Aldeia Ibiramã Kiriri do Acré e MST contam sobre as experiências de luta por terra e território no Sul de Minas Gerais em prosa virtual

Por Tatiana Plens I Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas.

Aldeia Ibiramã Kiriri do Acré no 1o Encontro das Mulheres Indígenas de Minas Gerais Créditos: Tatiana Plens

A luta por terra e território no Sul de Minas Gerais foi o tema da 4ª edição do Polo em Prosa, realizada pelo Polo Agroecológico no Sul e Sudoeste de Minas, no mês de agosto, por meio da plataforma Youtube. A prosa foi mobilizada a partir de duas experiências da região, a da Aldeia Ibiramã Kiriri do Acré, em Caldas/MG, e a do Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio/MG.

Participaram do encontro virtual, a liderança indígena e diretora da escola da Aldeia Ibiramã Kiriri do Acré, Carliusa Ramos, o professor e membro da coordenação regional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Marcos Bertachi, e o professor da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e integrante do Núcleo de Estudos em Trabalho, Agroecologia e Soberania Alimentar (NETASA), Estevan Coca.

A ocupação e permanência indígena na cidade de Caldas

“Consideramos essa terra uma terra da fartura, porque hoje a gente tem tudo para sobreviver nela com dignidade, hoje a gente não passa fome no nosso território”, conta a liderança indígena Carliusa Ramos. As condições dignas de vida das 87 pessoas e 25 famílias que moram atualmente na Aldeia Ibiramã Kiriri do Acré são fruto de uma história de luta pela ocupação e permanência, desde 2017, no território localizado no Bairro Rio Verde, em Caldas, Sul de Minas Gerais.

Carliusa Ramos relata que o lugar, considerado, na época da ocupação, propriedade da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), era uma terra indígena habitada pelos Tapuias. Antes da transferência da terra pelo Estado de Minas Gerais para a União e do início do processo de homologação pela Fundação Nacional do Povos Indígenas (FUNAI), as famílias Kiriri do Acré enfrentaram um processo de reintegração de posse e uma tentativa de deslocamento para a cidade de Patos de Minas.

Após o retorno das famílias ao Bairro Rio Verde, a regularização e a permanência nesse território foi possível através do apoio e do diálogo com atores locais e regionais como o vereador Daniel Tygel, a deputada estadual Andreia de Jesus e a reitoria da UEMG. Em sua fala na prosa, Carliusa Ramos destacou a importância dessa conquista: “Através do território é onde a gente consegue as nossas políticas públicas. Primeiro precisamos ter o território para depois conseguir as políticas públicas”.

De acordo com a liderança indígena, hoje a aldeia possui casas para a moradia das famílias, roças para os plantios, matas para os rituais, uma escola e uma casa de farinha em processo de construção, cujos equipamentos foram adquiridos por meio de uma emenda parlamentar destinada pela deputada estadual Andreia de Jesus. Através do apoio da Prefeitura Municipal de Caldas, as famílias também tem, atualmente, dentro do território, acesso ao atendimento de uma médica e de uma enfermeira.

Outra conquista importante para o povo Kiriri do Acré foi a recepção entre os dias 28 e 30 de julho de 2023, do 1º Encontro das Mulheres Indígenas de Minas Gerais, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME). “Esse evento foi muito bom para a nossa comunidade porque a gente tem também o apoio dos nossos parentes, dos nossos indígenas e não indígenas”, comemora Carliusa Ramos.

A chegada do MST na região e a criação do Quilombo Campo Grande

Outra importante história de luta por terra e território no Sul de Minas Gerais é a protagonizada por famílias, sindicatos rurais e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Campo do Meio/MG, desde a década de 1990, período em que a Usina Ariadnópolis, um empreendimento canavieiro que funcionou por quase 100 anos na cidade, encerrou as suas atividades e centenas de trabalhadores não receberam os seus direitos.

Na prosa, Marcos Bertachi, conta que, após o fechamento, as ex-trabalhadoras e ex-trabalhadores da usina, acompanhados naquele momento por sindicatos rurais, decidiram procurar o apoio do MST em Minas Gerais e alguns integrantes do movimento se deslocaram para a região. “E aí que surge a entrada do MST no contexto da nossa região”, aponta o historiador.

Através dessa movimentação, acontece, em 1997, a ocupação do território da antiga fazenda Jatobá, área identificada como passível de reforma agrária, e surge o primeiro assentamento da região, nomeado como Assentamento Primeiro do Sul. Posteriormente, é realizada a ocupação do território da Usina Ariadnópolis e são formados os 11 acampamentos existentes atualmente no local.

