Movimentos celebram em Limoeiro do Norte (CE) 10 anos do Ceresta e a Lei Zé Maria do Tomé

Por Roberta Quintino l Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Como parte das ações do Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes da Fiocruz, aconteceu nos dias 17 e 18 de outubro uma jornada de Vigilância Popular em Saúde na cidade de Limoeiro do Norte, Ceará. A atividade teve como objetivo celebrar os 10 anos do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador(a) e Saúde Ambiental (CERESTA) e a Lei Zé Maria do Tomé.

A jornada contou ainda com um intercâmbio de experiências entre os participantes em torno da pauta dos agrotóxicos, bem como, a apresentação das tecnologias sociais da comunidade e o debate sobre os impactos do avanço do agronegócio na região da Chapada do Apodi.

Em visita ao Ceresta, a diretora do Centro, Márcia Xavier, destacou que a unidade completou uma década de funcionamento resistindo ao desmonte e subfinanciamento das políticas públicas de proteção ao trabalhador. Para ela, a constituição do Ceresta é uma vitória para a comunidade. No entanto, Márcia defende que para ampliar o combate à subnotificação de doenças relacionadas ao trabalho, especialmente as causadas por agrotóxicos, é fundamental aumentar as equipes de fiscalização do trabalho e garantir recursos para o exercício pleno das atividades do Centro.

Márcia Xavier é filha de Zé Maria do Tomé,  líder camponês na Chapada do Apodi, que foi assassinado em 2010 por denunciar a prática de  pulverização aérea de agrotóxicos, causando o adoecimento da população, a contaminação das produções e a morte de animais.

Violações do agronegócio

Na comunidade local, os agricultores denunciaram diversas violações do agronegócio contra os camponeses. Além dos impactos na saúde e ambiente, como desmatamento, restrição ao acesso à água potável e o uso de agrotóxicos por parte das empresas nas plantações de soja, milho e algodão, a comunidade também tem sido afetada economicamente.

Os apicultores da região contaram que após a chegada do agronegócio, que tem feito um cerco às comunidades, muitas mortes de abelhas foram registradas, tendo como consequência a desativação de dezenas de apiários por conta da deriva de veneno. Com isso, a atividade de apicultura está extremamente ameaçada no território.

A mortandade das abelhas afetou diretamente a produção de mel, destacaram os apicultores. Eles disseram que em 2017 cerca de 33 tambores de mel foram coletados e em 2023 a produção foi de apenas 8 tambores.

Resistência

Os agricultores têm encontrado no projeto “Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA) – Meu quintal em sua cesta” uma forma de resistir às violações do agronegócio e fortalecer a agricultura familiar.

O projeto desenvolvido pela Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte tem como objetivo construir alternativas comunitárias para a comercialização direta de produção agroecológica entre os agricultores e a comunidade local, promovendo o sustento das famílias. Além disso, a iniciativa fortalece e mobiliza a comunidade na luta por água, contra os agrotóxicos e na defesa do território.

O projeto implantou ainda no município de Tabuleiro do Norte unidades de um sistema de bioágua, uma tecnologia de reuso de água que potencializa a produção de alimentos.

Desafios contra os agrotóxicos

Durante o intercâmbio de vigilância popular, foi realizado no auditório da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos – Fafidam/UECE o seminário “As lutas, conquistas e desafios contra os agrotóxicos e a defesa da vida na Chapada do Apodi”.

Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, destacou a importância da jornada e do intercâmbio das experiências. Ele ressaltou que a Campanha nasce “justamente para fazer essa rede entre as organizações, fazer a conexão entre todo mundo que está sendo vítima e fazendo a luta contra os agrotóxicos”.

Tygel ressaltou que a luta contra os agrotóxicos se dá em várias vertentes, e exemplo da exclusão dos incentivos fiscais aos venenos, da rejeição do projeto de lei 1459/2022 (Pacote do Veneno), da proibição de substâncias como o fipronil, um dos responsáveis pelas mortes de abelhas, bem como a ampliação de leis que proíbam a pulverização aérea, como a Lei Estadual do Ceará Zé Maria do Tomé. “São lutas fundamentais contra o modelo do agronegócio”.

Na ocasião, os participantes também lembraram os 13 anos do assassinato de José Maria de Tomé, morto com cerca 25 tiros em 21 de abril de 2010, vítima da violência do agronegócio.

O deputado estadual Renato Roseno (Psol-CE) evidenciou a forte atuação de Zé Maria para denunciar os impactos dos agrotóxicos na região. Ele cobrou justiça e destacou que são muitos anos de impunidade. “Justiça é direito de resposta, o assassinato quando não tem resposta é um luto que não tem fim”.

Roseno destacou a recente vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) da Lei Zé Maria do Tomé (lei 16.820/19), que veda a pulverização aérea de agrotóxicos no estado do Ceará. Ele disse que, além da luta contra a pulverização, é fundamental acabar com as isenções fiscais de agrotóxicos, desestimulando seu uso e potencializando a agroecologia. “É necessário e urgente uma vida sem veneno”, disse.

A Lei Zé Maria do Tomé havia sido contestada no STF por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em maio, o Supremo decidiu, por unanimidade, pela constitucionalidade da Lei 16.820/19, de autoria do deputado Renato Roseno.

Para o integrante da Grupo Temático Saúde e Ambiente da Abrasco e pesquisador da Fiocruz, Fernando Carneiro, a vigilância popular em saúde e a articulação das organizações são fundamentais para avançar na luta contra os agrotóxicos e na defesa e fortalecimento da agroecologia, garantindo a proteção das comunidades e o direito a uma alimentação saudável.

Ao final da atividade, os participantes aprovaram uma carta aberta apontando medidas para a superação dos desafios nos territórios do Brasil, de forma a garantir os direitos à vida dos seres humanos.

Entre os apontamentos está a superação do modelo químico dependente na produção agrícola com reconversão tecnológica, através de políticas públicas e subsídios, em favor da agroecologia e produção orgânica para garantir a segurança e soberania alimentar, bem como, sobretaxar os agrotóxicos e reverter esses recursos em processos de proteção a saúde e ao ambiente, garantindo a soberania alimentar e justiça hídrica das comunidades vulnerabilizadas pelo agronegócio.

A jornada reuniu cerca de 40 representantes de diversas organizações do território brasileiro, dentre elas, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento de Mulheres Camponesas, da FASE, dentre outros.

A atividade é uma iniciativa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, Cáritas Limoeiro, M21 e do Ceresta Zé Maria do Tomé de Limoeiro do Norte. Contou com o apoio da Fundação Heinrich Boll, Fafidam/UECE, Escola Família Agrícola – EFA JaguaribanaZéMaria do Tomé, Fundação FEMAJE, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e o Fórum De Combate aos Impactos dos Agrotóxicos – MPT.

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