- Por Juliana Gragnani
Da BBC News Brasil em Londres
Uma sala repleta de estudantes de agronomia assiste a uma palestra sobre mudanças climáticas no Brasil. Estão em uma faculdade no Estado do Mato Grosso, maior produtor de soja do país, ouvindo falar um professor da Universidade de São Paulo. Mas o que escutam é o contrário do que acredita a esmagadora maioria da comunidade científica do mundo. Ali, a mensagem transmitida é de que não existe aquecimento global causado pelo homem.
“Os objetivos [de quem fala em mudanças climáticas] são congelar os países em desenvolvimento. O Brasil é o principal foco dessas operações que envolvem meio ambiente e clima. A ideia da mudança climática e dessas questões ambientais são para segurar o nosso desenvolvimento”, afirmou o palestrante, o meteorologista Ricardo Felicio, sem respaldo científico, em uma entrevista concedida após o evento que aconteceu em 2019.
Na realidade, segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de agosto deste ano, o papel da influência humana no aquecimento do planeta é “inequívoco”. É para limitar as mudanças climáticas por meio da redução na emissão de gases de efeito estufa que líderes se reuniram nas últimas duas semanas na COP26 em Glasgow, no Reino Unido.
No Brasil, a maior causa de emissões de dióxido de carbono é o desmatamento feito para expansão da agricultura e da pecuária.
Mas, na contramão do que diz a ciência, associações do agronegócio — de fazendeiros de soja, passando por cafeicultores, sindicatos rurais, faculdades ligadas a agronomia e até uma empresa de fertilizantes — estão bancando palestras dos chamados “negacionistas climáticos”, pessoas que não acreditam que existam mudanças climáticas causadas pelo homem e que apresentam esse fato como uma fraude. As apresentações são direcionadas a outros fazendeiros, produtores rurais ou estudantes de agronomia.
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A reportagem contou ao menos 20 palestras do tipo nesses ambientes nos últimos três anos feitas por Felicio e por outro professor. A citada no início desta reportagem aconteceu em 2019, e fez parte de um circuito universitário de um total de 11 palestras com o nome “Aquecimento global, mito ou realidade?” em nove faculdades e dois sindicatos no Mato Grosso. Todas elas foram bancadas pela Aprosoja Mato Grosso, a associação de produtores de soja e milho do Estado, maior produtor de soja do Brasil.
Ao mesmo tempo em que negam o aquecimento global antropogênico, as palestras pagas e vistas por ruralistas os absolvem de reconhecer seu papel nas mudanças climáticas. Elas seriam, de acordo com o conteúdo contrário ao consenso científico apresentado pelos professores, somente fruto de variações naturais, sem interferência alguma do homem.
Ao contrário desse setor “negacionista” do agronegócio, o presidente do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio, Marcello Brito, diz que a associação se pauta “pela melhor ciência” e que “jogar fora a ciência porque ela não nos traz só vantagens, mas também deveres, é no mínimo contraproducente, jogando contra a melhoria contínua”.
Palestras
Felicio, o professor do departamento de Geografia da USP contratado pela Aprosoja Mato Grosso em 2019, é conhecido por suas posições controversas — ultimamente, em relação à pandemia de covid-19. Em um vídeo publicado em agosto deste ano em seu canal do YouTube, chamou a pandemia de “fraudemia” e disse, sem base científica, que vacinas causam danos maiores que a covid-19. Em outro, afirmou que máscaras não são efetivas contra a covid-19. É também um notório negacionista das mudanças climáticas causadas pelo homem. Ficou conhecido em 2012, quando foi convidado ao Programa do Jô, da Globo, e, sem provas, negou o efeito estufa.
Durante três semanas, a reportagem tentou falar com Felicio por telefonemas, mensagens de texto e e-mails, mas não obteve resposta. O vice-presidente da Aprosoja Mato Grosso, Lucas Beber, justificou o convite em entrevista à BBC News Brasil.
