Por Sergio Alves I Agência Terra Viva – publicado em 27 de junho de 2023.
O uso do herbicida glifosato será totalmente proibido em Misiones a partir de 2025. Assim, tornou-se a segunda província do país a fazê-lo, depois de Chubut, onde a proibição está em vigor desde 2020. A norma que a estabelece é a nova Lei de Fomento à Produção de Bioinsumos, sancionada pelo Legislativo e que inclui um conjunto de medidas de investigação, otimização e promoção de insumos biológicos, gestão da irrigação e uso eficiente da água, e desenvolvimento sustentável das culturas. O projeto de lei foi apresentado pelos deputados Carlos Rovira (Frente de Renovação da Concórdia), Martín Sereno (Terra, Teto e Trabalho) e Marta Ferreira, atual ministra da Agricultura Familiar da província.
“O uso de glifosato, seus componentes e produtos relacionados é proibido em toda a província. Fica estabelecido que esta proibição entra em vigor dois anos após a sua publicação oficial para efeitos de uma transição progressiva da mudança cultural dos sistemas produtivos”, afirma o artigo 7º dos regulamentos provinciais que, como era de esperar, suscitou reações díspares. De um lado, a rejeição dos setores ligados ao agronegócio — e do setor político que os representa— e, por outro, a aprovação dos agricultores familiares e cooperados, que há muito denunciam os efeitos nefastos do uso de agrotóxicos e que promovem a transição agroecológica.
Salvador Torres, secretário-geral do Movimento Agrário de Misiones (MAM), destacou que há muito tempo a organização promove a cessação do uso de agroquímicos, “porque são altamente prejudiciais à saúde das pessoas e ao meio ambiente”. “Nesse sentido, concordamos plenamente que há uma firme decisão de proibir certos produtos como o glifosato, que é um dos muitos utilizados na agricultura”, comemorou.
Em relação ao processo de dois anos que a nova lei contempla até a proibição definitiva do glifosato, Torres destacou a importância de “estabelecer um mecanismo de apoio efetivo para essa transição” e alertou que “para a transferência do uso de agrotóxicos para uma forma produção agroecológica, teria que haver um programa de apoio específico que permitisse ao produtor passar por essa transição sem ter que sofrer financeiramente.” “Existe uma realidade e é que o herbicida consegue cobrir mais hectares com menos mão de obra”, explicou o produtor Por isso, propôs que a transição não seja um golpe para a economia do produtor e que o Estado se antecipe a esta situação.
Por enquanto, a Lei de Fomento à Produção de Bioinsumos contempla a geração de linhas de pesquisa para promover o desenvolvimento de insumos biológicos, a otimização dos processos de fabricação, a promoção de planos de ação para o manejo adequado da irrigação agrícola e a eficiência no uso da água, a promoção e execução de acções que visem o desenvolvimento sustentável das culturas da província.
Miriam Samudio, referência dos Produtores Independentes de Piray (PIP-UTT), observou que a lei representa “um grande avanço” e se referiu à sua própria experiência com as terras recuperadas pela organização da multinacional Arauco —desapropriação por—, de onde Os produtos químicos não são usados há mais de seis anos. “A mudança em torno da nossa área não está só no solo, mas na paisagem, nas nascentes, nos poços de água, alguns riachos voltaram a brotar e as zonas úmidas começaram a se recuperar. Como o glifosato não foi mais usado, o ecossistema voltou à vida. Começam a aparecer bichinhos, borboletas, rãs, tartarugas, coelhos bravos, o ar que respiramos à nossa volta nestes 166 hectares recuperados é diferente.”
Antecedentes, portarias e o compromisso científico para proibir o glifosato
Na Argentina, o glifosato é aplicado nas lavouras de soja, milho e algodão (todas culturas transgênicas). É também utilizado em citrinos, pomóideas (maçã, pêra, marmelo), vinha, erva-mate, girassol, pastagens, pinheiros e trigo. A partir do avanço dos transgênicos, o uso do glifosato, inicialmente desenvolvido e comercializado pela Monsanto desde a década de 1970, aumentou geometricamente, embora a licença tenha expirado em 2000. Entre as empresas que comercializam glifosato na Argentina estão Bayer-Monsanto, Syngenta, Red Surcos, Atanor, Associação de Cooperativas Argentinas, Nufram, Agrofina, Nidera, DuPont, YPF e Dow.
“Antología Toxicológica del Glifosato +1000”, é o título de um trabalho, de 270 páginas, recopilado por Eduardo Martín Rossi e editado pela ONG Naturaleza de Derechos onde detalham 1108 trabalhos científicos que contabilizam os efeitos nocivos dos agrotóxicos no meio ambiente e na saúde. Todas as investigações foram submetidas à revisão por um comitê de cientistas ou pares e aprovadas para publicação acadêmica.
Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou que o herbicida glifosato causa danos genéticos em humanos e o recategorizou como provável carcinógeno (segundo lugar em uma escala de 1 a 5).
Em Misiones, a província com maior produção de erva-mate e chá a nível nacional, já está em vigor a proibição da pulverização aérea com agroquímicos. Um precedente regulatório incontornável em termos de restrição ao uso de glifosato e outros herbicidas ocorreu na cidade de Monte Carlo, no norte do país, onde em 2012 foi aprovada uma portaria municipal que proibia “a aplicação de agroquímicos, como glifosato e cipermetrina e outros herbicidas usados para a eliminação de campos e outras espécies vegetais em todas as propriedades localizadas no município”.
Na província, foram fundamentais as contribuições científicas e sociais do falecido médico e pesquisador Hugo Gómez Demaio, que realizou as primeiras investigações que, em Misiones, puderam determinar os graves danos que o uso de agroquímicos causava em crianças em áreas rurais, especialmente na bacia do tabaco. Demaio faleceu em 7 de julho de 2017, mas seu legado deixou uma marca indelével na luta contra os agrotóxicos e na defesa da saúde das populações rurais.
Rejeições esperadas do agronegócio
Poucas horas depois da sanção da lei, ocorrida na quinta sessão ordinária do Legislativo de Misiones, o espaço Juntos pela Mudança Misiones emitiu um comunicado no qual caracteriza a proibição do glifosato como “uma imposição”, posição que sintoniza com as manifestações da Sociedade Rural, Coninagro e da Federação Agrária Argentina.
“É um ataque à produção que ameaça o que o país precisa: mais desenvolvimento econômico para construir uma nova Argentina com mais possibilidades”, disse o presidente da Sociedade Rural Argentina, Nicolás Pino.
“Não fomos consultados, mas também não nos deixaram participar da Comissão apesar de terem insistido permanentemente, o que demonstra um total autoritarismo e falta de diálogo”, lamenta o comunicado divulgado conjuntamente pelas entidades rurais que compõem a chamada Mesa de Link.
Tradução Emiliano Maldonado.