Após a ocupação do território, a luta das famílias pela permanência é marcada, segundo Marcos Bertachi, por tentativas de despejo, destruição de casas e ataque aos animais. Apesar desses desafios, o historiador relata que, ao longo dos anos, o movimento é fortalecido pela solidariedade das pessoas e por ações como os Encontros de Agroecologia e o Curso Técnico em Agropecuária Integrado em Regime de Alternância direcionado a assentados e acampados do MST, ambos realizados no campus Machado do Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS).

Outros dois acontecimentos que também contribuíram para esse fortalecimento foram o início das Jornadas Universitárias em Defesa da Reforma Agrária (JURAS) nos institutos e universidades federais da região – que no ano de 2023 alcançaram a 10ª edição – e a criação da Central de Associações de Produtores Orgânicos do Sul de Minas, mais conhecida como Orgânicos Sul de Minas, a partir da integração de agricultores e camponeses de diferentes localidades do território.

Em sua fala na prosa, Marcus Bertachi relata como a história da luta por terra e território em Campo do Meio e na região, ao longo das últimas décadas, também é marcada pela denúncia e pelo combate ao trabalho análogo ao escravo, do qual destaca o monitoramento da cadeia do café para identificação das condições de trabalho nos locais de origem e do lugar de destino do grão.

Entre as conquistas das pessoas assentadas e acampadas em Campo do Meio, Bertachi destaca o cultivo de quase 2 milhões de pés de café, a transição para a produção orgânica deste por algumas famílias e a comercialização e distribuição do café produzido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Sul de Minas Gerais para diferentes regiões do país, além do plantio de mais de 5 mil árvores e de lavouras e hortas, e da criação de bois, aves e ovinos.

O contexto da questão agrária no Sul de Minas Gerais

Na sequência da prosa, o professor Estevan Cocacomenta como essas experiências de luta por terra e território da região estão inseridas dentro de um contexto de crises que caracterizam o mundo no qual vivemos. “Nós vivemos hoje um contexto em que os territórios têm sido plenamente disputados. Por um lado temos uma expansão do capitalismo extrativista, especialmente aqui na nossa região com o agronegócio e a mineração, e, de outro, as unidades de produção familiares – e aqui entram os sem terra e os indígenas – tentando resistir”, analisa o professor.

Para Estevan Coca, essa realidade aponta a necessidade de falar sobre essas populações e de considerar a diversidade identitária que constrói os territórios. “Hoje nós temos uma necessidade de dar ênfase na luta que tem sido travada pelos sem terra, camponeses, indígenas, quilombolas, faxinais, fundo de pasto e todos os povos e comunidades tradicionais que também tem feito parte disso”, identifica.

Na prosa, o professor enfatiza a importância de dar ênfase às relações sociais produzidas pelos povos que resistem aos modelos de exploração da terra propostos pelo agronegócio e pela mineração que promovem a destruição de paisagens e de identidades. Nesse contexto, Estevan Coca destaca a atuação do Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas na busca por visibilizar a diversidade de lutas por terra e território que existem na região.

Ao final da sua fala, Estevan reforça que essas lutas também envolvem a produção e a comercialização de alimentos saudáveis por meio de feiras, grupos de consumo e outros canais e a realização de ações de formação sobre a questão agrária por instituições e universidades públicas no Sul e Sudoeste de Minas Gerais.

A contribuição da educação para a luta por terra e território

Outro importante elemento da luta por terra e território que se destaca nas falas dos participantes da prosa é a proposição de uma educação diferenciada. Para a Aldeia Ibiramã Kiriri do Acré, a escola dentro do território tem um papel central. “A importância da escola dentro da aldeia indígena é porque nós temos aquela autonomia de passar, para os nossos alunos, os nossos saberes, a nossa cultura. Os alunos não perdem a sua cultura e também tem as matérias específicas do território”, relata Carliusa Ramos.

A diretora conta que, com a escola dentro da aldeia, os professores conhecem o dia a dia dos estudantes e estes o dos professores. “A gente não foge do padrão, mas a gente tem a oportunidade de colocar um pouco do tempero da nossa comunidade. A nossa escola é comunidade e escola, escola e comunidade”, relata. Outros elementos da escola destacados por Carliusa Ramos é o preparo dos estudantes indígenas para o enfrentamento dos desafios encontrados dentro e fora da aldeia e a abertura para o ingresso de outros moradores do bairro Rio Verde, o que possibilita o conhecimento da realidade indígena e contribui para a quebra de preconceitos.

No Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio/MG, a escola do campo também tem um papel importante. Criada em 2016, a Escola Popular Eduardo Galeano é caracterizada por Marcos Bertachi como um espaço de resistência onde acontecem reuniões e uma educação popular direcionada também para a agricultura e a agroecologia. “Nós dizemos que a escola não é apenas as suas paredes, os seus muros, ela envolve todo um ambiente pedagógico que o MST já tem acumulado durante os seus mais de 30 anos de existência”.

Para o historiador, a escola do campo deve ser feita para responder à realidade de camponeses e camponesas, considerando os seus saberes e a experiência de luta do povo brasileiro e propiciando um diálogo fraterno entre educadores e educandos. “Uma escola que possa responder aos desafios apontados pelo professor Estevan, que possa trabalhar com uma outra matriz produtiva, que é para onde a gente aponta através da agroecologia”, ressalta.

Após uma ação de despejo e da demolição pelo governo do Estado de Minas Gerais, no ano de 2020, em plena pandemia da Covid-19, a escola tem sido reconstruída em outro lugar do acampamento, através de uma campanha de solidariedade e do apoio de sindicatos e outros  movimentos populares. Marcos Bertachi comenta como o enfrentamento desse episódio mobilizou o estabelecimento da escola como um marco espacial do movimento diante do conflito. “Aqui nesse lugar é onde vamos construir a escola e a partir daqui nós vamos resistir e educar as crianças, os camponeses, próximo a sua moradia, próximo ao lugar onde eles vivem”.

Na continuidade do diálogo sobre a importância da educação para a luta por terra e território, o Professor Estevan Coca destaca o papel da universidade e conta sobre a experiência dos integrantes do NETASA dentro desse contexto. “A gente tem tentado valorizar um conhecimento que é construído de modo conjunto, considerando os interesses e necessidades dos agricultores e agricultoras, assim como aqueles que a universidade também possui enquanto um elemento da construção do desenvolvimento regional”, relata o professor.

Para Coca, as ações de extensão tem sido uma das principais vias de realizar a aproximação entre universidade e movimentos sociais. Nesse sentido, ele sinaliza como positivo o processo de inclusão de uma carga horária de extensão nas disciplinas oferecidas de modo regular nas universidades e institutos federais. “Vemos isso como um grande desafio, vai ser difícil se adaptar, até mesmo pelo contexto, que tem melhorado mas ainda é de restrição orçamentária nas universidades, mas é uma possibilidade de ter esse envolvimento melhor”.

No final da sua fala, o professor destaca a importância da aproximação dos estudantes com os movimentos socioterritoriais. “A gente percebe que os estudantes que têm a oportunidade de se envolver com a experiência de luta pela terra e pelo território acabam tendo um aspecto diferenciado, uma condição de ler socialmente e ambientalmente as diversas realidades que se apresentam. Isso, consequentemente, vai torná-los profissionais mais humanos, mais conscientes daquilo que o mundo que têm mudado exige de nós para fazer da nossa sociedade ainda melhor”, evidencia.

Como assistir a prosa

O vídeo da 4ª edição do Polo em Prosa, realizado com o tema “Terra e território: experiências de luta no Sul de Minas Gerais”, está disponível no canal do Youtube do Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas e pode ser acessado nesse link: https://www.youtube.com/watch?v=ZOTl4gY-_8E. Para receber notificações sobre as próximas edições do Polo em Prosa é possível se inscrever no canal no Youtube (@poloagroecologicodosulesud1050) ou acompanhar as publicações na página do Instagram (@passomg) do Polo.

O Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas

O Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas é um espaço de articulação política e construção coletiva da agroecologia, instituído pela Lei Estadual nº 23.939, de 23 de setembro de 2021, e possui um papel político e atuante na defesa da luta pela terra, dos territórios, dos sistemas agroalimentares agroecológicos, da soberania alimentar, do meio ambiente e da biodiversidade.

Por meio da articulação entre diversos atores, o Polo apoia e organiza atividades de diagnóstico, sistematização, mobilização e Construção do Conhecimento Agroecológico como pesquisas, encontros, reuniões, cursos e oficinas, baseadas na valorização dos saberes ancestrais das agricultoras e agricultores e da ciência socialmente relevante e comprometida com a vida.

Um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *