De acordo com Alan Tygel, membro da Coordenação Nacional da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o agronegócio atua como propulsor no uso de agrogóxicos no país.
Há três anos, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking de consumo de agrotóxicos no mundo. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dois terços dos alimentos consumidos, diariamente, pelos brasileiros estão contaminados pelos agrotóxicos, que contribuem para a insegurança alimentar da população e causam danos à saúde e ao meio ambiente.
Por Renata Olivieri – Mobilizadores COEP
De acordo com Alan Tygel, membro da Coordenação Nacional da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o agronegócio atua como propulsor no uso de agrogóxicos no país e, ao mesmo tempo, não estimula nem a oferta nem a distribuição de alimentos, pois sua produção é voltada à indústria alimentícia.
Alan vê na agricultura familiar e na agroecologia alternativas para a produção e distribuição de alimentos, e o fim da situação de insegurança alimentar no país. Segundo ele, a campanha contra os agrotóxicos, lançada em 2011, tem, hoje, uma grande adesão em todo o país e apresenta três bandeiras principais: o fim do uso de agrotóxicos já banidos em outros países do mundo; a proibição da pulverização aérea, extremamente danosa; reversão da isenção de impostos destinados ao custeio dos gastos com agrotóxicos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Rede Mobilizadores – Embora as safras agrícolas brasileiras tenham alcançado nos últimos anos patamares produtivos bastante elevados, parcela significativa da população convive diariamente com uma situação de insegurança alimentar. A que se deve este paradoxo?
R.: Em primeiro lugar, é preciso ficar claro que o que se convencionou chamar “safra agrícola” na verdade quer dizer “produção do agronegócio”. Por quê? Se você for olhar como essa safra é calculada, ela, por exemplo, ignora as 24 milhões de toneladas de mandioca que a agricultura familiar produz por ano. A tal safra agrícola vai se concentrar em pouquíssimos itens, como soja, milho, algodão, trigo, arroz e feijão.
Aí alguém pode concluir: tudo bem, então o agronegócio é muito importante porque produz arroz e feijão, certo? Errado! Se pegarmos a comparação entre 2006 e 2011, feita pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vamos ver que a produção de soja ficou num patamar de 66 milhões de toneladas (25% de crescimento), e o milho, em 52 milhões (15% de aumento), enquanto o arroz chegou a 12 milhões (subiu 6%) e o feijão chegou a 3 milhões (diminuiu 1%). Não custa lembrar que a soja e o milho são produzidos para exportação, mais especificamente para ração animal.
Então, percebemos que não há nenhuma contradição entre recorde da “safra agrícola” e a situação de insegurança alimentar vivida no Brasil. Esse aumento da produção do agronegócio não aumenta a oferta nem a distribuição de alimentos. Principalmente porque o agronegócio tira a comida dos circuitos curtos e joga no furacão do mercado de alimentício.
Um exemplo: imaginem uma comunidade rural, onde vários pequenos agricultores produzem arroz, feijão, mandioca e hortaliças. Além do autoconsumo, vendem e trocam na feira local. Isso é segurança alimentar. Agora passemos um trator e um avião pulverizador por cima desta comunidade, agora transformada num latifúndio, digamos, de produção também de arroz e feijão. Vamos imaginar que todos os antigos moradores estejam empregados na fazenda (mentira, pois o agronegócio gera pouquíssimos empregos por área), produzindo o dobro da quantidade dos grãos. Esses alimentos não vão pra feira local e nem para o autoconsumo de ninguém! Vão para a indústria alimentícia e serão vendidos mais caros a vários quilômetros de distância. As pessoas perdem a autonomia de produção, perdem sua soberania na produção de alimentos e passam a uma situação de insegurança alimentar e nutricional.
Rede Mobilizadores – De que forma o uso de agrotóxicos contribui para agravar o quadro de insegurança alimentar no Brasil?
