Fortalecimento e anúncio da agroecologia como alternativa ao agronegócio é um dos objetivos de curso realizado em Santarém

Por Roberta Quintino l Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Comunidades tradicionais do Pará desenvolvem a agroecologia na luta contra os agrotóxicos na Amazônia. Foto: Yuri Santana.

A segunda etapa do curso de formação em Agrotóxicos, Saúde e Agroecologia na Região Amazônica ocorreu de 22 a 24 de maio, em Santarém, Pará. Com a pergunta “O que é vida para você?” e suas diversas respostas — “floresta em pé, água pura, saúde, comida saudável, agricultura familiar, agroecologia, resistência” — cerca de 40 pessoas, vindas do campo, da floresta, das águas, povos e comunidades tradicionais, deram início à formação.

A atividade busca promover a troca de experiências e conhecimentos na promoção e construção da agroecologia, além de denunciar as violações causadas pelo agronegócio e pelo uso de agrotóxicos na região do Baixo Amazonas, no Oeste do Pará. A formação também visa capacitar multiplicadores e multiplicadoras na luta contra os agrotóxicos e no anúncio da agroecologia.

Nesta segunda etapa do curso, além dos debates, rodas de conversas, troca de saberes e discussão sobre cartografia social, ferramenta de denúncia, anúncio, reivindicação e compreensão sobre a temática dos agrotóxicos no contexto dos territórios que ocupam, os participantes trocaram experiências do tempo comunidade, onde cada território coloca em prática as estratégias e conteúdos estudados, que representam ações concretas da 1º etapa da formação.

Entre as várias atividades realizadas nas comunidades, destacaram-se a construção de um mapa de violações, rodas de conversa, cine-debate, além de uma apresentação sobre a experiência da agricultura familiar. Também foi promovido um curso de compostagem e realizado o mapeamento do rastreamento dos agrotóxicos. Houve ainda uma reunião com Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para discutir a intoxicação por agrotóxicos, e o plantio de sementes trocadas entre os participantes.

Troca de saberes e experiências. Foto: Roberta Quintino

No primeiro dia, aconteceu a mesa de diálogo “Agroecologia como estratégia de resistência e reprodução social da comunidade e povos tradicionais da Amazônia”.

Para Cecília Moura, da Casa Familiar Rural de Santarém, a agroecologia vai além da produção de alimentos, abrange o fortalecimento e a preservação das sementes regionais, a valorização e integração do conhecimento tradicional, alinhado à ciência. “A agroecologia promove uma abordagem sustentável e resiliente para a agricultura”.

Ela destaca que Santarém tem sido pioneira na formação de técnicos em agroecologia. A Casa Familiar Rural, atende cerca de 50 jovens, e oferece dois cursos técnicos: um em agroecologia e outro em agropecuária. Para ela, “é papel dos jovens atuar como multiplicadores para o fortalecimento da agroecologia em seus territórios”.

Samis Vieira, educador da FASE, destacou que há um projeto de vida e um projeto de morte em andamento no estado paraense. Segundo ele, a agroecologia, que é o projeto de vida, está profundamente conectada com o território, englobando as águas, as florestas, a terra e a biodiversidade.

Ele alerta sobre a perda da soberania alimentar e as mudanças nas práticas tradicionais, exemplificando com o açaí, um alimento tradicional da cultura amazônica que agora está na rota das commodities. “As pessoas estão derrubando florestas para plantar monocultivo de açaí com agrotóxicos”, afirma. Samis enfatiza que o conhecimento tradicional não é atrasado, como prega o agronegócio, e defende a agroecologia como uma estratégia de defesa do território, baseada na solidariedade entre os povos e em princípios comunitários.

Ele ressalta ainda a necessidade de territorializar a agroecologia, respeitando as especificidades de cada região, ao contrário da imposição do capitalismo como modelo ideal de produção. “Ou mudamos nossa forma de compreender os territórios, ou não teremos a dimensão do que nos espera no futuro, como demonstram as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca na Amazônia”. Samis finaliza afirmando que a agroecologia é uma disputa de narrativa.

Visita as comunidades Palhal, Boa Fé e Terra Preta dos Lúcios, no município de Mojuí dos Campos. Fotos: Roberta Quintino

A mesa de diálogo contou com a apresentação de Zé Cunha, da Associação de Produtores Orgânicos do Tapajós, que compartilhou a experiência da associação. Segundo ele, a associação representa um contramovimento à produção convencional, promovendo a troca de sementes e capacitações.

Cunha destacou que um dos principais desafios para o avanço do plantio orgânico é o acesso a políticas públicas. “O recurso que financia o agronegócio é público, mas a agricultura familiar enfrenta vários obstáculos criados pelo próprio governo para acessar esses recursos, e, quando consegue, o apoio é insuficiente. A agroecologia e a agricultura familiar são mantidas pela resistência,” afirmou.

Troca de saberes

Como parte das atividades do curso, os participantes realizaram um intercâmbio de troca de saberes para conhecer iniciativas agroecológicas de produção orgânica na região metropolitana de Santarém. Durante a imersão, eles visitaram as comunidades Palhal, Boa Fé e Terra Preta dos Lúcios, no município de Mojuí dos Campos.

A visita revelou um preocupante avanço do modelo agrícola convencional, especificamente da soja e milho, que está substituindo as práticas tradicionais e expulsando comunidades locais. Essas comunidades, que antes contavam com escolas e postos de saúde, estão sendo inviabilizadas pelo uso intensivo de agrotóxicos e pela expansão das plantações de soja e milho.

Além disso, houve relatos de que as comunidades que ainda resistem estão enfrentando dificuldades para continuar plantando. Isso está causando uma reconfiguração territorial que ameaça a sustentabilidade da produção orgânica na região, por exemplo.

Participantes trocam sementes no encerramento da segunda etapa da formação. Foto: Roberta Quintino.

Feira de trocas de sementes

Uma feira de troca de sementes marcou o encerramento da segunda etapa do curso de formação em Agrotóxicos, Saúde e Agroecologia. Com uma diversidade de espécies de sementes – cumaru, bacuri, uxi, amendoim, taperebá, citronela, andiroba, pau-brasil, laranja, mamão – os participantes voltam para os seus territórios com a tarefa de anunciar a agroecologia. A terceira e última etapa da atividade acontece em setembro, momento em que serão definidas estratégias de luta e ações nas comunidades.

Ao final, Mirelle Gonçalves, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, destacou que o agronegócio não representa a totalidade da agricultura. “É por meio da agroecologia que conseguimos permanecer em nossos territórios, com diversidade, preservando a vida dos nossos povos e florescendo. Quando fortalecemos a agroecologia, já estamos denunciando o agronegócio. Quando resistimos em nossos territórios, já estamos praticando a agroecologia”.

A atividade é uma iniciativa da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, FASE Amazônia, Terra de Direitos, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém – STTR,  Mojuí dos Campos, Belterra e Instituto de Saúde Coletiva/UFOPA.

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