Em audiência, debatedores pedem imediata restrição para pulverização aérea

Por Roberta Quintino I Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Foto: Talita Dias.

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado realizou nesta segunda-feira (15) audiência pública para debater a pulverização aérea por agrotóxicos e as violações de direitos humanos à saúde, alimentação e meio ambiente. A atividade, requerida pelo senador e presidente da Comissão Paulo Paim (PT-RS), contou com a participação de pesquisadores, trabalhadores rurais, cientistas e representantes do Ministério Público.

Na ocasião, o senador destacou que “os agrotóxicos têm efeitos prejudiciais ao meio ambiente e a saúde da população, aos trabalhadores rurais, comunidades tradicionais, como os povos indígenas e quilombolas. O impacto é enorme, atingindo os direitos humanos, econômicos, ambientais, sociais, e culturais”, pontuou.

Para ele, “a agricultura familiar é o exemplo que a humanidade precisa, com base na essência da vida”. Paim disse ainda que é fundamental tratar o desenvolvimento sustentável na ótica dos direitos humanos, que vá “além dos aspectos econômicos”.

O subprocurador-Geral do Trabalho e Coordenador do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos do Ministério Público do Trabalho, Pedro Serafim da Silva, afirmou que “não há desenvolvimento ou progresso sem garantir os direitos humanos”, e que o problema dos agrotóxicos e, principalmente, da pulverização aérea é uma questão que não se reduz ao campo. “Todos nós somos vulneráveis aos agrotóxicos”.

De acordo com o coordenador, a pulverização aérea no Brasil se assemelha a estratégia de guerra utilizada pelos Estados Unidos contra a população do Vietnã, na qual se lançava um herbicida, conhecido como “agente laranja”, altamente tóxico e cancerígeno, responsável por provocar anomalias congênitas e cânceres nos vietnamitas, com impactos que perduram até hoje.

Pulverização de ódio

Para a professora e líder comunitária na terra indígena Guyraroká, no estado de Mato Grosso do Sul, Erileide Domingues, o agrotóxico é utilizado como um instrumento de morte. Ela disse que a sua comunidade tem sofrido com a intensificação da prática da pulverização aérea realizada em lavouras próximas da sua aldeia.  

Domingues relatou que práticas da comunidade, como plantio de mandioca e arroz, inclusive, banho de rio, não são mais possíveis devido à “contaminação de água, contaminação de alimentação, o ar que a gente respira. É uma pulverização de ódio, porque muitas vezes eles passam em cima dos povos indígenas realmente para exterminar,”.

Devido à vulnerabilidade dos territórios de povos e comunidades tradicionais, a líder comunitária pediu para que o poder público atue para aumentar a distância mínima para aplicação dos agrotóxicos.

A representante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Juliana Acosta, afirmou que não há como garantir o uso seguro de agrotóxicos. “Quando a gente está falando de agrotóxico, a gente está falando de substâncias que foram feitas para matar, que são de natureza perigosa e não tem nada que possa ser feito que reverta essa característica, foi feita para matar bicho, para matar planta, foi feito pra matar fungo, para matar gente também”.

Bolsa agrotóxico

Juliana destacou ainda que há uma legitimação do Estado com o setor de produção e uso de agrotóxicos. Embora o setor seja responsável por impactar diretamente o meio ambiente e à saúde humana, “sobrecarregando o Sistema Único de Saúde, cerca de R$ 10 bilhões deixam de ser arrecadados por ano pelos inúmeros incentivos e renúncias fiscais”, ou seja, “coloca o estado brasileiro para trabalhar para as multinacionais”.

De acordo com relatório produzido pela Abrasco, os subsídios aos agrotóxicos potencializam os danos e prejuízos gerados por tais substâncias perigosas. “É inconcebível justificar os subsídios com base na nobreza do discurso de segurança alimentar e do combate à fome de um produto que possui o potencial de matar e poluir o meio ambiente. Nesse caso, seria mais razoável subsidiar não o uso de agrotóxicos na produção, e sim diretamente o consumo do alimento”, aponta o documento.

No Brasil, incentivamos tecnologias perigosas e ambientalmente insustentáveis, ao mesmo tempo em que criamos barreiras econômicas para a adoção de uma agricultura de base mais ecológica e saudável, destaca o relatório.

Recomendações

A representante da Campanha Contra os Agrotóxicos recomendou que o poder público tome medidas para desestimular o uso da pulverização aérea, além da criação de um grupo de trabalho com a participação do governo e sociedade civil para estipular ações e metas para a redução de agrotóxicos, bem como, rever as normas que flexibilizam e facilitam o uso de agrotóxicos no Brasil, com o aprimoramento do debate da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA).

Juliana defendeu ainda que a Comissão de Direitos Humanos do Senado endosse a resolução nº 24/2022 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), que recomenda a proibição total da pulverização aérea de agrotóxicos próxima de terras indígenas, territórios quilombolas. Além disso, propôs que o PL do Veneno seja debatido na Comissão de Assuntos Sociais e na Comissão de Direitos Humanos, uma vez que, “já trouxemos evidências que esse é um assunto pertinente a essa Comissão”.

Zé Maria do Tomé

Na audiência, o deputado estadual Renato Roseno (Psol-CE), ressaltou que a utilização dos agrotóxicos, além de causar doenças, promove dor e sofrimento para as populações atingidas. O parlamentar é coautor da Lei 16.820 que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará.  A lei estadual foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), com julgamento previsto para este mês.

Nas redes sociais Roseno escreveu que “em 4 anos de vigência da Lei, que proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos, cerca de 1.770.000 litros de calda tóxica foram deixados de serem despejados sobre as cabeças de quem nada tinha a ver com aquilo.

A lei estadual é conhecida como lei Zé Maria do Tomé, agricultor, que enfrentou os efeitos do veneno de perto.

Zé Maria se tornou militante e ativista ambiental, figura central na mobilização de comunidades e movimentos sociais da Chapada do Apodi, berço da fruticultura irrigada  no Ceará. Ele lutava pela proibição da pulverização aérea de agrotóxicos na região.

Símbolo da crueldade e a violência do agronegócio e toda a sua cadeia. O agricultor José Maria Filho foi assassinado com 25 tiros pelas costas, à queima-roupa, próximo de sua casa, em Limoeiro do Norte. 

Filha do agricultor Zé Maria, a psicóloga Márcia Xavier fez um relato emocionado. Ela disse que na infância “tomava banho de veneno”.

“Eu me sinto vítima do agrotóxico três vezes, primeiro foi uma intoxicação que eu tive quando criança, segundo o homicídio dele [Zé Maria do Tomé], que eu atribuo a questão do agrotóxico e o terceiro, é uma filha que eu tenho, que vai completar 11 anos, e foi diagnosticada com puberdade precoce”, disse Márcia.

Como encaminhamento da audiência, atendendo a pedidos de participantes, o senador Paulo Paim se comprometeu, como presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, a se reportar aos juízes e juízas do STF para que mantenham a lei que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará, acompanhando o voto da relatora, ministra Carmem Lúcia, que reconheceu a constitucionalidade da lei. 

Ainda, na audiência foi entregue por Maria Juliana Moura, diretora do Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, uma nota técnica que trata sobre a pulverização aérea de agrotóxicos e a importância de ações de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA) para promoção da saúde e prevenção de riscos.  

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