Por Roberta Quintino, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
Na segunda-feira (20) um incêndio atingiu o depósito da Cooperativa Agropecuária e Industrial – Cocari, localizada em Mandaguari, no Paraná. No local, a empresa armazenava grande quantidade de agrotóxicos, que provocou a emissão de fumaça tóxica na região.
O volume de agrotóxicos e os princípios ativos que haviam no local ainda não foram divulgados.
Embora o Corpo de Bombeiros tenha informado nesta quarta-feira (22) que a concentração de sulfeto de hidrogênio identificada no ar não deve provocar sintomas, nem ser nocivo a saúde, nas redes sociais, a população local tem relatado sintomas de intoxicação, como dores de estômago, dor de cabeça e náuseas, além de mencionar um “cheiro muito forte de veneno”.
O Secretário do Meio Ambiente da cidade, Eduardo Abílio, informou que funcionários da Cocari buscaram atendimento no Pronto Atendimento do Município com quadros leves de intoxicação, provocados por inalação da fumaça, e que houve dificuldades para “identificar o melhor antídoto para o socorro das vítimas, pois não foi apenas um tipo de agrotóxico no local. Todo estoque de herbicidas e fungicidas foi atingido”, disse o secretário em entrevista.
A biomédica e membro do GT Saúde e Ambiente da Abrasco, Karen Friedrich explica que a queima de material orgânico gera outros produtos muito perigosos, “como as dioxinas que causam câncer, problemas reprodutivos e no sistema de defesa contra doenças”.
Ela ressalta ainda que “o acidente em si pode produzir uma carga de poluentes muito grande podendo levar a danos imediatos na saúde das pessoas envolvidas, incluindo trabalhadores que se deslocaram para o local para mitigar as consequências do ocorrido. Além da biodiversidade do entorno, a criação de animais, água para irrigação e consumo, o ar podem ser contaminados”.
O Corpo de Bombeiros divulgou também que foram utilizados cerca de 270 mil litros de água para a contenção do incêndio. A pesquisadora, Karen Friedrich, mostra preocupação quanto ao escoamento da água usada, já que podem ocorrer emissões “silenciosas” e permanentes dessas substâncias no ar e na água.
Para Friedrich, o armazenamento de agrotóxico em meio a cidade é um risco em potencial muito elevado. “O caso é um exemplo das situações extremas que podem ocorrer. Incêndios, que podem incluir explosões, resultam na disseminação muito rápida desses contaminantes para a população do entorno que pode ser muito diversa. Pessoas doentes, jovens, crianças, grávidas, populações em situação de rua são atingidas por agentes tóxicos cujos limites de tolerância foram calculados para situações de exposição controladas. E em casos como esse o risco de adoecimento, a longo prazo inclusive, é muitíssimo elevado”, ressalta a pesquisadora.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida aponta a necessidade de que a empresa realize amostragem de qualidade do ar, de águas subterrâneas, do solo e das águas superficiais próximas ao local do incêndio, e que seja realizado um monitoramento por parte dos órgãos locais. A Campanha mostra preocupação também quanto à instalação desses depósitos, que armazenam produtos perigosos, próximos à aglomerados populacionais, como escolas, creches, hospitais e, sobretudo, residências.
Para a Campanha Contra os Agrotóxicos, situações como a de Mandaguari revelam o que é denunciado há anos, que a natureza perigosa dos agrotóxicos coloca em risco toda a população e que nada de efetivo tem sido feito para reverter esse quadro, e que não há uso moderado ou equipamento de proteção suficientes para proteger a saúde e o ambiente em ocorrências como estas.
Pacote do Veneno
Friedrich ressalta que tramita no Senado o Pacote do Veneno, medida que “nos assombra”. Ela explica que um dos dispositivos da proposta permite que se fabrique no Brasil agrotóxicos sem registro e que os fabricantes não seriam obrigados a fornecer dados relacionados a danos sobre a saúde humana e potenciais impactos ambientais.
“Já pensaram em um caso de incêndio ou acidente com o transporte dessas substâncias, sem conhecer o que essas substâncias liberadas podem causar? Como que se protege as pessoas atingidas, incluindo aquelas que trabalham para apagar o incêndio e mitigar o acidente?”, questiona a pesquisadora.
Para ela, um dos problemas é o próprio modelo de agricultura, “que se baseia, majoritariamente, no uso de agrotóxicos, sem priorizar medidas menos danosas”.
Esta luta contra os venenos usados na agricultura é fundamental para garantir a saúde da população e a preservação do meio ambiente.
É urgente e necessário que se estabeleçam protocolos para uso de agrotóxicos no Brasil. Visando a proteção dos trabalhadores, familiares, população e meio ambiente.