Por Pedro Grigori
Da Agência Pública/Repórter Brasil
No último dia de 2020, o governo do México liderado pelo presidente López Obrador publicou um decreto ordenando a proibição do herbicida Glifosato até o final de 2024. Antes dele, Costa Rica, Uruguai e Argentina já haviam aprovado limitações no uso do produto. Outras propostas de banimento total estão emperradas em diversos países latinos, devido principalmente ao forte lobby do setor agropecuário.
A agricultura é uma das principais atividades econômicas da América Latina. A Bayer/Monsanto, principal produtora de Glifosato, fatura cerca de 5 bilhões de euros por ano na região. Por isso, as tentativas de proibição se deparam com uma grande pressão do setor agropecuário. No México, o tema colocou em campos opostos os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente.
Víctor Toledo, que liderava a secretaria de Meio Ambiente, era apoiador do banimento, enquanto o chefe do Gabinete do Presidente, Alfonso Romo, empresário do setor agropecuário, era contrário. Em áudio vazado nas redes sociais, Toledo denunciou contradições no governo e disse que o Ministério da Agricultura era “voltado fundamentalmente para o agronegócio”. Após o vazamento do áudio, Víctor Toledo renunciou ao cargo. Em dezembro do ano passado, Alfonso Romo também deixou o governo.
Em 2015, o Glifosato foi considerado provavelmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc). Um estudo da 2016 do Centro de Ecologia, Pesca e Oceanografia do Golfo do México (Epomex) da Universidade Autônoma de Campeche confirmou a presença de Glifosato no lençol freático e na urina de habitantes do município de Hopelchén, devido ao uso indiscriminado do agroquímico em safras transgênicas de soja e outros produtos.
A região tem população de mais de 35 mil pessoas e abriga vários sítios arqueológicos da civilização maia. Segundo o estudo, em 30 anos, mais de 2 mil toneladas de Glifosato foram utilizados em plantações de soja transgênica na região. Após a divulgação da pesquisa, representantes das comunidades maias e de diversos coletivos indígenas e de defesa do meio ambiente começaram a pressionar o governo pelo fim da contaminação na região.
Do outro lado, a União Mexicana de Fabricantes e Formuladores de Agroquímicos (UMFFAAC) e a Protección de Cultivos, Ciencia y Tecnología (PROCCyT) – que lideraram o movimento contra a proibição – previam uma queda de até 40% da produção de alimentos no México se o Glifosato fosse banido. “A proibição do Glifosato pode aumentar os custos em até 25 vezes no controle de ervas daninhas. Capinar um hectare com Glifosato normalmente custa cerca de 160 pesos e fazê-lo manualmente custaria cerca de 4.000 pesos para a mesma extensão de terra”, afirma o diretor comercial da UMFFAAC, González Cepeda.
A UMFFAAC ainda usou o Brasil como exemplo em dois pontos da carta de defesa pelo Glifosato. Citou que a Anvisa renovou o registro do herbicida no ano passado por tempo indeterminado, e que o país já voltou atrás na decisão de banir o produto devido a “consequências sociais e econômicas”, em referência a decisão judicial que tentou proibir o agrotóxico em 2018. Como a Agência Pública e Repórter Brasil revelaram, o Glifosato é um dos pesticidas que mais matam brasileiros por intoxicação.
“É comum a indústria de defensivos agrícolas tentar gerar medo e resistência a qualquer meio que possa afetar suas vendas. O decreto apresenta a possibilidade da sociedade saber o volume e local onde o Glifosato é aplicado, com metas mensuráveis e quantificáveis para reduzir o consumo de forma transparente”, explica Fernando Bejarano, diretor da Rede de Ação sobre Pesticidas e Alternativas no México (RAPAM).
A redução gradual deve ocorrer em três anos, prazo que o governo deu para a retirada do produto do mercado.
O decreto fornece caminhos para a transição, entre elas a promoção de alternativas agroecológicas e a substituição do Glifosato por agrotóxicos com menor toxicidade. O Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (Conacyt) também ficará responsável por coordenar, articular, promover e apoiar alternativas vindas do setor acadêmico e de organizações rurais. Além do herbicida, o decreto presidencial também visa proibir o milho transgênico até 2024.
A RAPAM chama a atenção para um problema que também afeta o Brasil: a autorização desenfreada de agrotóxicos altamente perigosos que já são proibidos nos países europeus, onde ficam as sedes das maiores empresas agroquímicas. “É um processo bem sucedido para essas empresas transnacionais, que terceirizam seus custos ambientais e de saúde pública”, explica Fernando Bejarano.
No México, existem cerca de 150 agrotóxicos registrados que são proibidos em outros países devido à elevada toxicidade. Reportagem recente da Agência Pública e da Repórter Brasil mostrou como o Brasil e outros países em desenvolvimento tornam-se o depósito de agrotóxicos perigosos banidos na Europa.