“A gente trouxe o Ricardo Felicio para fazer um contraponto com aquilo que é replicado na mídia hoje, que parece uma verdade absoluta. A gente não queria impor aquilo como uma verdade, mas sim trazer a um debate”, afirma. Para ele, as mudanças climáticas causadas pelo homem ainda são uma “incerteza” — embora já haja consenso científico em torno delas. Beber também disse não se lembrar quanto custou o ciclo de 11 palestras feitas por Felicio naquele ano.
No ano passado, o meteorologista também foi convidado para falar no Tecno Safra Nortão 2020, uma feira para produtores rurais, lideranças, técnicos, pesquisadores e estudantes organizada pelo sindicato rural de Matupá, município no norte de Mato Grosso.
Segundo o vice-presidente do sindicato, Fernando Bertolin, ao menos cem pessoas, entre pequenos e grandes agricultores, pecuaristas e outras pessoas da cidade assistiram à palestra. Ele defende o convite, dizendo que, à época, Felicio estava “bem forte na mídia” e que sua palestra “foi um pedido dos produtores”. “A gente ouve todo mundo. Ele tem o embasamento teórico dele e a gente queria saber por que ele dizia aquilo.”
Bertolin diz não se recordar do valor da palestra de Felicio de cabeça, mas afirma que nenhuma das contratadas pela feira custou mais de R$ 15 mil.
Em 2018, Felicio concorreu, sem sucesso, ao cargo de deputado federal pelo PSL, antigo partido do presidente Jair Bolsonaro.
Um ano antes, o presidente tuitou um vídeo de uma entrevista em que Felicio nega a existência de mudanças climáticas causadas pelo homem. Bolsonaro escreveu: “Vale a pena conferir”. Consultada pela BBC News Brasil sobre esta recomendação feita por Bolsonaro, a assessoria da Presidência não respondeu.
O professor não foi aclamado apenas pelo presidente. Em 2019, Felicio foi convidado para dar uma palestra no Senado ao lado de outro acadêmico que não acredita no aquecimento global causado pelo homem, o professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), meteorologista Luiz Carlos Molion.
O convite para que os professores falassem em uma audiência pública conjunta das comissões de Relações Exteriores e de Meio Ambiente do Senado sobre as mudanças climáticas partiu do senador do Acre Marcio Bittar (hoje PSL, mas, na época, do MDB), um ex-pecuarista que faz parte da bancada ruralista.
Ao lado de Felicio, Molion é considerado um dos principais representantes do negacionismo climático no Brasil e autor das outras palestras contabilizadas pela reportagem.
Nos últimos três anos, Molion fez diversas palestras promovidas por entidades como a Cooperativa Agrícola de Unaí, em Minas Gerais, a Associação Avícola de Pernambuco, a Associação de Engenheiros e Arquitetos de Itanhaém, com o patrocínio oficial do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo, a Central Campo, uma empresa especializada na venda de insumos agrícolas, a Feira Agrotecnológica do Tocantins, do governo do Tocantins, a feira de Agronegócios da Cooabriel, uma cooperativa de café com atuação no Espírito Santo e na Bahia, e o sindicato rural de Canarana, no Mato Grosso.
Molion também foi convidado para falar em universidades: o Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A BBC News Brasil procurou todas essas instituições para comentar sobre os convites que fizeram a Molion — leia as respostas abaixo e no fim desta reportagem.
A maior parte dessas palestras tem como tema as perspectivas climáticas para o ano seguinte e as “tendências para os próximos 10 anos”. Nas palestras — a maioria disponível no YouTube e vistas pela BBC News Brasil —, Molion de fato faz previsões para o ano seguinte, útil para que os produtores rurais se planejem para as próximas safras, mas reserva a última parte da palestra para falar sobre como o “aquecimento global é uma fraude” — novamente, uma afirmação sem embasamento científico.
Ele mostra um slide na parte final em sua apresentação de Powerpoint, com suas palavras finais. O texto da apresentação diz que o clima “varia por causas naturais”, e que “eventos extremos sempre ocorreram”. Afirma, também: “Aquecimento global é mito. CO2 não controla o clima, não é vilão (…) Redução de emissões: inútil!”