R.: O Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) é bem claro ao afirmar, em seu relatório “Os impactos dos agrotóxicos na segurança alimentar e nutricional: contribuições do Consea”, que o uso de agrotóxicos viola o direito humano à alimentação adequada, considerando-se que segurança alimentar não é somente ter alimentos disponíveis, mas sim alimentos de qualidade. Portanto, o uso de agrotóxicos, assim como de sementes transgênicas, e alimentos com alto teor de sal, açúcar e gordura, viola esse direito humano fundamental.
Rede Mobilizadores – De acordo com o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Anvisa, em 2010, das amostras de alimentos coletadas em todas as unidades da federação, um terço dos alimentos consumidos pelos brasileiros está contaminado por agrotóxicos. Poderia comentar a respeito?
R.: Aqui acho que cabe esclarecer um pouco a metodologia do PARA. Cada amostra*1 coletada aleatoriamente em feiras e mercados pelo Brasil foi analisada para saber a quantidade de resíduos de determinados tipos de agrotóxicos existentes nelas. Após a análise, a amostra podia ter os seguintes resultados: (1) não foram encontrados resíduos; (2) foram encontrados resíduos dentro dos limites permitidos; (3) foram encontrados resíduos acima dos limites permitidos; (4) foram encontrados resíduos de agrotóxicos não autorizados para aquela cultura; ou (5) foram encontrados resíduos de agrotóxicos proibidos no Brasil.
As amostras classificadas nas categorias (1) e (2) foram consideradas regulares, e as demais, irregulares. Daí se chega ao número de um terço de contaminação. Isso por si só já é alarmante. O problema é que o tal do Limite Máximo de Resíduos, que diferencia os resultados (2) e (3), é um conceito altamente questionável. Esses limites são calculados em sua maioria pela própria indústria, e não há nada que garanta que o acúmulo de pequenas doses não cause doenças crônicas a longo prazo. O filme “O veneno nosso de cada dia”, da Marie-Monique Robin, mostra isso muito bem. Então, na verdade, dois terços dos alimentos estão nas categorias (2) a (5). Em apenas um terço dos alimentos não foram encontrados resíduos de venenos. Achou ruim?
Pois bem, como mencionei no início, a pesquisa procurou apenas por alguns tipos de agrotóxicos em algumas culturas. Só pra dar um exemplo, o agrotóxico glifosato, e a cultura da soja, os dois campeões de utilização no país, não entraram no estudo. Para ver o estudo em detalhes, acesse http://www.coepbrasil.org.br/portal/Publico/apresentarArquivo.aspx?ID=151e6e29-cd22-4736-bf5c-4467c75012ba
Rede Mobilizadores – Neste sentido, pode-se considerar um contrassenso estimular o consumo de hortaliças, frutas e legumes para melhorar a segurança alimentar da população, tendo em vista o risco potencial de estarem contaminados por agrotóxicos?
R.: De jeito nenhum! Em nenhum momento podemos dizer que o consumo de frutas, verduras e legumes é perigoso. Até porque, essa impressão de que alimentos in natura são mais contaminados pelos agrotóxicos é mentira. Os alimentos processados também apresentam alto teor de contaminação, pois o processamento não reduz a quantidade de agrotóxicos.
No caso da soja, que recebe metade do total de agrotóxicos aplicado nas plantações brasileiras, o veneno vai ser encontrado no leite de soja e em todos os derivados. O trigo do macarrão e da pizza também está contaminado.
A batalha tem que se dar nas duas frentes: aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras, já que a praga dos enlatados e industrializados infesta cada vez nossa alimentação, e ao mesmo tempo lutar por um outro modelo de produção, que produza alimentos saudáveis para o agricultor, o meio ambiente e o consumidor.
Quando a pesquisa que constatou agrotóxicos no leite materno no Mato Grosso foi divulgada, houve muita pressão, porque a campanha pela amamentação também é uma das grandes estratégias de saúde pública hoje no Brasil. Nós sabemos da importância do aleitamento, mas isso não pode impedir que uma pesquisa importante como essa seja divulgada.
O objetivo não é que as mães parem de amamentar, ou que as pessoas parem de comer, mas é sim criar um clima na sociedade que permita avançarmos na proibição de agrotóxicos banidos em outros países do mundo, na proibição da pulverização aérea, e, principalmente, nas políticas públicas de incentivo à produção agroecológica.
