Mais de 40% dos ingredientes ativos de agrotóxicos usados no Brasil não são autorizados na Europa, aponta estudo da Fiocruz

Divulgado na publicação Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz, edição 37 nº.4 do mês de abril, um estudo aponta, de maneira inédita, que aproximadamente 80% dos agrotóxicos autorizados no Brasil não têm permissão de uso em pelo menos três países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), incluindo países que têm na agricultura uma importante atividade econômica. Elaborada pelos pesquisadores Karen Friedrich, Gabriel Rodrigues da Silveira, Juliana Costa Amazonas, Aline do Monte Gurgel, Vicente Eduardo Soares de Almeida e Márcia Sarpa, a análise evidencia que a relação de ingredientes ativos de agrotóxicos autorizados no Brasil inclui exemplos com reconhecida toxicidade sobre a saúde humana e o ambiente.

“A legislação brasileira não prevê revisão periódica do registro dos agrotóxicos e, ainda hoje, são utilizados produtos proibidos em outros países. Partindo dos ingredientes ativos de agrotóxicos registrados no país, o presente estudo investigou a situação regulatória internacional nos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Comunidade Europeia e BRICS”, denunciam as/os pesquisadores/as já no resumo do artigo. 

O estudo busca destacar três questões centrais: a primeira delas é que o Brasil é um grande mercado consumidor mundial de agrotóxicos e que utiliza produtos não permitidos em outros países. A segunda é que há necessidade termos critérios mais protetivos no que se refere ao registro de agrotóxicos no país.

“Nesse sentido, o estudo mostra-se relevante ao destacar a importância da revisão de registro dos produtos não autorizados em pelo menos três países-membros da OCDE ou na Comunidade Europeia. Nos casos em que a desautorização de uso tivesse ocorrido por causa de danos para o meio ambiente ou para a saúde humana, o registro deveria ser imediatamente cancelado no Brasil”, afirma trecho do documento. E por fim, porém, não menos importante, o tema da transparência das agências reguladoras internacionais sobre as razões de autorização ou não dos ingredientes ativos de agrotóxicos, de modo a subsidiar ações de proteção e estimular o mercado global a desenvolver tecnologias menos prejudiciais e mais sustentáveis. 

A pesquisa salienta que “uma maior transparência é indispensável para subsidiar ações de proteção da biodiversidade e das populações humanas, em especial as mais vulneráveis, como comunidades e povos tradicionais, nos países periféricos. Também promoveria o desenvolvimento de tecnologias menos prejudiciais e modos de produção agrícola sustentáveis, como a Agroecologia, considerada pela FAO 39 como um caminho para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030.” 

Impactos para a saúde humana

Além dos impactos socioambientais, o estudo também buscou relacionar os principais efeitos crônicos à saúde humana dos ingredientes ativos de agrotóxicos mais comercializados no Brasil, em listas de classificação de potencial cancerígeno (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos – USEPA e Agência Internacional de Pesquisa em Câncer – IARC), desregulação endócrina e candidatos para substituição (estes dois últimos da Comunidade Europeia). Foram identificados 399 ingredientes ativos de agrotóxicos registrados no Brasil para uso agrícola, excluindo-se os microbiológicos e agentes biológicos de controle. Destes, não têm autorização 85,7% na Islândia, 84,7% na Noruega, 54,5% na Suíça, 52,6% na Índia, 45,6% na Turquia, 44,4% em Israel, 43,4% na Nova Zelândia, 42,4% no Japão, 41,5% na Comunidade Europeia, 39,6% no Canadá, 38,6% na China, 35,8% no Chile, 31,6% no México, 28,6% na Austrália e 25,6% nos Estados Unidos.

No Brasil, o registro de uso e consumo dos agrotóxicos, a comercialização, além de produção, importação e exportação é concedido pelo Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, após a autorização de três órgãos reguladores: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde; o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Porém, na atual conjuntura há um evidente apoio governamental às grandes empresas do agronegócio que, consequentemente comandam estes órgãos e consideram os agrotóxicos produtos essenciais para a prevenção do controle e erradicação de pragas e doenças, bem como as atividades de suporte e disponibilização dos insumos necessários a cadeia produtiva brasileira. 

Desde janeiro de 2019, foram realizados 1.059 novos registros de agrotóxicos. Destes, cerca de um terço é proibido na União Europeia por conta dos riscos à saúde e ao meio ambiente. Os potenciais danos à saúde humana e ao ambiente são sinalizados pelos dados do Ministério da Saúde e da Anvisa: um quarto dos municípios brasileiros possuem um coquetel de 27 agrotóxicos na água; 51% dos alimentos que chegam à nossa mesa contêm resíduos de agrotóxicos; e entre 2010 e 2020, 1.987 pessoas perderam suas vidas por intoxicação aguda de agrotóxicos, o que é sabidamente uma informação subestimada, afora as doenças crônicas decorrentes do uso desses venenos.

Para identificação da carcinogenicidade dos ingredientes ativos de agrotóxicos autorizados no Brasil, as listas de classificação da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS) e da Agência de Proteção Ambiental Americana (USEPA) foram consultadas. Também foram pesquisadas as listas da Comunidade Europeia sobre os agrotóxicos candidatos para substituição e aqueles potencialmente desreguladores endócrinos. Para a pesquisa, foram destacados os agrotóxicos com maior volume de comercialização no Brasil em 2017, tomando como base o relatório de comercialização disponível no site do Ibama (https://www.ibama.gov.br/index.php). 

Confira estudo na íntegra

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