Por Rede Brasil Atual l Publicado em 27 de outubro de 2023.
Um estudo envolvendo diversos centros de pesquisa estrangeiros sugere que a explosão de leucemia infantil pode ser explicada pelo uso do glifosato, agrotóxico mais usado no mundo. Dados iniciais de um estudo global sobre a substância (GGS, da sigla em inglês), divulgados nesta quarta-feira (25), mostram que mesmo em doses baixíssimas, o herbicida causa leucemia em ratos. E que metade das mortes dessas cobaias ocorreu em idade precoce.
Só nos Estados Unidos, os casos de leucemia em crianças e adolescentes aumentaram 35% desde 1975, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. E a cada ano, aumenta em torno de 1%. Esse crescimento, aliás, responde em grande parte pelo aumento de casos de câncer pediátrico em geral naquele país, da ordem de 0,5% anualmente, em média. Isso no período de 2003 e 2019, segundo levantamento do mesmo órgão de saúde publicado em julho no Journal of the National Cancer Institute, importante publicação sobre o tema. A leucemia é agora, de longe, o câncer mais comum em crianças.
“Quando você observa um aumento como esse – tão rápido – em um curto período de tempo, muito provavelmente será impulsionado por alguma exposição a fatores ambientais”, disse recentemente Catherine Metayer, professora adjunta da Escola de Saúde Pública da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Neste estudo global, de longa duração, os pesquisadores diluíram em água o glifosato sozinho e duas formulações comerciais, Roundup BioFlow (MON 52276) usado na União Europeia (UE), e Ranger Pro (EPA 524-517), usado nos Estados Unidos, e ministratam a ratas prenhes. O experimento continuou com os ratos nascidos, em doses diárias de 0,5, 5 e 50 mg/kg de peso corporal. Essas doses, aliás, são atualmente consideradas seguras pelas agências reguladoras e correspondem à Dose Diária Aceitável (DDA) da UE. E ao Nível de Efeito Adverso Não Observado (NOAEL) da UE para o glifosato. Ou seja, concentrações aceitáveis para o caso de contaminação da água de abastecimento.
Metade das mortes de cobaias ocorreram antes de um ano
“Cerca de metade das mortes por leucemia observadas em ratos expostos ao glifosato e herbicidas à base de glifosato ocorreram em menos de um ano de vida. Por outro lado, nenhum caso de leucemia foi observado com menos de um ano de idade em mais de 1.600 ratos estudados nas últimas duas décadas pelo Programa Nacional de Toxicologia dos EUA (NTP) e pelo Instituto Ramazzini”, disse Daniele Mandrioli, coordenadora do Estudo Global sobre Glifosato e diretora do Instituto Ramazzini, em Bolonha, na Itália.
O GGS, que ela coordena, é o mais abrangente já realizado sobre glifosato e herbicidas derivados. Seus dados subsidiam órgãos governamentais e políticas públicas. Entre as linhas de pesquisa estão os impactos da substância no surgimento de diversos tipos de câncer, neurotoxicidade, efeitos multigeracionais, toxicidade de órgãos, desregulação endócrina e toxicidade no desenvolvimento pré-natal. Vários artigos revisados por pares do estudo serão publicados a partir do início de 2024.
“Essas descobertas são de tanta relevância para a saúde pública que decidimos que era vital apresentá-las agora, antes da publicação. Os dados completos serão disponibilizados publicamente e submetidos para publicação em revista científica nas próximas semanas”, disse Daniele Mandrioli.
Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o glifosato perigoso para a saúde humana e “provável cancerígeno para humanos”. A autorização do glifosato na União Europeia expira em 15 de dezembro deste ano, e não há maioria entre os países pela renovação. A França, maior potência agrícola do grupo, e a Alemanha, são sensíveis aos clamores populares, contrários aos agrotóxicos. O eurodeputado Pascal Canfin, do grupo Renew, partido de Emmanuel Macron, acusa o bloco de alinhamento com a indústria química.
Tribunal dos EUA mandou autoridades reavaliarem o glifosato
Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), que não considera o glifosato canceríeno, está reavaliando o registro. O processo foi determinado em junho de 2022, por um tribunal federal de recursos. Segundo o tribunal, a EPA não avaliou de maneira adequada se o princípio ativo causa câncer. Nos últimos anos, a suprema corte do país já condenou a Bayer, que comprou a Monsanto, a indenizar vítimas do glifosato, muitas delas por ter desenvolvido leucemia.
As conclusões do GGS sobre a toxicidade do glifosato para o microbioma, que foram revistas por pares e publicadas no final de 2022 e apresentadas ao Parlamento da UE em 2023, também mostraram efeitos adversos em doses que são atualmente consideradas seguras na UE (0,5 mg/kg pc/ dia, equivalente à Dose Diária Aceitável na UE).
Anteriormente, o GGS publicou um estudo piloto que mostrou toxicidade ao sistema endocrinológico e reprodutivo em ratos em doses de glifosato atualmente consideradas seguras pelas agências reguladoras nos Estados Unidos (1,75 mg/kg de peso corporal/dia). Estas descobertas foram posteriormente confirmadas em uma população humana de mães e recém-nascidos expostos ao glifosato durante a gravidez.
Coordenado pelo Instituto Ramazzini, o estudo envolve cientistas da Europa, dos Estados Unidos e da América do Sul, o que dá peso extra aos resultados. Participam pesquisadores da Escola de Medicina Icahn em Mount Sinai, Universidade George Mason, Universidade de Bolonha, Universidade de Copenhague, Boston College, Instituto Nacional Italiano de Saúde, Universidade Federal do Paraná, Universidade da Califórnia em Santa Cruz e Hospital São Martinho, de Gênova.
O GGS, que aponta relação com a leucemia, foi financiado por crowdfunding e requer ainda mais apoio do público para realizar análises de todos os dados que estão sendo coletados.