Rede Mobilizadores – Que lugar o Brasil ocupa em termos de consumo de agrotóxicos? Por que o uso destas substâncias é tão disseminado no país? Qual a relação entre o uso de agrotóxicos, monoculturas intensivas e grandes propriedades?
R.: Infelizmente, nosso país vem ocupando há três anos o posto de maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Mas é preciso voltar um pouco no tempo para entender como isso foi acontecer, e, mais ainda, como isso nos afeta hoje.
Os agrotóxicos foram introduzidos no Brasil na década de 1960, durante a chamada Revolução Verde*2. Prometia-se aumento de produtividade e diminuição do trabalho com o uso de agrotóxicos, fertilizantes e maquinário pesado, e o estado apostou nesse modelo. Dessa forma, foi grande o incentivo ao uso, registro e produção de agrotóxicos no país.
Mas o grande boom mesmo se deu na década passada, quando chegamos, em 2008, aos 7 bilhões de dólares em vendas. Nesse ponto, é bom fazermos uma divisão entre o uso dos agrotóxicos na agricultura familiar e no agronegócio.
O aumento do uso de agrotóxicos na agricultura familiar se deu principalmente por conta das políticas de incentivo, como, por exemplo, aquelas que atrelam o recebimento do crédito do agricultor ao uso de venenos. O problema é que isso, entre outras coisas, vai aos poucos apagando uma história de 10.000 anos de agricultura familiar sem uso agrotóxicos! Então, hoje os agricultores se lembram vagamente das técnicas que seus avós utilizavam décadas atrás para plantar sem uso de venenos. E a humanidade vai perdendo estes conhecimentos. Ainda assim, vale a pena destacar que apenas 20% das pequenas propriedades usam agrotóxicos.
Agora, o uso no agronegócio é bem diferente. Ele segue a lógica capitalista de maximização da exploração dos bens da natureza, a qualquer custo, obtendo a maior produtividade possível em menor espaço de tempo. Depois de explorar intensivamente as terras, se move para outro lugar e deixa a herança maldita, o rastro de destruição e contaminação nos territórios, de pobreza. Várias empresas do agronegócio estão se mudando do Nordeste brasileiro para a África, pois envenenaram tanto as terras que, atualmente, elas já não produzem mais. E o mais triste ainda é que essas terras vão ficando para a reforma agrária.
Rede Mobilizadores – Quais os riscos da ingestão de transgênicos?
R.: A questão dos transgênicos é bastante complexa, e os riscos vão além apenas da saúde humana. Neste momento, está ocorrendo uma batalha no mundo científico justamente sobre os riscos da ingestão de transgênicos. Pela primeira vez, um estudo científico de longo prazo conseguiu comprovar os danos à saúde causados pela ingestão de transgênicos. Ratos alimentados com transgênicos e agrotóxicos adoeceram mais cedo e desenvolveram mais tumores do que aqueles com alimentação saudável. Imediatamente, a rede de pesquisadores a serviço da indústria se armou até os dentes para questionar o estudo e desqualificá-lo.
Este episódio mostra que a questão dos transgênicos está muito mais relacionada aos interesses econômicos do que ao aumento de produtividade ou diminuição do uso de agrotóxicos, como eles dizem.
Sempre gosto de deixar claro que a transgenia em si não é um problema. Ela se torna um problema quando é utilizada sem obedecer ao princípio da precaução. O estudo revela que, por princípio, o transgênico é perigoso, e por isso devem ser feitos estudos extensivos para garantir que ele não vá ter efeitos ruins sobre o meio ambiente e sobre a saúde de quem o comer.
Quando pensamos num modelo agroecológico, por exemplo, consideramos que o ambiente integra agricultura, ser humano, floresta, água, bichos – o chamado agroecossistema – e precisa estar sempre em equilíbrio. Quando introduzimos um elemento estranho nesse agroecossistema, como é o caso dos transgênicos, as consequências precisam ser muito bem estudadas.