Na palestra promovida pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Aquicultura do governo do Tocantins em maio de 2020, por exemplo, Molion afirmou, contrariando a ciência, que o “aquecimento global é uma farsa, é um mito”. “Reduzir emissões como quer esse Acordo de Paris de 2015 é inútil, o Brasil tinha que pular fora porque reduzir emissões não vai causar nenhum benefício para o planeta, para o clima, porque o CO2 não controla o clima”, disse, indo contra a esmagadora maioria da produção científica dos últimos anos e aos esforço global de selar acordos para diminuir as emissões dos gases de efeito estufa.
A secretaria disse que o convidou, ao lado de outros palestrantes, para “alinhar o setor agropecuário quanto às diversas correntes existentes e auxiliá-los no seu planejamento e tomadas de decisão mais assertivas para seu empreendimento rural”.
Depois, em outubro de 2020, em um seminário virtual promovido pela Central Campo, uma empresa mineira especializada na venda de insumos agrícolas, Molion fez as mesmas afirmações sobre o CO2 e o Acordo de Paris.
O diretor da empresa, Artur Barros, disse por e-mail à BBC News Brasil que a empresa “sempre soube do posicionamento do professor Molion, que é muito pragmático quanto às questões climáticas” e “o profissional que tem maior assertividade nas previsões”. “A Central Campo, assim como grande parte dos produtores atendidos pela empresa, está muito alinhada ao posicionamento do professor Molion”.
À BBC News Brasil, Molion afirmou: “Procuro usar minhas palestras para o agronegócio, que não são poucas, para no terceiro bloco falar sobre as mudanças climáticas e a farsa do CO2 como controlador do clima global. Faço um diagnóstico local, previsão para safra e depois falo sobre a tendência do clima dos próximos dez, 15 anos, que é de resfriamento.”
Segundo Molion, ele dá 50 palestras por ano, “a grande maioria, 80%, 85% para o agronegócio”, cobrando R$ 4 mil por cada uma. Barros, da Central Campo, afirmou que foi este o valor que pagou pela palestra do professor.
O meteorologista diz que não se incomoda de ser chamado de “negacionista”, embora, ressalte, nunca tenha negado que houve aquecimento no planeta em um período específico no passado. “Eu levo o que acho que está correto, pode ser que daqui a alguns anos me provem que estou errado e vou reconhecer isto. Não sou paraquedista. Eu tenho visão muito crítica do clima local e global graças ao meu treinamento.”
Um dos seminários mais recentes de que participou teve também a presença de membros do governo Bolsonaro: o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro de Infraestrutura, Tarcisio Freitas. Foi um seminário virtual sobre a Amazônia em agosto deste ano organizado pelo Instituto General Villas Bôas, ONG do ex-comandante do Exército.
Contrariando o consenso da comunidade científica sobre as mudanças climáticas, Molion defendeu que o clima global varia naturalmente, sem influência da ação humana, e apresentou um slide em que dizia que o efeito-estufa, “como descrito pelo IPCC, é questionável”. Antes de passar a palavra para o ministro Freitas, afirmou: “CO2 não é vilão, quanto mais CO2 tiver na atmosfera, melhor”.
A BBC News Brasil procurou a vice-presidência questionando por que Mourão aceitou participar de um seminário ao lado de um professor que nega que a ação do homem esteja contribuindo para o aquecimento global. Sua assessoria disse apenas que Mourão participou do evento a convite do Instituto General Villas Bôas e que “baseia-se em dados científicos para emissão de suas ideias e opiniões”.
A assessoria do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, afirmou que ele participou do seminário após convite feito pelo próprio general Villas Boas. A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, foi inicialmente anunciada como um dos nomes de ministros que participariam do seminário, mas sua assessoria informou que ela não participaria do evento, sem responder por que desistiu.
Negacionismo climático no Brasil
A genealogia do negacionismo climático no Brasil começa nos anos 2000, quando a imprensa “dava pesos iguais para argumentos com pesos totalmente diferentes”, avalia o sociólogo Jean Miguel, pesquisador associado da Unifesp que estuda o tema. O debate sobre o assunto no Brasil se deu principalmente a partir do documentário americano Uma Verdade Inconveniente (2006), sobre a campanha do ex-vice-presidente americano Al Gore a respeito do aquecimento global.
