Por Rafaela Pontes*
Entre os dias 4 e 17 de dezembro ocorreu, em Cancun, no México, a 13ª Convenção das Partes (COP) sobre a Diversidade Biológica (CDB) e respectivos Protocolos. O evento, realizado a cada dois anos, reúne os cerca de 190 países signatários, considerado o principal instrumento internacional de defesa e conservação da biodiversidade. Durante os 14 dias de evento, questões relacionadas à proteção da biodiversidade são debatidas com o objetivo de definir estratégias a nível mundial e local para proteção da diversidade biológica e dos conhecimentos e práticas tradicionais a ela associadas.
No dia 5 de novembro, em Brasília, a Terra de Direitos, com o apoio do Grupo de Trabalho em Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (GT bio da ANA), organizou uma Reunião Preparatória para a Convenção. Nela foi construída coletivamente, a partir das contribuições dos movimentos populares e organizações presentes, a Carta Aberta de Recomendações da Sociedade Civil Brasileira, que consolida o posicionamento da sociedade civil sobre os temas discutidos na COP. A Carta, que conta com mais de 60 assinaturas, foi entregue a membros do Itamaraty, Ministério de Relações Exteriores, durante reunião com membros do GT bio, realizada no dia 17 de novembro, com o objetivo de subsidiar o posicionamento da delegação brasileira na 13ª COP.
Além da delegação oficial, movimentos populares e organizações da sociedade civil brasileira organizada que atuam na defesa da sócio-agrobiodiversidade, participaram do evento, com o intuito de acompanhar a participação do Estado e denunciar o descumprimento dos compromissos assumidos no âmbito internacional.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em parceria com a Terra de Direitos, elaborou um material de denúncia, chamando atenção aos impactos do uso de sementes transgênicas no país, especialmente no que diz respeito ao aumento do consumo de agrotóxicos associados a seu pacote tecnológico. Só para se ter uma idéia, desde a entrada dos transgênicos no país, no início dos anos 2000 até 2012, o consumo de agrotóxicos no Brasil aumentou em 288%. O documento, dentre outras questões, aponta a necessidade da incorporação, pelo Brasil, da análise dos impactos e efeitos adversos para o meio ambiente e à saúde dos agrotóxicos associados aos transgênicos, na avaliação de riscos dos organismos geneticamente modificados, conforme recomenda o ATHEG (Ad Hoc Tecnical Expert group – grupo de especialistas técnicos) de análise de riscos, acompanhando a tendência mundial no tratamento do pacto tecnológico.
Na convenção deste ano, dentre as diversas questões debatidas, uma das que mais chama atenção diz respeito à ameaça aos polinizadores, que foi objeto de estudo do Painel Internacional da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES). O tema trata do impacto do uso de agrotóxicos sobre populações de abelhas e outros insetos polinizadores, o que prejudica a reprodução das plantas e cultivos agrícolas, além de agravar a perda de biodiversidade.
Apesar de reconhecido o problema, a forma como o debate foi conduzido aponta para a estratégia da financeirização dos recursos naturais. A decisão final das partes quanto ao tema, sinaliza, dentre outros, para a necessidade da mensuração do valor econômico dos “serviços ambientais’’ relacionados aos polinizadores e a polinização e aponta, como uma das principais ferramentas para o enfrentamento do problema, o pagamento por planos de serviços de polinizadores. Os polinizadores são, assim, tomados como prestadores de serviços ecossistêmicos, o que oficializa a incorporação das métricas da economia dos ecossistemas e da biodiversidade dentro da Convenção da Diversidade Biológica.
Apesar da oposição de alguns países, como o Brasil, a decisão final convida as partes a acatar a recomendação do IPBES de que é desejável a realização de avaliação de risco para pesticidas, herbicidas e organismos vivos modificados (OVM) quanto aos impactos destas tecnologias aos polinizadores. Para o Brasil, os OVMs não deveriam estar na lista, já que o painel foi inconclusivo a respeito da relação de seu uso e os efeitos negativos sobre os polinizadores.
Um dos pontos altos do eventos foi o Prêmio Capitão gancho, organizado pela Coalizão Contra a Biopirataria (CAB, na sigla em inglês) um grupo formado por organizações da sociedade civil de diversos países. O ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo golpista, Blairo Maggi, um dos principais representantes do agronegócio no Brasil, foi “premiado’’ na modalidade duas caras. O ruralista foi escolhido por assumir compromissos internacionais que contradizem sua atuação no Brasil. Há três semanas, durante a Convenção do Clima da ONU (COP 22), em Marrakesh, o ministro declarou como “intenções” as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) brasileiras – compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa que os países signatários do Acordo de Paris assumiram.
Apesar de acreditarmos que a Convenção continua sendo um espaço estratégico, de disputa entre projetos e concepções de desenvolvimento, os resultados da COP13, evidenciam que as organizações e movimentos populares têm perdido espaço (se é que um dia o tiveram) para as grandes empresas e para o capital financeiro, que, diante do aumento da consciência e preocupação da população com a perda da biodiversidade a nível global, se pintam de verde e apostam na estratégia da financeirização dos recursos naturais.
O Evento, realizado num resort em Cancun, impediu a participação de diversas organizações de países do chamado “terceiro mundo’’, devido aos altos custos. Por si só, a escolha do local evidencia o público com o qual estavam dispostos a dialogar.
Acreditamos que eventos como esse devam garantir a participação de representações da sociedade civil, especialmente de movimentos populares do campo, mulheres e povos e comunidades tradicionais dos países subdesenvolvidos. Defendemos, da mesma forma, que o caminho para a superação da perda da biodiversidade não passa pela financeirização dos recursos naturais, mas sim pela aposta em um modelo de produção que opte pela valorização da produção local, pela extinção dos latifúndios, pelo banimento do uso de agrotóxicos e transgênicos, e que valorize os conhecimentos e práticas tradicionais das comunidades campesinas, povos indígenas e comunidades tradicionais. Como afirma Oscar Wild, “cínico é o homem que sabe o preço de tudo, mas o valor de nada’’.
* Rafaela Pontes, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e Terra de Direitos