Os transgênicos podem, por exemplo, fazer polinização cruzada com espécies crioulas, e destruir milênios de história de preservação e melhoramento de sementes, como foi o caso do México, em Oaxaca. Esse e vários outros casos estão bem documentados no filme e livro “O mundo segundo a Monsanto”, de Marie-Monique Robin, fundamental para entender bem a questão dos transgênicos.
Mas, o mais cruel de tudo é a perda da autonomia do agricultor. O sujeito que antes era dono de todos os meios de produção: terra, água, sementes e adubo, aos poucos vai perdendo tudo e ficando dependente das empresas. Fica apenas com a sua força de trabalho. As sementes transgênicas não podem ser reproduzidas pelos agricultores, e sobre a produção há a cobrança de royalties, cerca de 2% da produção.
E não custa lembrar que as empresas de agrotóxicos estão comprando, a cada dia, mais empresas de sementes, para vender o pacote completo: semente e veneno. Algumas vão ainda além, como a Bayer, que além de semente e veneno, vende o remédio no fim das contas pra curar sua doença.
Rede Mobilizadores – E quanto à contaminação da água destinada ao consumo humano? Os sistemas de abastecimento de água são avaliados quanto à contaminação por agrotóxicos?
R.: Este é outro problema sério. Muitos dos agrotóxicos usados hoje simplesmente não são possíveis de serem detectados na água. Seja porque não possuem reagentes, ou porque suas moléculas se transformam no contato com a água, ou com a luz, às vezes ficando mais tóxicos, e não há formas de serem detectados.
Mas vamos pelo começo: no Brasil, existe a Portaria 518, do Ministério da Saúde, publicada em 2004. Ela estabelece um limite máximo de resíduo para 22 tipos de agrotóxicos (sendo que existem mais de 500 registrados no país!). Pois bem, o fato é que essa coisa de limite máximo de resíduo é muito duvidosa, como já disse antes. Esses limites são calculados como uma fração da dose letal para ratos. Portanto, nenhum efeito de longo prazo é avaliado, é como se dissessem que “não tem problema beber agrotóxico até certo limite”, o que me parece muito estranho e perigoso.
Mesmo assim, essa portaria simplesmente “não pegou”. Não temos notícia de nenhum município que a implemente, porque são poucos os laboratórios que fazem este estudo, que é muito caro. Além disso, a indústria vem fazendo lobby para aumentar os limites do glifosato, o veneno mais usado no Brasil.
Já existem estudos que indicam a presença de agrotóxicos nos aquíferos Guarani*3 e Jandira*4. No Ceará, uma pesquisa verificou mais de 12 tipos de agrotóxicos em caixas d’água na região da chapada do Apodi, onde aviões pulverizam veneno cotidianamente nas plantações de frutas.
Rede Mobilizadores – Qual a alternativa para reduzir os impactos dos agrotóxicos sobre a segurança alimentar e saúde humana?
R.: Quanto a isso, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida tem uma posição bem clara. Defendemos a agroecologia como único modelo de produção agrícola capaz de oferecer alimentos saudáveis para todos – agricultores, consumidores e meio ambiente – e em grande quantidade. Portanto, acreditamos, lutamos e, sobretudo, construímos o caminho para uma sociedade livre de transgênicos e agrotóxicos, bem como livre da exploração do trabalho dos agricultores, da opressão de gênero e de outras opressões que são reproduzidas pelo modelo de agricultura da Revolução Verde.
Na agroecologia, juntamos os saberes tradicionais dos agricultores com a pesquisa científica da academia para produzir alimentos de forma integrada à natureza, e não apesar dela, como é feito no modelo convencional.
Explica-se: o modelo de agricultura convencional desmata uma área, deixa o solo “limpo” e depois planta uma grande área com o mesmo cultivo – a monocultura. Com isso, destrói -se o ecossistema que havia ali e cria-se algo artificial. Nesse ambiente desequilibrado, insetos, fungos ou outras plantas podem encontrar condições apropriadas para se proliferar de forma desordenada, e é aí que entra a necessidade do uso dos agrotóxicos. O solo descoberto também vai perdendo sua vida, e para isso precisa cada vez mais de fertilizantes. É uma luta contra a natureza e sua biodiversidade.
