Uma chácara que produz hortaliças, localizada em Vicente Pires, foi interditada. O MPT resgatou os trabalhadores que moravam no local
Por Isadora Teixeira, no Metrópoles
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel resgatou seis trabalhadores em condições análogas à escravidão, em uma chácara de produção de hortaliças, localizada em Vicente Pires, no Distrito Federal.
Integrante da força-tarefa, o procurador do trabalho Tiago Siqueira Barbosa Cabral, do Ministério Público do Trabalho (MPT), contou à coluna Grande Angular que os funcionários eram submetidos à jornada exaustiva, não havia cumprimento de normas básicas de segurança do trabalho e os alojamentos estavam em condições degradantes. Por esses e outros motivos, a chácara foi interditada pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério da Economia, no dia 26 de março de 2021.
Um trabalhador fazia o manejo e aplicação de agrotóxicos sem ter capacitação. Até crianças tinham acesso ao espaço onde os itens perigosos à saúde eram guardados.
“Os agrotóxicos estavam acondicionados em local incorreto. Os produtos deve ser guardados em uma construção que seja separada do alojamento, sempre com tranca e onde somente uma pessoa tenha acesso. Os agrotóxicos são altamente tóxicos, segundo a classificação do Ministério da Agricultura”, disse o procurador do trabalho.
Em uma audiência conduzida pelo MPT e a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério da Economia, o empregado responsável pelos agrotóxicos contou que veio do Piauí. O homem recebia R$ 1,3 mil por mês, mais R$ 150 “por fora”, e trabalhava das 7h às 21h, com uma hora de descanso, de domingo a domingo. A folga era dada somente a cada 15 dias, aos sábados e domingos.
O empregado relatou sentir fortes dores na coluna, nas pernas e tontura. Segundo ele, o patrão não fornecia alimentação nem o deixava sair da chácara sem autorização. A esposa do trabalhador era quem cozinhava para os outros funcionários e recebia R$ 400 pelo serviço.
O alojamento não tem água quente para o banho, pois o chuveiro queimou, segundo o depoimento. O trabalhador revelou que a água usada para beber é da cisterna e não passa por filtragem. Durante a seca, a água para consumo fica com “cor de lama”, de acordo com o relato do empregado. No local, as famílias dos trabalhadores dividiam um só banheiro.
Interdição
As roupas do trabalhador que manipula os agrotóxicos, conforme o depoimento dele, têm seis meses de uso e eram lavadas pela própria esposa. Esse é um dos fatores de risco apontados pelo auditor fiscal no Termo de Interdição, obtido pela coluna.
O documento do Ministério da Economia que interditou totalmente as atividades ligadas à horticultura indica, como outras irregularidades, “deixar de cumprir um ou mais dispositivos relativos à capacitação sobre prevenção de acidentes com agrotóxicos a todos os trabalhadores expostos diretamente” e “deixar de fornecer, aos trabalhadores expostos a agrotóxicos, EPI e vestimenta adequados aos riscos” ou fornecê-los sem perfeitas condições de uso.
Segundo o auditor responsável, as possíveis consequências dos riscos identificados são a contaminação por agrotóxicos dos empregados expostos direta ou indiretamente, bem como de seus familiares alojados no local, e a contaminação por organismos patogênicos (que podem produzir doenças), em razão das precárias condições de moradia.
Para a suspensão da interdição, devem ser adotadas medidas necessárias e suficientes para eliminação dos riscos à saúde e à segurança dos trabalhadores.
Crianças
Uma segunda testemunha, que também é do Piauí e veio para a chácara no DF, confirmou que a jornada de trabalho começa às 7h e, no caso dele, acaba às 18h, normalmente, mas se encerra às 20h quando é dia de colheita. Segundo o funcionário, os agrotóxicos ficam em local aberto e as crianças acessam o espaço. Ele morava no alojamento com a esposa e dois filhos, um com 7 anos e outro com 1 ano e meio.
O patrão, identificado como Renato Batista da Silva, admitiu, em audiência, que o trabalhador não recebeu treinamento para aplicação dos agrotóxicos. Sobre a água consumida pelos funcionários, alegou que a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa) fez teste de potabilidade anualmente.
Futuro
Na última quinta-feira (1º/4), Renato Batista da Silva assinou um Termo de Ajuste de Conduta com o MPT, no qual se compromete a cumprir as leis trabalhistas. A Cláusula 3ª do documento estabelece que ele deve custear o transporte e a alimentação dos trabalhadores resgatados à cidade de origem e apresentar o comprovante ao Ministério Público em cinco dias. Até que os empregados voltem aos seus municípios, ele deve pagar as despesas com hospedagem, por exemplo.
O procurador do trabalho Tiago Siqueira Barbosa Cabral explicou que os resgatados deverão receber, como seguro desemprego especial, três parcelas de salário mínimo e, posteriormente, a assistência social entrará em contato com as famílias para fazer acompanhamento delas.
“As pessoas que foram resgatadas pelo Grupo Especial devem retornar ao seu local de origem, que são, no caso, Piauí e Alexânia. É obrigação do empregador pagar por isso, tanto pelo ato de infração quanto pelo termo de ajustamento de conduta. Os contratos são rescindidos e eles recebem os direitos como se fossem demitidos sem justa causa. O empregador pagou esses trabalhadores ontem”, disse o procurador.
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel, coordenado pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, é integrado pelo MPT, Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF).
A coluna não conseguiu contato com o patrão e a empresa citados. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.