Do Observatório de Questão Agrária
Nº 07/2021
Resumo: Este é o Boletim mensal do Observatório da Questão Agrária do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Todos os meses trazemos uma análise das principais movimentações do agronegócio no Brasil. Neste número, o tema de destaque é a crise climática e as falsas saídas propagadas pelo capital financeiro na alcunha de “títulos verdes” ou do mercado de crédito de carbono. Analisamos também o avanço do setor exportador de carne bovina e a contradição com a vida de grande parte da população brasileira, em situação de insegurança alimentar. Encerramos com sugestões de leituras.
1. Mudanças climáticas e agronegócio
No dia 26 de setembro uma tempestade de poeira encobriu as cidades de Franca, Barretos e Ribeirão Preto, no estado de São Paulo. O mesmo voltaria a ocorrer nas regiões de Andradina, Presidente Prudente e Penápolis no primeiro dia de outubro, também no interior paulista. Diante das fortes ondas de calor, da seca prolongada e do desmatamento crescente cabe perguntar: quais as relações entre as mudanças climáticas e o modelo do agronegócio?
Estas regiões, fortemente atingidas pela seca do último período, são tomadas pela indústria sucroalcooleira, com grandes extensões de canaviais, além de serem as áreas com a menor cobertura vegetal do estado, segundo aponta João Fellet para a BBC News Brasil, a partir do relatório elaborado pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Há apenas 13,29% de vegetação nativa em Ribeirão Preto, 10,83% em Franca e somente 5,52% em Barretos.
A situação é ainda pior com os altos índices de incêndios nos canaviais no mês de setembro, com registro de ao menos 920 focos apenas nas primeiras duas semanas do mês. Aliado a isso, o processo de renovação das lavouras canavieiras costuma ser realizado com intensa utilização de aração, o que deixa os solos vulneráveis às formas de erosão, como a causada pelos ventos.
O avanço do agronegócio e a consequente apropriação dos bens da natureza pelo capital, em especial do capital financeiro, traz a destruição de todos os biomas brasileiros, como aponta a série de relatórios publicados este mês pelo MapBiomas. O estudo demonstra que nos últimos 35 anos houve um crescimento de 85 milhões de hectares destinados para a produção agropecuária, correspondendo a uma acréscimo de 44,6%. Apesar de 59% da ocupação do solo no país ser de florestas, elas estão concentradas na região amazônica, e a realidade nos demais biomas é de redução da cobertura vegetal. Por exemplo, “no Pampa, apenas 12,5% do território são florestas. Quase metade (47,8%) é ocupada pela agropecuária. Na Mata Atlântica, a área de agropecuária é ainda maior, ocupando dois terços (66,7%) do bioma. Cerrado (45%) e Caatinga (37,4%) têm a terceira e quarta maior ocupação por atividades agropecuárias”, aponta o estudo.
O Pantanal, maior planície úmida do planeta, tem estado mais seco, e consequentemente tem registrado maiores queimadas. Ainda segundo os dados do MapBiomas, 57% do bioma foi afetado por incêndios nos últimos 35 anos, sendo 97% em vegetação nativa.
As consequências do processo de desmatamento, em especial da Amazônia, incluem o perigo de expor mais de 11 milhões de pessoas a riscos extremos em função do aumento das temperaturas, segundo o estudo “Desmatamento e Mudanças Climáticas projetam aumento do risco de estresse térmico na Amazônia brasileira”, assinado pelos pesquisadores Beatriz Alves de Oliveira, Marcus Bottino, Paulo Nobre e Carlos Nobre para a revista Nature. Segundo os autores, o potencial impacto atingiria 16% dos 5.565 municípios brasileiros.
Neste cenário de devastação do meio ambiente provocado pela expansão das áreas do agronegócio, que tem levado ao aumento do desmatamento, degradação de áreas de vegetação nativa e crise hídrica, o Ministério da Economia encaminhou propostas para reduzir o chamado “risco Brasil”. Elas implicam em um conjunto de alterações, que perpassam mudanças regulatórias nos processos de licenciamento ambiental (que poderia se tornar dispensável em caso de decurso de prazo), redefinição no tamanho da Amazônia e incentivos para que o país seja um polo produtor de agrotóxicos, entre outras. Este pacote, segundo o secretário de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação Jorge Lima, teria sido discutido com o Movimento Brasil Competitivo, integrado por grandes empresas como a JBS, Suzano, Gerdau, Itaú, Amazon, Google, IBM, Huawei, Facebook, entre outras.
2. Agronegócio busca reciclar sua imagem e os capitais fictícios
O governo brasileiro tem buscado construir uma imagem falsa sobre a sustentabilidade do agronegócio. “Mostrar ao mundo que o agronegócio brasileiro é moderno, sustentável e respeita o meio ambiente. Esse é o objetivo do segundo ciclo do Programa de Imagem e Acesso a Mercados do Agronegócio Brasileiro (Pam Agro) 2021-2023”, anuncia o Governo Federal na ocasião do lançamento deste programa, que busca uma estratégia de “comunicação profissional” em especial voltada para o público europeu.
