Por Roberta Quintino I Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Propostas serão levadas à 17ª Conferência Nacional de Saúde pelas delegadas indicadas.
Dezenas de pessoas, de vários cantos do país, participaram nesta sexta (19) da “Conferência Livre Nacional de Saúde: contra os agrotóxicos e pela vida, amanhã vai ser outro dia!”. A atividade, organizada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, faz parte da etapa preparatória para a 17ª edição da Conferência Nacional de Saúde.
O evento acontece a cada quatro anos e é um dos mais importantes espaços de diálogo entre governo e sociedade para a construção das políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesta edição, o tema central versa em “Garantir Direitos e Defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã Vai Ser Outro Dia”.
Nesse contexto de promoção da saúde e defesa da vida, a Campanha Contra os Agrotóxicos defende que a discussão sobre venenos agrícolas precisa estar integrada ao debate da saúde coletiva. O Brasil é um dos principais consumidores de agrotóxicos do planeta, e estas substâncias são responsáveis por desencadear uma série de doenças e agravos, como alterações nos sistemas imunológico, endócrino e reprodutivo, além de vários tipos de câncer. O impacto dos agrotóxicos no Sistema Único de Saúde merece maior destaque, em especial quando lembramos a excepcional isenção fiscal de que estes produtos gozam – chamada “Bolsa Veneno”.
Pesquisadores, trabalhadores rurais, representantes de movimentos populares e atingidos pelos agrotóxicos reforçaram a importância de se dar visibilidade aos impactos à saúde humana oriundas do uso e consumo dos agrotóxicos, bem como, da compreensão de que o uso de veneno é um problema de saúde pública.
A pesquisadora do GT Agrotóxicos da Fiocruz e GT Saúde e Ambiente da Abrasco, Karen Friedrich, disse que “é crucial para a nossa sobrevivência que esse tema seja discutido no âmbito de uma conferência e que se possa definir medidas que protejam a saúde das pessoas” e evite o adoecimento da população. De acordo com ela, o Brasil utiliza os produtos mais tóxicos do planeta, responsáveis pelo desenvolvimento de vários tipos de cânceres.
A professora e pesquisadora, Márcia Montanari, apresentou dados de contaminação na saúde humana e ambiente em Mato Grosso, estado que mais usa agrotóxicos no Brasil. “Estima-se que Mato Grosso pulverizou 225 milhões de litros de agrotóxicos em 2019 e 260 milhões em 2022”, o que representa a exposição per capita aos agrotóxicos de 65,8 litros por habitante em 2019 e 74 litros por habitante em 2022.
A consequência é o aumento no número de casos de doenças respiratórias, suicídios, má formação congênita, abortos, dentre outros impactos na saúde humana.
Subnotificação
A agricultora e moradora do Assentamento Santa Rita de Cássia II, do município de Nova Santa Rita, Graciela Almeida, relatou que, após a comunidade ser atingida, em 2020, por deriva de pulverização aérea de agrotóxicos que provocou uma contaminação em massa, a população local não teve o atendimento adequado. Ela conta que algumas pessoas, com evidentes sintomas de intoxicação, foram diagnosticadas com covid, além disso, houve a demora de mais de vinte dias para a realização de exames que pudessem analisar a intoxicação.
Nesse sentido, ela aponta a dificuldade na notificação de casos de contaminação e intoxicação por agrotóxicos, o que, consequentemente, abre brechas para a subnotificação de ocorrências.
Para Graciela, “o problema dos agrotóxicos é um problema de saúde pública”. Desta forma, é urgente a implementação de políticas que favoreçam e facilitem o acesso da população ao Sistema Único de Saúde.
A agricultora ressalta que o agronegócio, em detrimento da vida, “traz miséria, doença, traz pobreza, fome, e o agronegócio não paga nenhuma dessas contas”.
Representação
Na atividade, os participantes elegeram como delegada titular para a 17º edição da CNS Graciela Inés Stornini de Almeida, mais conhecida como Gachi, agricultora assentada do MST e atingida pela pulverização aérea no município de Nova Santa Rita/RS. Como suplentes, foram indicadas Maria do Carmo, da CONAQ, Maria Samara de Souza, trabalhadora assalariada rural, e Tainá Marajoara, do ponto de cultura alimentar Iacitatá.
As representantes terão o importante papel de defender as propostas apresentadas na Conferência para a melhoria na saúde.
Propostas
Após um amplo debate e o entendimento de que o Brasil que temos é de exposição da sua população aos agrotóxicos, a substâncias perigosas para a saúde e o ambiente, e que o Brasil que queremos é soberano, com comida de qualidade e em quantidade adequada para todas as pessoas, com diversidade cultural e alimentar da população, que promova saúde, proteja os bens naturais e faz a reforma agrária popular, com a redução de agrotóxicos, os participantes aprovaram as seguintes propostas:
1. Aprimorar o papel regulatório do Estado: i) qualificar rede de laboratórios públicos e outros laboratórios de órgãos e autarquias públicas para análise de resíduo de agrotóxicos na água, em alimentos, no solo, no ar e monitoramento de saúde de populações expostas; ii) reduzir os limites máximos de resíduos permitidos na água e nos alimentos; iii) ampliação e qualificação do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos – PARA, incluindo produtos processados e ultraprocessados; iii) criar grupo interministerial, com participação social para acompanhamento de normativas de agrotóxicos, revisando e propondo novos marcos mais protetivos para a saúde e o ambiente.
2. Ampliar a Vigilância em Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos – VSPEA: i) manter indução financeira para todos os municípios, ii) implementar mecanismos para notificação cidadã de intoxicação exógena; iii) criar mecanismo para integrar ações de Vigilância Popular, Vigilância em Saúde Ambiental e Vigilância em Saúde do Trabalhador com a Atenção Primária em Saúde; iV) propor ações intersetoriais com outros ministérios para promoção da saúde e redução das desigualdades, combate a fome e injustiça social; v) Incorporar os indicadores populares de contaminação, apoiando a construção de metodologias territoriais e participativas para monitoramento da vigilância popular em Saúde.
3. Investir em tecnologias acessíveis e pesquisas para análise dos impactos do uso de agrotóxicos na Saúde Humana, Saúde Reprodutiva, Saúde Animal e no Meio Ambiente e Agroecologia; bem como em processos de Educação permanente em Saúde.
4. Os agrotóxicos são ameaça imediata às culturas, principalmente a alimentar de povos originários e povos e comunidades tradicionais, assim como são elementos geradores da fome no Brasil, esterilizando agroecossistemas e impedindo a produção de alimentos de verdade, além de serem um fator de concentração e financeirização de terras e violência no campo. E apesar disto, contam com isenção de impostos e outras renúncias fiscais, portanto é preciso acabar com estes incentivos e que sejam implementados “tributos saudáveis” sobre produtos nocivos à saúde, que sobrecarregam o Sistema Único de Saúde (SUS).
5. Adotar medidas mais restritivas no uso de agrotóxicos: i) Descontinuar o uso de agrotóxicos em ações de “combate às endemias”, que faz uso de produtos neurotóxicos e carcinogênicos, e essa abordagem, além de não funcionar, ainda adoece trabalhadores e trabalhadoras (ACE, guardas de endemias); ii) banimento dos agrotóxicos proibidos em seu país de origem por serem prejudiciais para a saúde humana; iii) implementar o Programa e a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA e PNARA).
Confira os materiais discutidos e apresentados na Conferência:
Caderno de textos Conferência Livre de Saúde.