Coluna falará sobre agronegócio e alternativas como a agroecologia, produção de justa e saudável de alimentos
Amigas e amigos leitores, iniciamos hoje uma coluna na página do jornal Brasil de Fato para tratar dos agrotóxicos e transgênicos, em específico, mas também do modelo do agronegócio de forma geral. Falaremos também, é claro, sobre agroecologia e todas as formas que já são realidade para a produção de alimentos de forma justa e saudável.
A coluna será escrita por militantes da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, grupo que há cinco anos vem articulando diversas organizações no Brasil inteiro nesta batalha.
Neste texto de estreia, vamos mostrar um pouco do panorama dos agrotóxicos no Brasil. O título faz referência ao famoso filme de Sílvio Tendler “O veneno está na mesa”, que cumpriu importante função de mostrar a tóxica realidade brasileira em 2011. Vamos atualizar alguns dados, e comentar como estamos hoje, com os venenos, infelizmente, ainda sobre a mesa.
Afinal, quanto veneno?
Em relação ao consumo de agrotóxicos no Brasil, hoje paira uma grande incerteza sobre os números exatos. No ano de 2015, só foram divulgados os valores em dólares dos ganhos da indústria. Neste sentido, houve uma forte queda, de 21%, em relação a 2014. No entanto, se considerarmos a variação do câmbio, vemos que na verdade o faturamento em reais subiu de R$28 para R$32 bilhões. Como uma boa parte do custo dos agrotóxicos é importada, não é possível saber se aumentou ou diminuiu a quantidade de agrotóxicos em 2015.
A indústria considera ainda que 20% dos agrotóxicos utilizados no Brasil são contrabandeados, ou seja, os número acima representam apenas 80% do veneno que vai para os campos, rios, aquíferos, solo, e por fim, para a nossa mesa.
O Brasil ainda é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo? Não sabemos ao certo, pois os EUA, nossa maior concorrência, não divulga dados desde 2008. Mas pouco importa: aqui se comercializa 17,5% de todo agrotóxico vendido no mundo, mas temos apenas 12,3% da produção mundial de soja e milho, as duas culturas que mais consomem venenos.
Doenças
Todos estes números parecem pouco importantes quando analisamos as novas evidências científicas sobre os danos causados pelos agrotóxicos à nossa saúde. Muitas das doenças não precisam que se tome um banho de agrotóxicos – basta aquela pequena dose diária.
Recente artigo publicado na revista “Science of the Total Environment” fez uma revisão de efeitos causados por agrotóxicos na saúde. Um total de 272 artigos publicados de 2010 até hoje foram analisados, e os principais efeitos investigados foram: câncer, asma, diabetes, Mal de Parkinson, leucemia e efeitos cognitivos, como baixo QI em crianças, mal funcionamento da memória e baixa compreensão verbal. Foi mencionada ainda redução da atividade do esperma em homens, entre outros efeitos.
Outros trabalhos recentes mencionam também a doença celíaca, que gera intolerância ao glúten, e o autismo como doenças causadas pela exposição aos agrotóxicos. No Brasil, o grupo da professora Raquel Rigotto investiga uma comunidade de 2.600 habitantes em que cinco crianças nasceram com má-formação congênita, um índice muito acima do normal para este tipo de doença. A comunidade é vizinha a empresas do agronegócio da fruticultura, na Chapada do Apodi. O mesmo grupo detectou alterações no DNA de trabalhadores das plantações de banana expostos a agrotóxicos organofosforados, que provavelmente irão desenvolver câncer no futuro.
Mais veneno?
Como se não bastasse, o ruralistas querem ainda mais. Está em tramitação na Câmara, desde o início do ano, o chamado PL do Veneno. Este foi o nome dado ao projeto de lei que pretende jogar no lixo a atual lei de agrotóxicos (7802/1989) e criar a famigerada Lei de Defensivos Fitossanitários. Só pelo nome, já dá pra ter uma ideia, não é?
Há anos, a principal demanda do agronegócio brasileiro tem sido uma maior rapidez no registro de agrotóxicos. Isso é necessário para que a espiral química possa girar mais rápido. O uso continuado dos mesmos venenos nas plantações vai gerando resistência na natureza (insetos e plantas), e ele vai perdendo sua eficiência. Neste momento, a patente da substância já expirou e a indústria precisa botar um novo produto no mercado, ao mesmo tempo que gerou esta necessidade para os agricultores dependentes de seus venenos. O PL do Veneno chega justo com este objetivo: botar agrotóxicos mais rapidamente na prateleira.
Há alguns anos, a barreira ficava na Anvisa. A agência cumpria as leis e exigia estudos detalhados sobre os efeitos dos produtos na saúde antes de liberá-lo no mercado. Hoje o cenário mudou e a Anvisa inclusive está caminhando para flexibilizar as normas antes mesmo da aprovação do PL do Veneno. Quer tirar, por exemplo, o símbolo da caveira dos agrotóxicos considerados de baixa toxicidade. Se o rótulo já é difícil de ler, agora vai parecer galão de suco.
Menos veneno!
Como forma de combate ao PL do Veneno, um conjunto de organizações protocolou uma proposta de projeto de lei para instituir a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA). Ela é inspirada no Pronara, programa que foi construído no âmbito da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, mas nunca saiu do papel.
O PNaRA propõe, entre várias medidas, prover incentivos fiscais para quem produz de forma agroecológica, e eliminar os subsídios e isenções de impostos na venda de agrotóxicos. Não custa lembrar que agrotóxico no Brasil quase não paga imposto.
Um dos pontos centrais do PNaRA é a criação de “zonas livres da existência e influência de agrotóxicos e transgênicos”. Esta é uma meta possível, e muito necessária para proteger a produção agroecológica. Já está mais do que provado que a co-existência entre sistemas agroecológicos e uso de venenos e transgênicos é impossível.
Com esta breve introdução, finalizamos o artigo desta semana e esperamos que tenham gostado. Até a próxima!
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Edição: José Eduardo Bernardes