Audiência Pública na PGR ataca isenções fiscais a agrotóxicos

Cofres públicos deixam de arrecadar bilhões por ano com a isenção de impostos de venenos agrícolas

 

Por Nadine Nascimento

Os benefícios fiscais concedidos a agrotóxicos no Brasil e os impactos deles na saúde e meio ambiente brasileiros foram tema da Audiência Pública “Isenção Fiscal de Agrotóxicos”, que aconteceu nesta quinta-feira (27) na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília. 

Promovida em parceria entre o Ministério Público Federal, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente, a organização não governamental Terra de Direitos e a Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e Pela Vida, a audiência promoveu um amplo debate sobre a política de isenção fiscal de agrotóxicos, propondo uma tributação maior de certos produtos tóxicos e a desoneração dos biológicos, estimulando uma produção mais sustentável. 

Segundo Talita Furtado, advogada e pesquisadora do Núcleo de Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (Tramas) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora no curso de Direito da Universidade Federal Rural, o argumento de que ao desonerar agrotóxicos diminuímos o preço dos alimentos é insustentável. 

“Temos um modelo de agricultura químico-dependente e não autossuficiente. O agronegócio está produzindo commodities, e são essas commodities que estão consumindo esse agrotóxicos. Precisamos lembrar que quem produz alimentos para o consumo interno é a agricultura familiar. Desse ponto de vista, o pacote químico é intensivamente utilizado para a produção de commodities e não de alimentos. O que estamos avaliando aqui é a taxa de lucro do agronegócio em relação aos riscos ambiental e humano”, comenta Furtado. 

Apenas em 2018, o Brasil deixou de arrecadar R$ 2,07 bilhões em razão da isenção fiscal dos agrotóxicos que existe no país. Desde 2004, o setor de agrotóxicos é beneficiado pela Lei 10.925, que prevê a isenção do pagamento de tributos como o PIS/PASEP e do Cofins na importação e sobre a receita bruta de venda no mercado interno.

Além disso, a comercialização de venenos agrícolas é beneficiada com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) em razão do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos, estabelecido pelo Decreto 7.660, de 23 de dezembro de 2011.

“Só há incentivos fiscais para produtos considerados essenciais”, afirma João Alfredo Teles Melo, professor de Direito Ambiental do Centro Universitário 7 de setembro (UNI7) e presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/CE. Segundo ele, ao incentivar o consumo de agrotóxicos “estamos incentivando uma atividade que não é essencial. O que é essencial é o que está relacionado à vida humana, neste caso temos isenção fiscal para uma atividade que causa morte. É absurdo o Estado achar essencial algo que viola o direito à vida”, acredita.  

Mais prejuízo

 

Além da falta de arrecadação, a utilização dos agrotóxicos também traz outros prejuízos aos cofres públicos. Um estudo publicado na revista Saúde Pública de autoria de Wagner Soares e Marcelo Firpo de Souza Porto revela que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, são gastos U$$ 1,28 no tratamento de intoxicações agudas. 

“Para os efeitos crônicos, como o câncer por exemplo, que demoram mais tempo para aparecer e há uma dificuldade de estabelecer um nexo causal, a gente sequer tem uma conta para fazer. Os prejuízos são enormes do ponto de vista financeiro, social e humano”, calcula a pesquisadora em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Aline Gurgel. 

O exemplo dos cigarros foi utilizado pela toxicologista do Instituto Nacional de Câncer (INCA), Marcia Sarpa: “O que pudemos ver aqui no Brasil é que quando se taxou cigarros ou bebidas alcoólicas, houve um desestímulo ao uso. No caso dos agrotóxicos, a isenção tributária funciona ao inverso, se incentiva o consumo”, observou

O princípio da essencialidade estabelece que quanto maior a importância social do bem consumido, menor será a carga tributária incidente sobre eles. E é justamente a aplicação deste princípio aos agrotóxicos que está sendo questionada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 que tramita no Supremo Tribunal Federal. A ADI foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016 para questionar as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. O caso encontra-se sob relatoria do Ministro Edson Fachin.

Para ajudar nesse processo, organizações como a Terra de Direitos, a Campanha Nacional Permanente Contra os Agrotóxicos, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e a Fian Brasil participam da ação na condição de AmicusCuriae.

4 comentários

  1. É tão incrível que exista uma lei desde 2004 que prevê a isenção do pagamento de tributos como o PIS/PASEP e do Cofins na importação e sobre a receita bruta de venda no mercado interno. As coisas vêm errado desde muito tempo. É hora de mudar!!!

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