Julgamento sobre inconstitucionalidade de isenção fiscal para agrotóxico é novamente suspenso pelo STF

Por Terra de Direitos – publicado em 07 de fevereiro de 2024.

Reprodução.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, pediu vista nesta segunda-feira (05) no julgamento virtual da Ação Direta de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona isenção de impostos para agrotóxicos. Com isso, o julgamento é novamente suspenso. O recurso assegurado no regimento interno da Corte garante aos ministros um tempo para análise da ação. O julgamento havia sido retomado no dia 12 de dezembro do último ano, após pedido de vista da ministra Carmen Lúcia, em 27 de outubro. 

Com alteração do Regimento Interno da Corte pelo STF, em dezembro de 2022, os pedidos de vista devem ser devolvidos dentro do prazo de 90 dias, contado a partir da data de publicação da ata de julgamento. Depois do período vencido, os autos do processo serão liberados automaticamente para que os demais ministros possam continuar sua análise. Além da ministra Carmen Lúcia, os ministros Gilmar Mendes e André Mendonça também pediram vistas no processo.  

Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.  

A isenção dos agrotóxicos ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios destes dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais, conforme sua importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias. Deste modo, há mais de 26 anos, o mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal.   

Na avaliação da Terra de Direitos a permanência da isenção, com julgamento novamente adiado, favorece para o grave cenário de recordista mundial em uso de agrotóxicos pelo Brasil. Em recente levantamento a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) aponta que o país utiliza mais agrotóxicos em suas lavouras do que China e Estados Unidos juntos. Num dado complementar, um relatório da organização Friends of the Earth Europe revela que, a cada dois dias, uma pessoa morre no Brasil devido à exposição aos agrotóxicos, sendo uma em cada cinco vítimas crianças ou adolescentes com até 19 anos. O quadro pode ser ainda mais alarmante dado a subnotificação dos casos de contaminação, destacam as organizações.  

“É muito importante que avance a discussão no STF para reconhecer o impacto à saúde e meio ambiente que tem as isenções fiscais dos agrotóxicos. Estes produtos são nocivos ao meio ambiente e representam um paradigma de produção de alimentos que não são saudáveis. As isenções atuais não encontram qualquer razoabilidade diante dos gastos do Estado com os danos socioambientais dos agrotóxicos”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Tchenna Maso. 

Com julgamento suspenso no Judiciário, no Legislativo o movimento predominante é o de defesa da flexibilização das regras para uso dos agrotóxicos. Nesta terça (06), em coletiva de imprensa o presidente dep. Pedro Lupion (PP/PR) da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), articulação do agronegócio no Congresso Nacional, anunciou que a derrubada dos vetos presidenciais ao novo marco legal dos agrotóxicos (Lei 14.785/2023) é uma das prioridades para o ano. Conhecida como “PL do veneno”, o Projeto de Lei 1459/2022 obteve vários vetos presidenciais no final no ano, quando se converteu em lei. Como rito legislativo, os vetos retornam ao Congresso para serem analisados. Dentre as justificativas para os vetos presidencial, o governo destacou que o texto aprovado vai na contramão do interesse público. “A proposta legislativa é inconstitucional por colocar em risco os direitos à vida e à saúde (…) e por não observar os princípios da precaução e da vedação ao retrocesso socioambiental”.  

Votos dos ministros  
Até o momento seis ministros se manifestaram na Ação. Em seu voto a ministra Carmen Lúcia reconhece que a isenção fiscal aos agrotóxicos – objeto da ação – conflita com direitos à saúde e meio ambiente.  

“A aplicação da seletividade tributária, conjugada com as normas constitucionais de proteção do meio ambiente e da saúde, militam contra a concessão de benefícios fiscais aos agrotóxicos, ainda que essas substâncias sejam utilizadas como insumos na produção dos alimentos, mercadorias de essencialidade acentuada. Isso porque há estudos que demonstram a potencialidade de essas substâncias causarem danos irreversíveis à saúde humana e ao meio ambiente”, enfatiza a ministra em seu voto. Durante o voto a ministra faz referência à um conjunto de dados e levantamentos, como da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Instituto Nacional do Câncer (Inca), entre outros, que evidenciam o danoso impacto da contaminação da água, da saúde e ocorrências de doenças pela exposição e consumo de agrotóxicos.  

O voto da ministra acompanha o voto do ministro relator da ação, Edson Fachin. Em voto proferido em novembro de 2020 o ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.   

Já o ministro André Mendonça reconhece parcialmente, a inconstitucionalidade da isenção fiscal e determinou o prazo de 90 dias para a União e estados façam uma avaliação deste benefício. Este prazo vence no início deste ano. Os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Dias Toffoli votaram pela manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos. 

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