Bayer defende o Glifosato
Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a Bayer afirmou que o Glifosato tem sido usado com segurança e sucesso no México e em todo o mundo há mais de 40 anos. “Sua eliminação do mercado mexicano seria inconsistente com relação aos resultados científicos e, infelizmente, causaria grandes interrupções para muitos agricultores locais que dependem do Glifosato para cultivar safras saudáveis de maneira segura, sustentável e eficaz. Os principais órgãos reguladores no México e em todo o mundo concluíram repetidamente que nossos produtos à base de Glifosato podem ser usados com segurança conforme as instruções e que o Glifosato não é cancerígeno”, diz trecho da nota.
Países latinos enfrentam dificuldades para banir o Glifosato
“No México, a proibição do Glifosato foi realizada porque eles demonstraram que existem alternativas sustentáveis e viáveis, mesmo para grandes fazendas. Na América Latina existem milhares de experiências agrícolas de pequena, média e grande escala, onde o Glifosato ou outros herbicidas químicos não são usados”, diz a coordenadora da Rede de Ação de Pesticidas e suas Alternativas na América Latina (RAP-AL), María Elena Rozas.
Na América Central, pequenas ilhas do Caribe já haviam aprovado o banimento total do Glifosato. Bermudas, com 65 mil habitantes, baniu em 2017, e São Vicente e Granadinas, com 110 mil habitantes, em 2018.
María Elena Rozas, conta que existem diversas iniciativas semelhantes em toda a América Latina, mas que não avançaram nas casas legislativas. “Geralmente os projetos permanecem estagnados devido ao lobby das empresas agroquímicas transnacionais, à falta de vontade política e por serem projetos que precisam passar por longa tramitação”, explica.
“Em junho de 2020, parlamentares do Peru apresentaram um projeto de lei para eliminar em todo território nacional o uso, distribuição e comercialização do Glifosato e seus compostos relacionados a partir de janeiro de 2021, com o objetivo de promover a segurança alimentar nacional. Mas o projeto está parado”, explica.
O caso da Colômbia é mais complexo, pois o próprio governo pulveriza Glifosato em plantações de coca para enfrentar o tráfico de drogas.“O retorno da fumigação vai aumentar a capacidade do estado colombiano de confrontar o tráfico de drogas em menos tempo e de maneira mais efetiva”, afirmou o ministro da Justiça colombiana em pronunciamento oficial em julho de 2019. O projeto de lei do senador Guillermo García Realpe foi apresentado em setembro de 2019 e tem como objetivo proibir o uso de Glifosatos na política nacional de drogas ilícitas, mas também está parado.
Em outros países, o uso tem sido limitado através de projetos de lei. No Uruguai e na Costa Rica, por exemplo, ficou proibido o uso de Glifosato em espaços públicos. “Na Costa Rica, em 2019, o Ministério da Saúde reiterou a proibição do uso de herbicidas industriais, incluindo o Glifosato, em espaços de convivência humana. No Uruguai, a Junta Departamental de Montevidéu aprovou em 2017 um projeto de decreto, emitido pelo Município, para proibir a aplicação regular de Glifosato ou outros pesticidas e herbicidas sintéticos em tarefas relacionadas com árvores e manutenção de espaços verdes de uso público”, conta a coordenadora da RAP-AL.
Na Argentina, o Glifosato tem uso autorizado pelo Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar (Senasa), mas leis municipais baniram o herbicida em 10 cidades: Gualeguaychú, Bariloche, El Bolsón, Lago Puelo, Epuyén, Cushamen, General Alvear, Rosario, Rincón e Concordia.
Nem mesmo a Alemanha, país sede da Bayer/Monsanto, pretende continuar com o Glifosato em seu território. Em 2019, o governo alemão definiu um cronograma de redução sistemática para banir completamente o herbicida até o final de 2023. O país foi o segundo membro da União Europeia a banir o produto, que também está saindo do mercado da Áustria.
Em 2022 vence o registro de comercialização do produto em todo bloco econômico, e ainda não está definido se a União Europeia irá renovar ou não a licença de uso.
Nos Estados Unidos o uso do Glifosato é permitido, mas a Bayer responde a mais de 18 mil ações nos tribunais que relacionam o uso do herbicida com o surgimento de doenças como o câncer – e saiu derrotada em diversos.
De acordo com levantamento da ong estadunidense Sustainable Pulse, o Glifosato está totalmente ou parcialmente banido em 21 países. Malawi e Togo na África; Vietña, Sri Lanka e Omã, na Ásia; Arabia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes, Catar e Bahrain, no Oriente Médio, estão entre os que proibiram totalmente o herbicida.