Por Andrés Pasquis/Gias
Qual é um dos pontos em comum entre a alarmante destruição do Cerrado brasileiro e alta e incidência de câncer em certas regiões do Brasil? A utilização de agrotóxicos* pelo agronegócio nas monoculturas é provavelmente um dos principais catalizadores. Esse tema transversal foi abordado durante a ‘Oficina da saúde da mulher: dialogando sobre o Cerrado e o câncer de mama’, organizada no sábado (25) pela Comissão Pastoral da Terra – CPT de Mato Grosso na comunidade de São Manoel do Parí, município de Nossa Senhora do Livramento, a 32 km de Cuiabá.
Cleudes de Souza Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Livramento, explicou que o Cerrado, berço das águas que alimentam as grandes bacias do continente sul-americano, está em perigo devido à sua exploração pelo agronegócio, com uma utilização desenfreada de agrotóxicos, que empobrecem a terra, poluem os rios, contaminam o ar e envenenam as pessoas. No entanto, Cleudes explica que esse problema vem de uma mentalidade antiga, cujo único foco é o lucro, representada hoje pelo agronegócio, a matriz energética e um sistema patriarcal e discriminatório.
“A mulher criou a agricultura cerca de 10.000 anos atrás, e aí o homem criou a propriedade privada. A propriedade privada permitiu a dominação do homem sobre o homem e do homem sobre a mulher”, disse Cleudes, demonstrando que, no final das contas, muitos dos problemas enfrentados hoje pela sociedade estão relacionados. O presidente lamenta que temas como esses não sejam ensinados nas escolas, pois através de uma verdadeira conscientização, haveria uma possibilidade de lutar contra a utilização exagerada de agrotóxicos, a degradação do Cerrado e a propagação de vários tipos de câncer. Em outras palavras, seria uma garantia para nossa saúde e nosso futuro.
Na sequência, Adriana Catelli Correa, representante da MTmamma amigos do peito, introduziu o trabalho da Associação criada em março de 2009, cujo objetivo é auxiliar pessoas portadoras desse câncer, através de programas educativos, atendimento psicossocial, atividades voltadas para a autoestima, orientações jurídicas, terapias complementares e capacitação de voluntários, entre outros. O trabalho da MTmamma começou com voluntários que levavam café e reconforto para pacientes e famílias vítimas dessa doença, já que além dos impactos físicos que o câncer tem, existem graves impactos psicológicos e emocionais.
A representante denunciou que, além disso, a mulher tem que enfrentar o preconceito espalhado pela imagem de feminilidade ligada ao peito, imagem imposta por essa mesma sociedade machista e patriarcal. “Hoje, a mulher é extremamente objetificada, reduzida a um par de seios, a um pedaço de carne. No caso do câncer de mama, não só cria insegurança e vergonha terríveis, como põe vidas em risco, já que muitas mulheres preferem ignorar certos sinais da doença, por medo de perder o peito”, lamentou Adriana.
Nesse sentido, as voluntárias da Associação realizam um forte trabalho de conscientização e troca de vivências, já que muitas delas passaram ou passam por essa dolorosa experiência. O trabalho é ainda mais importante quando se trata de comunidades do campo, cujo acesso à informações e infraestrutura é mais difícil. No entanto, até nos centros urbanos existem muitas carências de infraestrutura e atendimento, lembrou a representante. Ela defende que muitos esforços em políticas publicas precisam ser feitos pelos governos estadual e federal.
Para lutar contra o câncer e a degradação do Cerrado, existem alternativas, como um sistema pautado na agroecologia. A agroecologia luta por um estilo de vida saudável e pelos direitos e empoderamento da mulher. A Irmã Vera, coordenadora regional da CPT, explicou que a organização trabalha essas problemáticas e muitas mais, desde sua criação com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), 40 anos atrás, durante a ditadura militar. “A Comissão foi criada com labradores, sindicatos, povos e comunidades do campo submetidos à violências e conflitos. Não é uma igreja, não representa uma só religião, é uma organização ecumênica que luta por uma sociedade social e ambientalmente justa”.
No Mato Grosso, a CPT é um dos membros fundadores do Grupo de Intercâmbio em Agroecologia – Gias, uma rede de cerca de 40 organizações cujo objetivo é alertar a sociedade mato-grossense sobre as ameaças representadas pelo agronegócio, demostrando que outro sistema social, ambiental e economicamente justo é possível: a agroecologia. Nessa ótica, a agroecologia garante a segurança e soberania alimentar, protege o meio-ambiente, promove populações e povos tradicionais, empodera mulheres, jovens e a agricultura familiar, e valoriza o intercâmbio de conhecimentos tanto recentes quanto ancestrais.
No entanto, Gloria María Grández Muñoz, avisou que essas lutas, que já eram difíceis até então, vão provavelmente ficar piores ainda, dada a atual conjuntura política do país. “Estamos vivendo uma situação muito triste, com um governo golpista que não para de cometer retrocessos contra a agricultura familiar, a saúde, a educação e as mulheres. Em apenas um mês conseguiu acabar com várias conquistas alcançadas pela sociedade civil e os movimentos sociais. Por isso precisamos ficar unidos, atentos e nos organizar”, concluiu a assistente social ligada à CPT e assessora do deputado federal Ságuas Morães.
Links:
– Saiba mais sobre a CPT: http://www.cptnacional.org.br/index.php
– Saiba mais sobre a Associação MTmamma, amigos do peito: http://www.mtmamma.com.br/principal
– Saiba mais sobre o Gias: http://bit.ly/GiasFB
* Os dados sobre agrotóxicos estão disponíveis no dossiê Abrasco: http://abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/