Na agroecologia, o principal é o respeito à vida já existente. Usam-se os policultivos, as agroflorestas, e o solo fica sempre coberto para se manter úmido e com vida. Da mesma forma como funciona a natureza. Mas a agroecologia não para por aí.
Nesse modelo, as relações de trabalho também são consideradas. O trabalho é baseado na horizontalidade e na posse da terra por quem de fato trabalha nela. A comercialização também deve ser feita nos circuitos curtos, evitando que os alimentos precisem percorrer longas distâncias, e, para isso, necessitem de mais venenos para ser conservados, bem como de gastos com combustíveis.
E hoje já temos casos suficientes para afirmar que o modelo agroecológico é de fato capaz de produzir alimentos para o mundo. E se a Organização das Nações Unidas (ONU) considera que ainda temos 1 bilhão de pessoas no mundo em situação de insegurança alimentar, apesar de uma produção agrícola enorme, certamente não é por falta de alimentos que essas pessoas têm fome.
Por isso, defendemos a agricultura familiar e a agroecologia como solução para produção e distribuição de alimentos, para que não haja mais seres humanos em situação de insegurança alimentar.
Rede Mobilizadores – Quando foi lançada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela vida? Como está sendo articulada?
R.: Em geral, quando falamos do tema dos agrotóxicos e citamos todos esses dados que mostram o tamanho do problema hoje no Brasil, as pessoas ficam bastante assustadas, sem saber o que fazer. Realmente, é uma sensação de impotência saber que estamos sendo envenenados desta forma, ao custo do lucro de algumas empresas, e que não existem grandes perspectivas de mudar isso em pouco tempo.
Pois bem, nesse sentido, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida vem trazer um canal de concentração dos nossos esforços nessa luta. A Campanha foi lançada em abril de 2011, no Dia Mundial da Saúde, mas obviamente que desde que existe agrotóxico existe luta contra eles.
A diferença agora é que temos uma frente de luta unificada. Temos muitas entidades nesta frente, que vão desde os movimentos sociais do campo até os da cidade, sindicatos rurais e urbanos, universidades, centros de pesquisa, organizações da sociedade civil, movimento estudantil, partidos políticos, enfim, uma representação enorme do povo brasileiro organizado está construindo conosco essa luta no país. Já são mais de 30 comitês em quase todos os estados, que promovem ações locais de denúncia do modelo atual de produção, mas também de anúncio de que é possível um outro jeito de produzir e de viver, baseado na agroecologia.
Apesar de enfrentarmos um lobby poderoso, principalmente da bancada ruralista e das empresas que lucram com essa indústria da morte, já tivemos grandes avanços dentro do Poder Legislativo, como, por exemplo, o relatório da Subcomissão Especial sobre o Uso dos Agrotóxicos e suas Consequências à Saúde. Nele, ficaram explícitas várias denúncias, e conclui-se que existem fortes conexões entre uso de agrotóxicos e o aparecimento de doenças graves, coisa que, por incrível que pareça, a indústria ainda questiona.
Outro avanço importante que tivemos em 2012 foi o estreitamento da relação com a academia através de um dossiê coordenado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Em seus três volumes (o terceiro ainda será lançado), o dossiê traz um farto material de pesquisa científica que pretende pôr fim, de uma vez por todas, aos questionamentos sobre os problemas causados pelos agrotóxicos. Uma série de pesquisas foi compilada, e o resultado é muito consistente e inquestionável. Para acessar o dossiê, clique aqui.