No entanto, a questão central não está na construção de uma suposta “narrativa”, mas na própria lógica destrutiva da atuação do capital na agricultura, baseada na concentração de terras e expropriação dos territórios, na utilização de insumos e tecnologias destrutivas ao meio ambiente e à saúde humana, na mercantilização e financeirização crescente dos bens da natureza, entre outros aspectos que são intrínsecos ao padrão agroexportador brasileiro, reforçado com a crise do capital na atualidade.
Como os problemas são uma realidade e não uma “narrativa”, como querem nos fazer crer os arautos da ideologia do capital, as soluções do agronegócio para os impactos ambientais têm sido mais financeirização. Sob a alcunha de “títulos verdes”, as transnacionais e o capital financeiro buscam reciclar sua imagem e seus capitais fictícios diante dos desafios que as mudanças climáticas impõem para as sociedades, em especial nas economias dependentes.
Na lógica capitalista de mercantilização de todos os espaços, a consolidação do mercado de créditos de carbono poderá gerar até 100 bilhões de dólares em receita até 2030, em estimativa da seção brasileira da Câmara de Comércio Internacional (ICC). Segundo essa análise, os setores chave para obter esse resultado seriam a agropecuária, florestas e energia. Para a organização, seria necessária a regulamentação do artigo 6º do acordo de Paris, a ser discutido na Cop 26 no mês de novembro.
Neste sentido, diversas corporações transnacionais que operam no agronegócio têm buscado propagandear o estabelecimento de metas de desmatamento em suas cadeias produtivas. No entanto, de acordo com o projeto Forest 500, até o final de 2020 apenas 13% das 76 empresas que lideram a produção e comercialização de soja, carne bovina e palma implementaram ações que atendam ao menos metade das medidas estabelecidas por parâmetros internacionais. Além disso, um terço das empresas sequer tem algum compromisso com o combate ao desmatamento.
Luis Nassif, no Jornal GGN, argumenta que, com o consenso científico em relação ao aquecimento global e às tragédias que se espalham por todo o planeta, “ganha espaço a hipocrisia”, através do chamado “mercado de carbono”: “Trata-se de um modelo pelo qual alguém economiza carbono e coloca sua cota à venda. Alguém compra e pode compensar com a própria poluição que gera. Ou seja, ganha o direito de continuar explorando o planeta, mediante a compra de direitos de alguém que economizou recursos”.
Segundo o estudo realizado pela InfluenceMap citado por Nassif, em 2020 foram ofertados produtos financeiros equivalentes a 1,7 trilhão de dólares dentro do tema ambiental, social e governança (ESG na sigla em inglês). Mas chama a atenção o fato de que esses fundos de investimento também têm em carteira ações de empresas de combustíveis fósseis, como da Chevron e ExxonMobil, entre outras.
Diante da lógica destrutiva e mercantilizadora do capital, a saída para os problemas ambientais que assolam o mundo – com impactos mais drásticos nos países dependentes -, não passará por soluções ditadas pelo capital financeiro, como são os chamados “títulos verdes”.
3. Enquanto a população garimpa ossos, o agronegócio aumenta seus ganhos
Como já vinham apontando estudos recentes, a insegurança alimentar no Brasil já atinge mais de 110 milhões de pessoas, e ao menos 20 milhões estão em situação de fome. No mês de setembro reportagem do jornal Extra mostra a situação de pessoas que necessitam “garimpar” ossos e restos de carne para tentar adquirir alguma proteína nas ruas do Rio de Janeiro.
Em contraste com essa imagem, o setor exportador de proteína animal no país tem obtido ganhos crescentes: também em setembro, as exportações de carne bovina atingiram uma alta de 31,38% em relação ao mesmo período do ano passado, chegando a exportar 187,1 mil toneladas.
Como destaca o economista Eduardo Moreira, enquanto milhões de pessoas passam fome no país, as ações que mais crescem na Bovespa nos últimos dias têm sido os frigoríficos. Segundo Moreira, “enquanto a Bovespa subia apenas 0,27%, ações da MRFG3 (Marfrig) subiam 7,15%. A BRFS3, da Brasil Foods, registrou alta de 7%”. No dia seguinte (29/09), prosseguiu, a bolsa brasileira caiu 3,05%. Nesta data, 87 ações tiveram queda e apenas 4 fecharam em alta. Estas são: MRFG3, BRFS3 e BEEF3 (Minerva) e JBSS3 (JBS).
Além disso, as quatro empresas destacadas acima tiveram um crescimento em seu valor de R$ 63 bilhões nos últimos 12 meses, R$ 18 bilhões apenas em setembro.
Abaixo o gráfico demostra o movimento de valorização das empresas Marfrig, BRF, Minerva e JBS em relação ao índice Ibovespa.