Empresário Johannes Cullberg diz que campanha conta com universidades, organizações ambientais e a população. E deve crescer com o fim das férias no país
por Cida de Oliveira, da RBA 05/08/2019
São Paulo – Dono de uma rede de mercearias especializadas na venda de alimentos orgânicos na Suécia, a Paradiset, Johannes Cullberg ficou conhecido internacionalmente no começo de junho, quando mandou retirar de todas as suas prateleiras os produtos brasileiros que comercializava – melões, suco de laranja, água de coco, café e chocolate, entre outros. A iniciativa de propor a outros lojistas que fizessem o mesmo, em reação à farra dos agrotóxicos no Brasil, desagradou o governo de Jair Bolsonaro (PSL).
Uma semana depois, em 12 de junho, a embaixada brasileira em Estocolmo divulgou carta aberta ao empresário, negando que o Brasil ocupe o primeiro lugar no ranking do consumo de agrotóxicos. Estaria entre o quinto e sétimo lugar, segundo o comunicado. Sobre as novas liberações, que já somam 290 em sete meses de governo, afirmou se tratar de uma necessidade do país de clima tropical, onde há grande variedade de pragas, insetos, fungos e bactérias e taxas de proliferação maiores que na Europa. E que isso aumenta os desafios e a exigência de agrotóxicos específicos para conter os elementos que prejudicam a agricultura e a produção. A embaixada destacou ainda que, como nas regiões tropicais é possível produzir até três safras por ano, a demanda por esses produtos acaba sendo bem maior.
A resposta da Paradiset foi dada no dia seguinte. Também em carta aberta, Cullberg afirmou ser inaceitável para ele, como para qualquer pessoa, que a exposição a agrotóxicos tenha causado 4.208 casos de intoxicação e 355 mortes somente em 2016, como mostram dados da Rede Europeia de Cientistas para a Responsabilidade Socioambiental. E salientou que, caso isso não fosse o bastante, em maio deste ano foi desmatada na Amazônia uma área de 739 quilômetros quadrados. Como se uma área do tamanho de dois campos de futebol fosse desmatada a cada minuto.
Cullberg também se referiu ao anúncio de Bolsonaro de permitir a mineração na floresta Amazônica. “É totalmente incompreensível para mim, considerando que ele, como presidente, deveria ser o modelo para o país inteiro”. E clamou aos diplomatas brasileiros na Suécia: “Agora é tempo, mais do que nunca, em que precisamos proteger e cuidar da melhor maneira do nosso planeta. E não acelerar no sentido contrário, como o Sr. Bolsonaro está fazendo. As ações de Bolsonaro não afetam apenas o Brasil, mas o mundo inteiro”.
Ainda em sua carta, o sueco se voltou para a sociedade como um todo: “Mesmo que o mercado do seu bairro escolha não boicotar os produtos brasileiros, você pode. Qualquer ação, por menor que seja, faz a diferença. Então, por favor, junte-se a mim nesta luta para que nosso planeta sobreviva. Nós não teremos uma segunda chance.”
Desde então, o empresário passou a liderar a campanha #BoycottBrazilianFoo
Na semana passada, Cullberg concedeu entrevista por e-mail à RBA. Confira:
O que você pensa sobre a carta aberta do governo brasileiro?
Meu primeiro pensamento foi que, se a embaixada me pediu para parar, eu devo estar fazendo a coisa certa. Obviamente eu irritei alguém importante no governo Bolsonaro. Isso motivou-me ainda mais, e assim decidi ir além – o que, obviamente, não era a intenção da carta. Uma réplica mais madura teria sido convidar-me para discutir soluções potenciais, o que talvez possa ser um próximo passo. Como podemos ver, estamos apenas começando.
Desde que você anunciou o boicote, outros supermercados aderiram à campanha?
Na Suécia, há um oligopólio com três grandes cadeias cobrindo 86% do mercado. Todos eles seguem a mesma regra de não boicotar países a não ser que a Federação Sueca de Varejistas de Alimentos assim determine, o que depende da recomendação do governo sueco, da União Europeia ou Nações Unidas ou a União Europeia de fazê-lo. Por isso que agora estou em contato com líderes políticos suecos, no governo e na UE para apoiar o boicote. Eu também estou conversando separadamente com proprietários de mercados que têm ignorado as recomendações nacionais em alguns casos, para também tê-los junto. Mas a maioria deles está de férias. Portanto, é um trabalho em andamento, já que não é uma decisão pequena a ser tomada.
