“Temos que manter a conscientização, a rebeldia, a desobediência e a conspiração para enfrentar o agronegócio”, declamou José Maria Tardim.
Por Iris Pacheco
Da Página do MST
“Você sabia que gente também é semente? E gente sendo semente precisa ser cultivada”. Foi com o tom de cultivar os valores do cuidado, da singeleza e da rebeldia que a 14° Jornada de Agroecologia no Paraná concluiu, neste sábado (25), um ciclo para iniciar outros tantos no coração de homens, mulheres e crianças ali presentes.
A jornada, que começou na quarta-feira (22), teve quatro dias de intensos debates, socializações de conhecimentos e cultivo dos saberes. Toda a beleza desses dias se reflete no ato de encerramento com a convocação do povo para assumir o compromisso de construir novas relações entre os homens e a Mãe Terra, de serem guardiães e guardiãs das sementes e da biodiversidade para a humanidade.
Confira na íntegra a Carta da Jornada que foi lançada durante o ato.
“Temos que manter a conscientização, a rebeldia, a desobediência e a conspiração para enfrentar o agronegócio. Uma delas é sermos todo dia guardiães das sementes e compartilhá-las. Partilhar é um gesto de cuidado e amor”, declamou José Maria Tardim, ao conduzir um dos momentos místicos que compuseram o ato.
Ao som do ganido da gralha azul, imagem símbolo da jornada, que desceu sobre a plenária ecoando nos ouvidos dos cerca de 4 mil camponeses ali presentes o desafio de compartilhar as sementes do saber e cultivá-las, com a conexão ancestral com o conhecimento e a energia dos povos que geraram a agricultura.
“E a ti que amas entregarei meu bosque de ideias e coisas sãs”
‘‘Cuidado” foi uma palavra foi bastante utilizada em todo o ato. Porém, não se remetia ao cuidado que compõe a canção do medo, da incerteza. E sim do cuidado que constrói pela singeleza, que cultiva o amor e cativa os lutadores e lutadores com sutileza e esperança.
Gesto esse demonstrado na emoção do seu Tobias, ao depor para os milhares de trabalhadores rurais que há mais de 21 anos trabalha com o bioenergético e ervas medicinais, já atendeu cerca de 80 mil pessoas com a técnica e transmitiu seu conhecimento para cerca de 200 pessoas.
No misto de timidez e alegria da pequena Sem Terrinha Emanuela Pereira, de 6 anos, que canta a canção Palestina Livre do CD Plantando Cirandas 3. No empolgamento do agricultor Ariulino Alves, conhecido como Chocolate, ao declamar a Poesia Jornada da esperança: Resgate da história, feita especialmente para a 14° Jornada.
Na singeleza cultivada pelos Encantados Trupe Agroecológica que se despedem da Jornada poetizando o desafio que é travarmos a batalha das ideias no cotidiano sem perder a ternura.
Logo, todos tiveram uma certeza. A jornada é construída por muitas vidas que carregam grandiosas histórias para serem contadas e compartilhadas. Vidas que sentem no dia a dia as contradições e ofensivas da luta por uma sociedade mais justa e igualitária.
“Não vale mais a canção feita de medo… Agora vale a alegria feita de planta e de pão”.
“Compartilhar” foi a segunda palavra mais citada. Mas, compartilhar enquanto um espaço de experimentar o encontro do amor e cuidado. Tardim traduziu em palavras o sentimento reunido neste momento ímpar.
“Agricultura é um encontro de amor e cuidado dos povos originários que cultivaram a natureza e gera para as gerações futuras a agricultura… E nós vamos seguir realizando a agroecologia, nosso modo de fazer agricultura”.
Como os povos originários que geraram a agricultura para seus descendentes, o compromisso não deve ser somente o de cuidar das sementes, mas também de ser guardadores dos valores que permeiam a vida camponesa.
Mais do que a tradicional troca de sementes realizadas ao final das Jornadas, o que se vivenciou foi a troca de conhecimentos, de histórias, de mística. De manter o ciclo de compartilhamento de saberes nas comunidades, nos assentamentos, nos quilombos e aldeias indígenas.
“Anciães estendam o braço e coloquem a benção com um gesto sagrado de fortalecer a nossa rebeldia, a conspiração pelo encontro amoroso com a terra, a água e as sementes e assim fazer de todos aqui guardiães das sementes. Lutadores e lutadores do povo por uma terra livre de transgênicos e sem agrotóxicos”, convida poeticamente José Maria.
Assim, todos e todas foram convidados a assumir o compromisso coletivo de receber e compartilhar da sabedoria camponesa que está contida na história de vida de cada ancião e anciã guardiães das sementes. Sabedoria essa que “precisa encontrar o coração, a mente e o trabalho de todas as crianças e juventude”.
E também reafirma na Carta da 14° Jornada de Agroecologia o compromisso de dar continuidade à luta por uma terra livre de latifúndios, sem transgênicos e sem agrotóxicos, e pela construção de um Projeto Popular Soberano para a Agricultura.