Campanha contra os agrotóxicos: 13 anos de resistência dos povos ao avanço do capital no campo

Da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Há 13 anos, no bojo das ações do dia mundial da Saúde, foi lançada a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, fruto de uma intensa articulação entre movimentos sociais do campo, organizações de apoio à agroecologia, sindicatos e entidades públicas de pesquisa, especialmente no campo da saúde. Naquele momento, a pauta da luta contra os agrotóxicos se convergia com a defesa do Código do Florestal, onde a bancada ruralista já fazia um movimento de aprovar a flexibilização da legislação de forma que o agronegócio fosse beneficiado ampliando uma ameaça à biodiversidade, aos territórios dos Povos do campo, das águas e das florestas. 

Naquele momento, a denúncia dos efeitos dos agrotóxicos ainda atingia um público muito restrito, e era necessária uma ferramenta para massificar a luta e mobilizar amplos setores da sociedade, não só no meio rural, mas também nas grandes cidades. O nome escolhido à época – Campanha Permanente – soa contraditório. No entanto, ele surge de três constatações: em primeiro lugar, quanto à necessidade de mobilização, agitação e propaganda, elementos típicos de uma Campanha; segundo, quanto à complexidade e enraizamento do problema: após 50 anos de revolução verde, a luta contra o pacote das multinacionais do agronegócio não poderia ser de curta duração. Por último, tratava-se de debater outro projeto para campo que não tivesse como base o uso de agrotóxicos, mas sim a agroecologia, algo que também só pode ser feito a longo prazo. Portanto, uma construção permanente.

Junto à denúncia, optamos por carregar conosco sempre a mensagem de que outro modelo de produção é não só possível, como urgentemente necessário. Este modelo, que hoje atende pelo nome de agroecologia, já possui bases sólidas que pavimentam um caminho rumo a uma sociedade em que o alimento saudável seja o elemento estruturante das políticas de saúde, educação, trabalho, renda, desenvolvimento etc. Por isso, não só Contra os Agrotóxicos, mas também Pela Vida.

Treze anos depois, vemos um Brasil diferente daquele de 2011. Infelizmente, não é um cenário animador porque se a Campanha foi criada por conta do avanço dos agrotóxicos e do agronegócio, certamente a situação atual é mais grave. Desde esse período, a Campanha Contra os Agrotóxicos atuou e se tornou referência na luta contra a aprovação do que se converteu no Projeto de Lei 1459/2022, conhecido como Pacote de Veneno, que representa um duro golpe na regulação dos agrotóxicos. A lei ainda busca flexibilizar a liberação de mais veneno e fragilizar o avanço de práticas agrícolas sustentáveis e na proteção da saúde da população. 

Em novembro de 2023, a mesma foi convertida na Lei nº 14.785/2023, e mesmo em meio à mobilização de movimentos populares e severas advertências de inconstitucionalidades apontadas por órgãos científicos, o Congresso Nacional, atiçado pelo agronegócio, aprovou o Pacote do Veneno. Após isso, o presidente Lula impôs 17 vetos à nova lei, os quais estão prestes a serem analisados em sessão conjunta da Câmara e do Senado Federal, na qual já existe movimentação da bancada do agronegócio para derrubar essa “barreira”. 

Paralelo a isso, a boiada do veneno causou estrago. Apenas no período do governo Bolsonaro, mais de 2.000 novos agrotóxicos foram registrados no Brasil. Além disso, somente em 2022, de acordo o Ibama, cerca de 800 toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos foram comercializadas. Ou seja, além do afrouxamento das leis de proteção, a desestruturação orçamentária e o desmonte de órgãos públicos e políticas ambientais amplamente precarizadas se reverteu em conflitos no campo, onde as violações contra as populações indígenas e quilombolas receberam maior evidência. Além disso, o agronegócio como face do capitalismo no campo se reinventa e passa a utilizar os agrotóxicos como arma química.

O governo Bolsonaro foi marcado por sucessivos recordes na liberação de agrotóxicos. Eles cresceram anualmente: 475 aprovações em 2019, 493 em 2020, mais 562 em 2021, até bater no topo de 652 registros em 2022. Essa escalada foi interrompida em 2023, quando o número de liberações de agrotóxicos no Brasil registrou 555 produtos, uma queda de 15% em relação a 2022, segundo dados da Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA), do Ministério da Agricultura. Porém, apesar da redução, a quantidade de aprovações em 2023 foi a 3ª maior da série, um recorde da série histórica, iniciada há 24 anos.

A maioria desses agrotóxicos aprovados são genéricos (520), ou seja, “cópias” de princípios ativos inéditos — que podem ser feitos quando caem as patentes — ou produtos finais baseados em ingredientes já existentes no mercado. Os outros 35 produtos são inéditos. Desses, 24 foram liberados para o uso dos agricultores, enquanto 11 são voltados para as fabricantes de agrotóxicos.