Enquanto isso, um grupo pequeno de negacionistas na academia brasileira, incluindo Felicio e Molion, se pronunciavam publicamente sobre o tema. Para Miguel, eles são “verdadeiros mercadores da dúvida, trabalhando para destacar lacunas que toda ciência possui e amplificar incertezas”.
“[E quem os ouviu no Brasil] foi parte do agronegócio interessado na desregulamentação florestal”, responde Miguel.
Hoje, “as palestras fazem massagem no ego do produtor rural e criam a mentalidade de que esses grupos de agronegócio estão sendo injustiçados enquanto estão contribuindo para o PIB nacional”, diz o pesquisador.
Não significa que todos os produtores rurais sejam negacionistas. “A briga hoje é entre dois lados: o setor de agroexportação, que está mais em contato com compradores internacionais, portanto mais pressionado pela questão reputacional, e que faz investimentos a longo prazo, pensando na questão produtiva na próxima década, não na próxima safra”, diz Raoni Rajão, professor de gestão ambiental na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Outro lado do setor são os produtores, mais politizados e fortes apoiadores de Bolsonaro e toda sua agenda. Eles de certa forma compram esse discurso que toda a narrativa de mudança climática é algo para poder impedir o desenvolvimento do Brasil.”
Apesar de não começar no governo Bolsonaro, o negacionismo “encontra terreno fértil para proliferar” em sua gestão, avalia Miguel, citando algumas ações do governo atual, como o fechamento da secretaria responsável por elaborar políticas públicas sobre as mudanças climáticas, no início da gestão Bolsonaro (ela foi reaberta em meio a críticas no ano seguinte) e a desistência em sediara COP-25 que ocorreria no Brasil em novembro de 2019. Em sua campanha, em 2018, Bolsonaro também prometeu acabar com o que chamava de “indústria das multas” ambientais.
O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que ficou no cargo do começo do governo Bolsonaro até março de 2021, chegou a colocar em dúvida que as mudanças climáticas seriam causadas pela ação humana, na contramão do consenso científico.
“Eles estão altamente informados pelo negacionismo climático. Mesmo que não digam que é uma fraude, de uma maneira interna vão criando as possibilidade de sabotar a ciência e as políticas climáticas nacionais, com formas práticas de negacionismo climático”, afirma Miguel.
Reportagem recente da BBC News Brasil mostrou que o governo Bolsonaro cortou em 93% os gastos para estudos e projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos três primeiros anos da sua gestão quando comparado com os três anos anteriores.
Desmatamento
Mas ações práticas terão de ser adotadas para que o Brasil cumpra as metas anunciadas pelo governo durante a COP-26: zerar o desmatamento ilegal no país até 2028, reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 50% até 2030 e atingir a neutralidade de carbono até 2050.
O desmatamento, causado pela expansão da agricultura e da pecuária, é responsável pela maior emissão de CO2 no Brasil.
Só entre agosto de 2019 e julho de 2020, uma área de 10.851 km2 — mais ou menos metade da área do Estado de Sergipe — foi desmatada na Amazônia Legal, segundo dados do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O valor representou um aumento de 7,13% em relação ao ano anterior.
Esse crescimento teve um claro reflexo nas emissões de gases poluentes pelo Brasil em 2020. Houve um aumento de 9,5%, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, principalmente por mudanças no uso da terra e floresta, que inclui o desmatamento, e a agropecuária. O aumento aconteceu na contramão do mundo que, parado por conta da pandemia de covid-19, diminuiu as emissões em 7%.
Para Tasso Azevedo, coordenador do SEEG, a boa notícia é que, se o Brasil conseguir controlar o desmatamento, “as emissões cairão muito rapidamente”. “Se controlarmos o desmatamento, não há país no mundo que vai ter emissões menores proporcionalmente do que temos no Brasil, então acho que é uma oportunidade. Teremos um resultado incrível para o Brasil e para o planeta.”