Apesar de termos um leque imenso de reivindicações, hoje concentramos nossos esforços em três direções que consideramos prioritárias. A primeira delas é o fim da utilização dos agrotóxicos já banidos em outros países do mundo. Hoje, no Brasil, utilizamos 14 tipos de venenos que países como Estados Unidos, Canadá, China, Índia, e os países da União Européia já proibiram. Então, nossa meta é pressionar os órgão responsáveis pelo registro de agrotóxicos no Brasil – Anvisa, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério da Agricultura – para banir aos menos esses venenos do nosso país. Porque não tem o menor cabimento sermos a lixeira tóxica do planeta, pra onde são jogados os agrotóxicos que o resto do mundo já proibiu por terem comprovado seus danos à saúde. Estamos coletando assinaturas para aumentar a pressão para essa proibição. As instruções estão no site da Campanha: http://www.contraosagrotoxicos.org/, junto com outros materiais citados aqui.
Além disso, temos também a questão da proibição da pulverização aérea. Essa forma de aplicação é umas das mais danosas, porque ela tem o potencial de contaminar comunidades inteiras, leitos de água, enfim, causar danos em extensões enormes. Falamos isso sempre lembrando do caso da chuva de agrotóxicos em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Um avião pulverizador que jogava o herbicida Paraquate na soja fez a volta por cima da cidade, e, no dia seguinte, todas as plantas amanheceram mortas. E o problema foi além: nesta cidade, estudos comprovaram a presença de agrotóxico na água utilizada para beber, inclusive na caixa d’água das escolas, na água da chuva, e o mais chocante foi a descoberta de agrotóxico no leite materno. O mais triste é que a cidade, sendo uma das maiores produtoras de soja do país, tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) altíssimo. Aí vem outra contradição do agronegócio: o dinheiro trazido pelo agronegócio pode até alavancar indicadores como o IDH, através da construção de escolas, acesso à saúde, saneamento. Mas o veneno que corre silenciosamente pelos rios e pelos canos pode gerar epidemias de doenças crônicas em pouco tempo.
Finalmente, a nossa terceira bandeira de luta tem sido a reversão da isenção de impostos destinados ao custeio dos gastos com agrotóxicos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Descobrimos que, por um convênio assinado em 1997, os agrotóxicos têm por padrão uma isenção de 60% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Alguns estados, como o Ceará, ainda acharam isso pouco, e concedem 100%. Enquanto isso, gasta-se US$1,28 com tratamento de intoxicações agudas para cada US$1 gasto em agrotóxicos. Considerando o nosso mercado de cerca de US$7 bilhões por ano, temos um gasto enorme na saúde por causa dos agrotóxicos. Isso numa perspectiva monetarista, sem contar o pior lado, que são as vidas das pessoas.
Para terminar, gostaria de deixar claro que esta luta é de todos nós. Seja o trabalhador e a trabalhadora do campo, seja o trabalhador e a trabalhadora da cidade, contribuir para o banimento dos agrotóxicos e para a construção de uma agricultura de base agroecológica é um dever de todos os cidadão e cidadãs que prezam pela saúde do nosso planeta e das futuras gerações, e que principalmente colocam a vida sempre acima do lucro.
*1Entre as amostragens analisadas, os alimentos contaminados com uma frequência maior foram: pimentão (80,0%); uva (56,40%); pepino (54,80%); morango (50,80%); couve (44,20%); abacaxi (44,10%); mamão (38,80%); alface (38,40%); tomate (32,60%); beterraba (32,00%).
*2 A expressão Revolução Verde foi criada em 1966, em uma conferência em Washington, EUA. O programa surgiu com o objetivo de aumentar a produção agrícola através do desenvolvimento de pesquisas em sementes, fertilização do solo e utilização de máquinas no campo que aumentassem a produtividade. O plantio de sementes modificadas e desenvolvidas em laboratórios, aliado à utilização de agrotóxicos, fertilizantes e implementos agrícolas e máquinas, aumenta significativamente a produção agrícola.
*3 Aquífero Guarani – é o maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço do mundo. Estende-se pelo Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. Sua maior ocorrência se dá em território brasileiro (2/3 da área total), abrangendo os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
*4 Aquífero Jandira – manancial de águas subterrâneas situado na divisa entre os estados do Rio Grande do Norte e do Ceará. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), o aqüífero é muito importante para a produção de alimentos em Mossoró e região.
Mobilizadores COEP/EcoAgência