O documento usa como base a análise descritiva dos Resultados de Censo Agropecuário 2017, divulgados no fim de 2019
Por Alexandre Valadares, Fábio Alves e Marcelo Galiza
Do IPEA
A divulgação dos resultados do Censo Agropecuário 2017, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no fim do ano passado, apontou um crescimento significativo, em comparação com os dados do Censo de 2006, do número de estabelecimentos agrícolas que utilizam agrotóxicos: do total de 5.073.324 unidades agropecuárias recenseadas em 2017, 36% declararam utilizar agrotóxicos, ao passo que, em 2006, para um total de 5.175.636 unidades, essa proporção era de 30%.
Esse aumento do uso de agrotóxicos captado pelos censos converge em tendência com os dados do volume de comercialização de tais substâncias: a série de relatórios de comercialização de agrotóxicos, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mostra que o volume de vendas de agrotóxicos cresceu mais de 2,5 vezes entre 2006 e 2017, saltando de 204,1 mil toneladas para 541,8 mil toneladas de ingrediente ativo (Ibama, 2016), embora o crescimento da área plantada, segundo a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM), tenha sido de 26% (de 62,6 milhões de ha para 79 milhões de ha) no período (IBGE, 2018). O índice de “consumo nacional de ingredientes ativos de agrotóxicos e afins por área plantada”, calculado pelo IBGE3 a partir dos dados de área e comercialização, cresceu de 3,2 kg de agrotóxico/ha, em 2005, para 6,7 kg/ha, em 2014.
O aumento do número de novos registros concedidos a agrotóxicos e afins, noticiado mais recentemente, aponta para a continuidade acelerada dessa tendência. Se, de 2005 a 2015, a média de novos registros por ano ficou em 140,5, a partir de 2016, o número salta para 277 novos registros e, em 2017, 2018 e 2019, atinge 405, 449 e, finalmente, 474 novos registros, respectivamente.
Esse crescimento, entretanto, introduziu poucos ingredientes ativos novos na produção agrícola: a maior parte dos agrotóxicos liberados de 2016 a 2019 são produtos técnicos equivalentes (50% do total no período) – destinados à indústria de defensivos – e produtos formulados genéricos (27%) – destinados à venda direta aos produtores – ambos são elaborados a partir de ingredientes ativos previamente autorizados no país. Embora a proporção de produtos formulados, com ingredientes ativos novos, aprovados para venda direta ao consumidor, não seja baixa – 11% do total de autorizações de 2016 a 2019, ou 182 produtos –, o principal efeito da ampliação das autorizações tende a ser o barateamento dos agrotóxicos, trazendo, como potencial consequência, o aumento do consumo.
Outra dimensão correlacionada ao aumento das autorizações de agrotóxicos concerne às intoxicações. De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que coleta dados gerados pelo Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE), entre 2007 e 2017, 41,6 mil casos de intoxicação por agrotóxicos de uso agrícola acumularam-se, em escala crescente: no primeiro ano do período, 2,2 mil casos tinham sido notificados; em 2017, foram 5,1 mil casos, mais que o dobro.
Considerando a totalidade dos casos relacionados de 2007 a 2017, 88% se referem a intoxicações agudas e 42% foram decorrentes de exposição ocupacional. O Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que agrupa dados dos centros de informação e assistência toxicológica, revela cenário similar: do total de 43,5 mil casos de intoxicação por agrotóxicos agrícolas registrados de 2007 a 2016,9 25% correspondem a acidente individual e 23% são relativos à exposição ocupacional, somando 48% de casos de intoxicação presumivelmente relacionados ao trabalho.10 As tentativas de suicídio representam 39% e 45% de todos os casos de intoxicação por agrotóxico agrícola listados no Sinan (2007-2017) e no Sinitox (2007-2016), respectivamente.
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[…] Segundo Pignati, estudos comprovam que, em 2019, foram utilizados cerca de 1 bilhão de litros de agrotóxicos ou mais, que dá uma exposição máxima de 5 a quase 7 litros de agrotóxicos por brasileiro. O glifosato representa cerca de 40% deste consumo, além de vários outros, dentre os quais aqueles introduzidos ano passado pelo governo Bolsonaro. […]