Apesar de pertencer ao setor responsável pela maior parte de emissões de gases do efeito estufa no Brasil, parte dos ruralistas diz acreditar ser injustamente acusada por ambientalistas.
As palestras do meteorologista Felicio no Mato Grosso, em 2019, “foram bem numa época em que era moda dizer que o agricultor era quem estava acabando com o mundo”, diz o produtor rural Artemio Antonini, presidente do sindicato rural de Nova Xavantina, no Mato Grosso. Também cético em relação às mudanças climáticas, Antonini ajudou a organizar a palestra de Felicio na região.
Na opinião de Rajão, da UFMG, “o agro como um todo toma as dores e se sente ofendido quando se fala de desmatamento”. “A reação é negar o desmatamento e a existência das mudanças climáticas.”
“Tomar as dores” porque, de fato, quem desmata primariamente não é produtor rural. Uma área desmatada começa com uma onda de especuladores – quem demarca a terra e serra dali a vegetação depois quem tenta regularizar a área -, em seguida vem o pecuarista e depois vem o agricultor, explica Rajão. “Por isso que quando dizem que não estão envolvidos com o desmatamento, é verdade, boa parte deles não está. Mas se beneficiam de um fornecimento de terra barata, que vem de todo o processo de desmatamento ilegal que às vezes aconteceu 10 anos antes.”
A ilegalidade é bastante concentrada. O estudo “As maçãs podres do agronegócio brasileiro”, de Rajão e outros pesquisadores, mostrou que mais de 90% dos produtores na Amazônia e no Cerrado não praticaram desmatamento ilegal após 2008. Além disso, apenas 2% das propriedades nessas regiões eram responsáveis por 62% de todo desmatamento potencialmente ilegal. O trabalho foi publicado na revista Science no ano passado.
‘Agrosuicídio’
O agricultor de soja Ilson Redivo também esteve na plateia em uma das palestras que o professor Ricardo Felicio deu em 2019, no município de Sinop, norte do Mato Grosso.
Redivo migrou do Paraná para Sinop em 1988, inicialmente trabalhando, como a maioria dos migrantes, no setor madeireiro. “Era um grande polo madeireiro, e era o que dava retorno na época”, diz. Hoje, ele possui uma fazenda de 4200 hectares de milho e soja na região, e é presidente do Sindicato Rural da cidade.
Ele diz ter gostado da palestra de Felicio. Como ele, o produtor rural também rejeita a ciência estabelecida sobre o aquecimento global. Ele diz que é uma “narrativa econômica”, não ambiental, criada para conter o desenvolvimento do Brasil.
“Eu estou há trinta anos aqui, foi desmatado um monte e o clima continua da mesma forma, tá certo? Não houve alteração climática”, diz Redivo à BBC News Brasil.
Ecoando argumentos já usados por Bolsonaro, o agricultor diz que o Brasil é “um exemplo para o mundo em preservação ambiental”. “O produtor brasileiro é o cara que mais preserva.”
O argumento é repetido por outros produtores rurais. “Ninguém fala que o agricultor está deixando 80% e só usando 20% da área para produzir”, reclama o produtor rural Antonini.
Eles se referem à Reserva Legal, um dispositivo criado no Código Florestal Brasileiro que obriga os proprietários de terras na Amazônia a preservar 80% da floresta nativa (no Cerrado, o valor é de 35%; em outros biomas, 20%), algo que beneficia o próprio agronegócio, por meio dos serviços ambientais prestados pela floresta. Muitos agricultores acham isso injusto. Mas, na prática, nem todos respeitam essa exigência.
A pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) Ritaumaria Pereira conduziu entrevistas com 131 criadores de gado no Pará em 2013 e 2014 e descobriu que mais de 95% deles declararam preservar menos do que a quantidade exigida. Segundo ela, argumentam que, quando chegaram, a terra já estava nua, ou que no passado tinham o estímulo para desmatar, ou que não tinham recursos para regenerar 80%.
Para Pereira, da Imazon, para que o Brasil consiga cumprir as metas anunciadas durante a COP-26, será preciso investir em fiscalização na Amazônia, fortalecendo órgãos como o Ibama e o ICMBio.
