Setor de agrotóxicos é beneficiado com a redução de ICMS e isenção total de IPI. Em paralelo, setor obteve altos lucros
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Em contexto de crise fiscal e argumento de ausência de recursos pela União e estados, em especial para combate à intensa crise epidemiológica, estima-se que os cofres públicos deixaram de arrecadar R$10 bilhões com a isenção fiscal de agrotóxicos. O dado é um levantamento produzido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Friocruz e UFRRJ, com base nas despesas com agrotóxicos informadas pelos estabelecimentos agropecuários no último levantamento censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A inconstitucionalidade da isenção de impostos para os agrotóxicos pode ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no próximo dia 15 de outubro. O julgamento é movido pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em 2016.
Na ação o PSOL questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.
O pagamento parcial do tributo ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios dos dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e indicar benefícios fiscais, conforme sua importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias.
De alto impacto à saúde humana e ao meio ambiente, a concessão do benefício tributário aos agrotóxicos não encontra solidez argumentativa por parte do Estado brasileiro. Ao apresentar manifestação na Ação Direta de Inconstitucionalidade, após requerimento do Ministro do STF, o relator Edson Fachin, o Ministério da Fazenda não apresentou fundamentos técnicos para a concessão da não tributação. Outra crítica à concessão ao benefício reside que este mesmo princípio não é aplicado pelo Estado a produtos essenciais para a população brasileira, como alguns itens de consumo diário pela população brasileira.
Com faturamento estimado em 2019 em R$ 630 bilhões o setor do agropecuário deixa de destinar significativas quantias ao poder público brasileiro e eleva, ao máximo, a possibilidades de lucro.
Com liberação recorde de 818 registros de agrotóxicos desde início do mandato de Jair Bolsonaro (sem partido) – sendo 315 registros liberados em 2020, majoritariamente durante a pandemia – por meio da pasta da agricultura, sob comando da ministra com estreita ligação com o agronegócio, Tereza Cristina (PSL), o valor que o Estado brasileiro deixa de arrecadar no próximo período aumenta exponencialmente. Isto porque, como o sistema de tributação incide sobre o produto, quanto mais agrotóxico se utiliza, menos se deixa de arrecadar impostos.
Outro viés de leitura da isenção de impostos para o mercado de agrotóxicos é a de que a não taxação caminho em sentido oposto à uma política de desestímulo do uso dos agrotóxicos. Em relatório entregue neste mês de setembro sobre o Brasil, ex-relator especial sobre substâncias e resíduos tóxicos da Organização das Nações Unidas (ONU), Baskut Tuncak declarou como preocupante o uso de agrotóxicos no país.
Impactos para os cofres públicos
Além da não arrecadação de tributos pelos Estado brasileiro, a utilização dos agrotóxicos também traz outros prejuízos aos cofres públicos. Um estudo publicado na revista Saúde Pública, de autoria de Wagner Soares e Marcelo Firpo de Souza Porto, revela que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, por exemplo, são gastos U$$ 1,28 no tratamento de intoxicações agudas – aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. Nesse cálculo não são considerados os gastos com saúde pública em decorrência da exposição constante aos venenos agrícolas, como com o tratamento do câncer.
Participação da sociedade civil
Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos da isenção fiscal, organizações da sociedade civil e redes de atuação de um espectro diverso dos direitos humanos participam do julgamento da ação, na condição de Amici Curiae. Ao todo quatro pedidos de participação da sociedade foram admitidos pela Corte, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian-Brasil.
Em defesa da manutenção da isenção, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal. (Sindiveg), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Crop Life também foram admitidas no processo.