Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP – Uma pesquisa realizada na Universidade Estadual Paulista (Unesp) identificou o modo de ação do diuron, um herbicida amplamente utilizado nas culturas de soja e cana-de-açúcar, que provocou câncer na bexiga de ratos.
“Mostramos que, quando eliminados pela urina, o diuron ou seus metabolitos provocam necrose em múltiplos focos do urotélio, o revestimento da bexiga. Em resposta, esse revestimento prolifera para substituir as áreas lesadas. A proliferação celular contínua, se mantida durante muito tempo, acaba levando a erros nas sucessivas cópias do DNA, alguns deles predispondo ao desenvolvimento de tumores”, disse o médico João Lauro Viana de Camargo, professor titular de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador do estudo, que teve apoio da FAPESP.
Segundo o pesquisador, esse modo de ação evidencia que o diuron atua de forma não genotóxica, isto é, não provoca, de início ou diretamente, lesão de DNA. Tal lesão tende a ocorrer em momentos posteriores, se a exposição for mantida por tempo longo. O potencial cancerígeno desse herbicida para a espécie humana já havia sido alertado pela United States Environmental Protection Agency (EPA), a agência de proteção ambiental do governo dos Estados Unidos.
O estudo brasileiro – que contou com a participação de pesquisadores da EPA e da University of Nebraska, em um total de 25 profissionais envolvidos – confirmou o potencial cancerígeno do diuron para os ratos e mostrou que tal condição pode ocorrer mesmo com doses cinco vezes menores do que aquelas antes consideradas nocivas.
“As alterações provocadas pelo diuron na bexiga do rato ocorrem segundo uma relação dose-resposta, isto é, quanto maior a dose, mais alterações moleculares, ultraestruturais e histológicas acontecem”, explicou Camargo. “Nesta linha, identificamos a chamada ‘dose limiar’ – uma quantidade abaixo da qual o herbicida não é cancerígeno, mesmo se o animal for exposto a ele por tempo prolongado.”
De acordo com o pesquisador, a toxicidade do produto manifesta-se bem cedo, já no primeiro dia de exposição a altas doses. “Avaliada por sua expressão gênica, a resposta do urotélio é aparentemente adaptativa, sugerindo que, se a exposição for interrompida, a bexiga voltará ao normal. O problema existirá se as doses forem altas e a exposição mantida por longo tempo”, afirmou.
Outra observação feita durante os sucessivos estudos foi que, quando fornecido em doses relativamente altas para ratos, o diuron provoca toxicidade sanguínea.
“Nesse caso, o alvo predominante é o baço, um órgão relacionado à imunidade e ao suprimento sanguíneo, que de modo consistente mostrou volume aumentado devido a excesso de sangue e acúmulo de restos celulares”, disse Camargo. Essa alteração também foi verificada na prole masculina de ratas prenhes que haviam recebido o diuron em altas doses.
O estudo sobre o diuron fez parte de uma pesquisa mais abrangente – o Projeto Temático “Praguicidas agrícolas como fator de risco”–, realizada com apoio da FAPESP de 2007 a 2012.
No Temático, além do diuron os pesquisadores investigaram também os efeitos, em ratos e camundongos, de cinco praguicidas cujos resíduos foram encontrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no tomate à disposição da população brasileira.
“Ratos machos, alimentados durante oito semanas com ração contendo aquela mistura de praguicidas em doses relativamente baixas, apresentaram o sistema hepático de biotransformação de substâncias químicas potencialmente mais ativo”, disse Camargo.
Essa descoberta sugere que os organismos dos animais estariam fazendo um esforço extra para se livrar das substâncias estranhas a que estavam sendo expostos. Mas a mistura não promoveu o desenvolvimento de câncer hepático em ratos que haviam sido tornados artificialmente predispostos a este tipo de doença.
No entanto, outro efeito preocupante foi constatado. Os ratos machos alimentados com a ração contendo os praguicidas apresentaram redução na mobilidade dos espermatozoides. “Este achado pode indicar o comprometimento da fertilidade dos animais”, disse Camargo.
Seu cuidado em dizer “pode indicar”, e não “indica”, se deve ao fato de não terem sido verificadas alterações em outros parâmetros relacionados ao sistema reprodutor masculino, como os níveis dos hormônios sexuais, a morfologia espermática, a produção diária de espermatozoides, a velocidade de trânsito pelo epidídimo – o ducto que coleta os espermatozoides, produzidos nos testículos – e a estrutura histológica dos testículos e epidídimos.
Alerta para autoridades e consumidores
Baseado no mesmo critério de prudência, Camargo evita extrapolar para o homem as descobertas feitas em ratos. “Embora os estudos experimentais baseiem-se na premissa de que animais de laboratório respondem aos insultos químicos da mesma maneira que os humanos – caso contrário, não haveria razão para serem realizados esses estudos experimentais –, a extrapolação dos resultados deve ser feita de modo criterioso e a relevância dos resultados assumida com cautela”, disse.
“Para a extrapolação rigorosa, há necessidade de comparar os processos metabólicos e biológicos pelos quais as substâncias estudadas passam e provocam em cada espécie”, ponderou o professor da Unesp.
De qualquer forma, as descobertas constituem um alerta importante para autoridades sanitárias. E também para os consumidores. Pois, embora de forma ainda incipiente, a preocupação em consumir alimentos livres de resíduos químicos vem aumentando no Brasil.
Segundo dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, o mercado de produtos orgânicos cresce de 15% a 20% ao ano no país, abastecido por cerca de 90 mil produtores, dos quais aproximadamente 85% são agricultores familiares.