Também será preciso combater o discurso do negacionismo climático. A mensagem transmitida a produtores rurais, diz ela, legitima o desmatamento, e “traz mais pessoas para esse pensamento, para que, num futuro próximo, validem assim tudo o que já desmataram”.
Para Rajão, da UFMG, é uma narrativa “que no curto prazo é confortante, mas no longo prazo contribui para o chamado ‘agrosuicídio'”.
Posicionamentos de empresas que convidaram professores para palestras
Cooperativa Agrícola de Unaí (Coagril)
A Cooperativa Agrícola de Unaí Ltda (Coagril) diz “ter contratado o professor Molion no intuito de obter informações acerca do regime de chuvas para a região de sua atuação, visando ao planejamento estratégico dos seus negócios e de seus cooperado”.
Associação Avícola de Pernambuco
“A AVIPE reforça seu caráter plural onde preza pela diversidade de ideias onde o debate de todos os pontos de vista precisa ser exaurido constantemente com o intuito da busca eterna de uma conclusão contingente sobre quaisquer assuntos. (…) Como associação, não nos cabe acreditar ou não se os fatos humanos causam mudanças climáticas, pois nosso papel não é de credo, mas sim de apoiar o debate científico por aqueles que se dedicam toda uma vida em pesquisa. Não condiz com nossos princípios, condutas e valores, selecionar uma parcela de opiniões do mundo científico para apoiar determinada conclusão com fins casuísticos ou individuais. Aspectos financeiros são reservados apenas aos nossos associados.”
Associação de Engenheiros e Arquitetos de Itanhaém, com o patrocínio oficial do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo
A Associação de Engenheiros e Arquitetos de Itanhaém recebeu o pedido da BBC News Brasil por e-mail e WhatsApp, mas não respondeu.
O Crea-SP respondeu que “tem como missão legal o aperfeiçoamento técnico e cultural dos profissionais da área tecnológica, conforme a Lei 5.194”.
“Os eventos com essa finalidade, realizados pelas associações, são de responsabilidade de seus idealizadores e não necessariamente representam a posição do Crea-SP.
O Conselho reforça ainda que acredita em mudanças climáticas causadas pelas ações humanas e, como forma de apoiar medidas para combatê-las, é signatário dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.”
Cooperativa de café Cooabriel
Recebeu o pedido da BBC News Brasil por e-mail, mas não respondeu.
Sindicato rural de Canarana
O presidente do sindicato, Alex Wisch, respondeu, por mensagem via WhatsApp: “Propomos que vocês indiquem um cientista de mesmo nível acadêmico do Prof. Molion para que todos possam ter conhecimento da verdade científica sobre esse tema. Podemos colaborar financeiramente com esse evento e inclusive sediar o evento.”
Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Por telefone, o vice-diretor do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, Helder Augusto, afirmou: “Na universidade, há diversidade de ideias e contrapontos. Não é um posicionamento da UFMG. É um ponto de vista dele, é uma fala relativa. A pessoa veio, fez palestra e pode falar o que bem entender porque é um ambiente público. A universidade não paga palestra para ninguém.”
Universidade Federal da Paraíba
“O evento foi realizado no auditório do Centro de Tecnologia da UFPB, organizado no âmbito do Departamento de Engenharia Mecânica, que aproveitou que o palestrante já estava em João Pessoa (PB) e o convidou para ministrar palestra na UFPB, portanto, neste caso em particular, sem ônus para a UFPB.
A iniciativa de convidar o pesquisador para ministrar palestra sobre seus estudos não se confunde com a visão, missão e valores da UFPB, entre os quais destaca-se o caráter público e autônomo da Universidade.
A UFPB defende o papel da academia e apoia a ciência e a pesquisa, o conhecimento gerado a partir de métodos científicos, no intuito de encontrar soluções para desafios em todas as áreas e geração de benefícios para a sociedade. Por meio da ciência, as teorias são constantemente testadas, visando sua comprovação ou substituição por outra teoria que resista à checagem. Não compete à Universidade aplicar censura prévia à ciência.”