Qual é a situação atual da mobilização?
Logo após as férias suecas, iremos para a segunda fase. A meta é unir forças com companhias maiores que as minhas, e também com a indústria de alimentos, trazer políticos, somar forças com grandes organizações ambientais com aquelas pessoas que podem exercer pressão com sua “faca e garfo”, escolhendo não comprar mantimentos do Brasil que não sejam orgânicos, como carne bovina da JBS, por exemplo. Isso será feito pela educação nas mídias sociais.
Há muito apoio? Esse apoio vem de que setores?
Devido ao crescente alarme nos meios de comunicação sobre o aumento do desmatamento e da aprovação de mais agrotóxicos no Brasil, mais e mais pessoas estão se conscientizando da situação. Atualmente, o apoio vem das universidades, organizações ambientais e da população em geral, por isso, é atualmente um movimento ascendente. Grandes corporações são mais lentas para reagir devido a suas políticas e também porque o período de verão começou justamente quando eu lancei o boicote. Mas era preciso lançar.
Em janeiro, autoridades sanitárias russas advertiram o Brasil sobre a necessidade de reduzir o uso de agrotóxicos. Desde então, Bolsonaro já liberou 290 novos agrotóxicos. Na Europa, esse tema tem sido discutido?
Esse assunto não foi discutido o suficiente por duas razões: primeiramente há grandes forças econômicas de companhias como Bayer e Basf, que ativamente tentam silenciar qualquer discussão. Em segundo lugar eu penso que o conhecimento sobre o impacto dos agrotóxicos é muito baixo e as pessoas não percebem que todos nós somos afetados pelo aumento do uso de agrotóxicos no Brasil, já que recebemos parte deles em nossa alimentação, mesmo na Europa. Isso é algo que estou discutindo atualmente com especialistas da área. Penso em fazer podcasts para ajudar a educar as pessoas na Suécia sobre os efeitos negativos para a saúde.
Os jornais The Economist e The New York Times publicaram reportagem especial em que clamam aos líderes mundiais advertir Jair Bolsonaro, à indústria de alimentos para que deixe de comprar soja brasileira e que o comércio com o Brasil deve estar condicionado à proteção da Amazônia. Quais as suas expectativas a respeito?
É sempre bom quando uma mídia prestigiada como The Economist ou New York Times escreva sobre a situação, já que é mais “legítimo” e mais pessoas e líderes de negócios se tornam conscientes. Um artigo não vai mudar as coisas, mas quando a mensagem é repetida muitas vezes pode criar mudanças. O artigo do The Economist pode ser como uma faísca para criar o fogo selvagem necessário para ferir o Sr. Bolsonaro no único lugar que ele se importa: sua carteira.
Você acredita que a pressão internacional deve aumentar?
Eu também acredito que outros ativistas, como a sueca Greta Thunberg e o maravilhoso trabalho que ela está fazendo, pode ajudar o público em geral a entender que nós precisamos agir agora, não amanhã. É importante notar também que a Europa e os estados Unidos, historicamente, já destruíram muitos dos nossos recursos. E como a Amazônia é uma das poucas que ficaram no mundo, tem de ser protegida. Nós não podemos cometer os mesmos erros cometidos nos nossos ou em outros países no passado.
Outra coisa a ser observada é que a maioria dos agrotóxicos são vendidos a partir de países europeus e nós somos os que compram alimentos do Brasil, onde as lavouras avançam sobre áreas desmatadas e muitas vezes fazendas impõem condições de trabalho horríveis, a fim de tornar o custo dos alimentos produzidos a níveis insustentavelmente baixos. Então somos todos, de um jeito ou de outro, responsáveis pelo que está acontecendo no Brasil e em muitas outras partes do mundo. Mas também temos o poder de mudar isso.
Bolsonaro tem anunciado que pretende explorar a Amazônia em parceria com os Estados Unidos. O que você pensa sobre isso?
Bem, eu penso que Bolsonaro e Trump são as duas pessoas mais perigosas hoje em dia. E me impressiona como essas pessoas podem chegar ao poder em grandes nações como o Brasil e os Estados Unidos. A julgar pelas ações anteriores do Sr. Trump, eu acho que ele provavelmente se tornará o melhor amigo de Bolsonaro, o que deve ser evitado a todo custo. Seria uma amizade mortal para o planeta Terra.