Diversas são as formas de exposição e de violação de direitos individuais, coletivos e difusos por agrotóxicos. E são as comunidades camponesas, povos indígenas e comunidades tradicionais os mais expostos e vulneráveis a tais violações. Diante de tal cenário, a frente jurídica da Campanha que já se apresentava como necessária, se consolidou em torno da elaboração do Dossiê de agrotóxicos e violações de direitos humanos no Brasil e da articulação em rede dos advogados populares contra os agrotóxicos e pela vida no Coletivo Jurídico Zé Maria do Tomé. 

Ainda no campo de denunciar as violações de direitos humanos que se intensifica no campo brasileiro, a articulação internacional para debater os agrotóxicos, seus impactos na saúde e meio ambiente, as diversas ações e campanhas nos países do Sul Global foi fortalecida. Pois os traços comuns do capitalismo na região, é explorar os países como produtores de commodities, enquanto os países do centro do capitalismo, são as sedes das transnacionais agroquímicas. 

A Campanha vem investindo também na formação da sua militância com a formação de cursos com militantes de todas as regiões do Brasil. A última que vale destacar é o Curso de saúde e agrotóxicos para o fortalecimento do SUS no campo, que decorre justamente do reconhecimento da importância do tema do SUS, da vigilância popular em saúde e dos impactos dos agrotóxicos e da necessidade de estruturar estratégias para preservar o direito à vida, a cultura, territórios e corpos saudáveis.   Além disso, realizamos as atividades regionais com foco na vigilância popular em saúde de populações expostas aos agrotóxicos. É daí que se produz os mapas e panfletos de denúncias de contaminação por agrotóxicos e anúncios de resistências agroecológicas nacionais, onde se apresenta a demanda de tradução dos materiais em Guarani Kaiowa para dialogar com esses povos sobre o tema. 

Também tem buscado intensificar a frente de Comunicação, visto que a Campanha é essencialmente um instrumento para nos comunicarmos com as massas, a partir da realização de novos instrumentos como o podcast “O Negócio Tóxico do Agro”. A primeira série contou com seis episódios que abordam as várias faces do agronegócio no território brasileiro, expondo e denunciando os impactos da utilização de agrotóxicos para a saúde humana e o meio ambiente, em especial para as comunidades tradicionais e para os trabalhadores rurais.

Além da denúncia a resistência se faz no dia a dia

Se por um lado a denúncia se ampliou, também se aprofundou as perspectivas de transformação do modelo agroalimentar. A agroecologia cada vez mais é conhecida, praticada e valorizada em todo o território brasileiro. Ela dialoga diretamente com questões da segurança alimentar, das mudanças climáticas, da saúde e todas as demais implicações na luta e defesa da terra, como a reforma agrária, a titulação das comunidades quilombolas, o reconhecimento e valorização dos territórios indígenas, além da resistência à mercantilização da natureza. 

No entanto, ainda falta muito para que a sociedade brasileira, e especialmente pessoas pobres nas periferias de grandes cidades tenham acesso a um alimento saudável e livre de agrotóxicos. E podemos ir além, para que o debate de enfrentamento ao agronegócio ganhe corpo pois é de morte para todos e todas. Por isso, após treze anos é fundamental que possamos nos colocar a reflexão se a Campanha como ferramenta de denúncia e anúncio na luta contra os agrotóxicos ainda tem sido efetiva? E como podemos ampliar e fortalecer essa luta?

Durante esse período, a Campanha já assumiu diversos formatos de atuação, desde comitês de mobilização de norte a sul do país, com objetivo organizar a luta contra os agrotóxicos a partir das diversas organizações que já trabalhavam neste tema, e também como ferramenta de aproximação de novas pessoas para a luta, até representações organizativas por organizações e movimentos integrando as regiões a partir das frentes de atuação que a mesma vem se consolidando.

Ou seja, é fato que a Campanha atua para a construção de políticas públicas, efetivas e específicas para a redução de agrotóxicos, para a proibição da pulverização aérea em todo o território nacional, o banimento de agrotóxicos banidos em outros países do mundo, fim das isenções fiscais dadas aos agrotóxicos, a criação de zonas livres de agrotóxicos e transgênicos, a garantia do acesso à terra e o combate ao agronegócio e ao mercado dos agrotóxicos. 

A Plenária da Coordenação Nacional da Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela Vida ocorrida em dezembro de 2023 teve como objetivo principal consolidar a unidade e articulação entre setores diversos da sociedade, incluindo organizações do campo e da cidade e de vários espectros políticos na luta contra os agrotóxicos. 

E é a partir dela, que a Campanha segue se apresentando como uma resposta popular frente ao domínio do agronegócio no campo, que busca consolidar, por meio de uma forte ofensiva midiática e econômica, um consenso político e ideológico para legitimar a apropriação dos recursos naturais. A questão maior para nós, e como romper essa lógica incorporando a luta contra os agrotóxicos e a defesa da agroecologia no nosso cotidiano, nos nossos territórios, no campo e na cidade? Se a luta é de todos, precisa ser parte do que nos constitui como movimento, organizações, instituições, grupos populares que lutam por uma transformação social. 

2 comentários

  1. Mesmo com a intensificação da Campanha e o avanço da Agroecologia a desinformação é ainda muito grande. Investir ainda mais em curso para os movimentos sociais é de fundamental importância!

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