Inconstitucionalidade da isenção de impostos para agrotóxicos volta a ser julgada pelo STF nesta sexta (09)

Por Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e Terra de Direitos.

Ação questiona redução de ICMS e isenção total de IPI para aquisição de agrotóxicos. Organizações questionam impacto para meio ambiente, saúde e cofres públicos.

Reprodução.

O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a julgar nesta sexta-feira (09), em modalidade virtual, a Ação Direta de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona isenção fiscal para agrotóxicos. O julgamento havia sido suspenso em novembro de 2020, com pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. 

Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.  

Até o momento apenas dois ministros de manifestaram na Ação. O ministro e relator da Ação, Edson Fachin, reconheceu em seu voto a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais que garantem redução e isenção tributária ao mercado de agrotóxicos há mais de 25 anos. O ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos. 

Na manifestação do voto, o ministro não se restringiu a analisar a questão tributária, mas evocou também o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, aponta Fachin. O ministro Nunes Marques votou pelo não reconhecimento da inconstitucionalidade da isenção.  

Ainda que o tema trate da questão fiscal, a isenção de impostos pelo setor suscita questões ambientais, de saúde pública, segurança alimentar e do próprio reconhecimento do Estado do que são produtos essenciais para a população brasileira. Isto porque o Estado brasileiro aplica, até então, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias, que permite benefícios fiscais a produtos reconhecidos como fundamentais para a sociedade. 

De alto impacto à saúde humana e ao meio ambiente, a concessão do benefício tributário aos agrotóxicos não encontra solidez argumentativa por parte do Estado brasileiro. Ao apresentar manifestação na Ação Direta de Inconstitucionalidade, após requerimento do Ministro do STF e relator do processo, Edson Fachin, o Ministério da Fazenda não apresentou fundamentos técnicos para a concessão da não tributação. Outra crítica à concessão ao benefício é que este mesmo princípio não se aplica a produtos essenciais e de consumo diário pela população. 

As organizações refutam a ideia de que o fim da isenção do ICMS e IPI para agrotóxicos impactaria, majoritariamente, o bolso dos pequenos agricultores.  De acordo com projeções e estudos é possível verificar que a desoneração beneficia principalmente o setor agroexportador, e não influencia de forma expressiva os agricultores responsáveis pelos produtos da cesta básica. 

De acordo com o Censo Agropecuário (2017), áreas de pequena extensão são as de menor uso dos agrotóxicos. Propriedades de 2 a 5 hectares, as maiores em número no Brasil – com cerca de 420 mil estabelecimentos cultivados majoritariamente pela agricultura familiar – afirmam gastar cerca de 1,67% das despesas de produção com agrotóxicos. “É da agricultura familiar, grupo com baixa despesa do custo de produção com agrotóxicos, que consumimos cerca de 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa. Portanto, o impacto seria para os grandes produtores exportadores”, destaca Naiara Bittencourt. 

Com liberação recorde de agrotóxicos pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) e crescente dependência deste pacote tecnológico pela agricultura brasileira, as cifras do que o estado deixa de arrecadar também apresentam uma linha de crescimento.    

Impactos para os cofres públicos e a cesta básica 

Segundo levantamentos dos pesquisadores da Associação Brasileira de Estudos em Saúde Coletiva (Abrasco), em relatório publicado em fevereiro de 2020, “os benefícios fiscais concedidos aos agrotóxicos em 2017 se aproximam de 10 bilhões de reais. Ou seja, os cofres públicos deixam de arrecadar quantia importante para a destinação para áreas essenciais, como educação e saúde”.  

Além da não arrecadação de tributos pelo Estado brasileiro, a utilização dos agrotóxicos também traz outros prejuízos aos cofres públicos. Um estudo publicado na revista Saúde Pública, de autoria de Wagner Soares e Marcelo Firpo de Souza Porto, revela que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, por exemplo, estima-se gastos de U$$ 1,28 no tratamento de intoxicações agudas – aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. Nesse cálculo não são considerados os gastos com saúde pública em decorrência da exposição constante aos venenos agrícolas, como com o tratamento do câncer, tampouco os custos decorrentes da poluição ambiental ou ainda da seguridade social decorrente do afastamento por doenças e mortes dos trabalhadores e populações contaminadas. 

Em outro relatório da Abrasco publicado em outubro de 2020, demonstra-se que, ao contrário do que advoga o agronegócio, os impactos sobre a cesta básica não serão relevantes, já que a perda de lucratividade afetará mais os grandes produtores de commodities como a soja, milho e cana de açúcar. Além disso, a isenção dificulta a necessária transição do modelo químico dependente do agronegócio para uma agricultura mais sustentável e saudável que protege a saúde das populações e da natureza. 

Participação da sociedade  

Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos da isenção fiscal, organizações da sociedade civil e redes de atuação de um espectro diverso de defesa dos direitos humanos participam do julgamento da ação, na condição de Amicus Curiae. Quatro pedidos de participação da sociedade foram admitidos pela Corte, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Abrasco, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian-Brasil. 

Em defesa da manutenção da isenção, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal. (Sindiveg), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Crop Life também foram admitidas no processo. 

Sobre o julgamento 

O julgamento será em modalidade virtual, sem a realização presencial de sessão e transmissão dos votos dos ministros. Os ministros possuem o prazo de até 16 de junho para manifestarem seus votos. 

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