes dos riachos e aí isso contamina de forma geral e prejudica ainda mais as pessoas, tanto chegando pela via aérea, quanto chegando pelas águas”, afirma Alvoni.
Os dados sobre a utilização de agrotóxicos no Maranhão apontam para um crescimento acelerado nos últimos anos. O consumo de um dos venenos mais utilizados no estado, segundo o Painel de Informações sobre a Comercialização de Agrotóxicos e Afins no Brasi do IBAMA, o glifosato, cresceu de 1,446 mil toneladas, em 2009; para 5,838 mil toneladas, em 2022. O Maranhão, até 2022, era o segundo estado do MATOPIBA maior comprador de glifosato, perdendo apenas para a Bahia, que consumiu 11,066 mil toneladas naquele ano. O que nos remete a Balsas e São Desidério, os dois municípios que mais desmataram entre 2019 e 2023, conforme o RAD Biomas.
Apesar disso, o Maranhão não tem uma política que ordene o uso destas substâncias, tampouco um plano de atenção às populações expostas aos agrotóxicos. Também não há estudos recentes sobre a contaminação das águas, do solo ou sobre a relação entre os agrotóxicos e casos de intoxicação, alergia ou mesmo de câncer no estado, mas os relatos vindos das comunidades preocupam e não podem ser ignorados. As nascentes dos grandes rios que abastecem as cidades maranhenses, inclusive São Luís, abastecida pelo Rio Itapecuru, que nasce no Parque Estadual do Mirador, estão na região de expansão da soja e do agronegócio.
“Nós não somos técnicos. O que nós temos é uma convivência com as famílias. O que a gente tem percebido é que as pessoas estão expostas a esse veneno, querendo ou não, porque o avião passa jogando, em cima das casas, em cima das plantações e temos percebido que diversas doenças estão se manifestando na região. Câncer, antigamente, era uma coisa que não se falava por aqui. Agora é problema de câncer quase todo dia. Dor de cabeça, diarreia, coceira na pele, tonturas… Essa questão de derrames tem sido uma coisa que tem ocorrido continuamente nesta região. Nós não temos um dado, um estudo, mas nós suspeitamos, porque antes do envenenamento de toda essa região, isso não existia, nós suspeitamos que uma coisa está ligada a outra”, afirma Antônio Moraes.
A luta contra os agrotóxicos não deve ser enfrentada isoladamente porque afeta as pessoas tanto no campo como nas cidades. Roseane Dias lista como fundamentais a denúncia, a responsabilização, a mobilização popular e a publicização desse contexto de violência: “Os agrotóxicos são armas acionadas pelos produtores da violência no campo contra povos e comunidades tradicionais no contexto dos conflitos agrários e que também atingem quem mora nas cidades. Por isso, temos que mobilizar a sociedade contra o uso dos agrotóxicos. Esta não deve ser uma luta só de povos e comunidades tradicionais”.
Cássio Bezerra é jornalista no Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)