Malefícios do agrotóxico na saúde humana e no meio ambiente são discutidos em seminário realizado nos dias 4 e 5 de junho na Ensp.
Viviane Tavares, da EPSJV
Na semana em que se comemorou o Dia Mundial do Meio Ambiente, a Fiocruz realizou o Seminário de Enfrentamento dos Impactos dos Agrotóxicos na Saúde Humana e no Ambiente, no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), nos dias 4 e 5 de junho. Com a presença de representantes de diferentes setores da saúde, movimentos sociais, alunos e pesquisadores, o evento defendeu que a questão do agrotóxico tem que estar cada vez mais pautada nas discussões de saúde pública.
Logo na mesa de abertura ficou evidente pelas falas dos participantes que as ações de enfrentamento aos agrotóxicos devem ser urgentes. A mesa foi composta pelo vice-presidente da Fiocruz, Valcler Rangel, o diretor do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Luiz Antonio Santini; o representante do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc) e professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, Alexandre Pessoa; o representante da Campanha Nacional contra os Agrotóxicos e pela Vida, Cleber Folgado; o superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Gustavo Souto; o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública – Ensp/Fiocruz, Antonio Ivo de Carvalho, a representante do departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde (SVS/MS), Cássia Rangel; o gerente-geral de toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Luiz Cláudio Meirelles e o representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Fernando Carneiro. “Temos que nos libertar do pensamento de que saúde depende unicamente de um avanço tecnológico, saúde depende do acesso e convivência em um ambiente saudável. É importante que assumamos um discurso de que medicina é política. Precisamos encarar uma visão mais humanista neste campo”, comentou o diretor da Ensp, Antonio Ivo. Alexandre Pessoa acrescentou ainda que a sociedade é vítima de dois tipos de contaminação: o químico e o político. “Precisamos enfrentar o modelo de desenvolvimento agrário”, provocou.
Após a abertura, o evento foi composto por quatro mesas que ao longo dos dois dias apresentaram as temáticas ‘Agrotóxicos e modelo de desenvolvimento’, ‘Legislação e Regulação’, Agrotóxicos e os Impactos na Saúde’ e ‘Ambiente e Ação Pública e Estatal no Enfrentamento aos Impactos do Uso de Agrotóxicos na Saúde e no Ambiente’.
Agrotóxico e a saúde
Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo – cerca de 5,2 litros da substância por pessoa ao ano. Isto já traz consequências sérias tanto para a saúde quanto para o meio ambiente. De acordo com Cássia Rangel, já somam 518 mil novos casos de câncer no Brasil, chegando a uma média de 140 mil mortes ao ano. Hoje o câncer é a segunda causa de morte no país e no mundo. “Diagnosticamos três tipos de contaminação por agrotóxico: a por meio da alimentação, a ambiental e a ocupacional. Por conta dos agrotóxicos, já vimos dois grandes danos a de imunotoxicidade e a desregulação endócrina, ambos acarretam em diversos problemas, inclusive, o câncer”, explicou.
Márcia Sarpa de Campos, do Inca, defendeu ainda que alguns setores-chave do Sistema Único de Saúde (SUS) não entraram na força-tarefa contra os agrotóxicos como, por exemplo, a atenção básica. “Já diagnosticamos os grupos que estão em crescimento em relação à contaminação, que são os jovens, mulheres e crianças.” O diretor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Guilherme Franco Netto, revelou que, segundo um estudo da Universidade Federal da Bahia, na última década, o número de mulheres afetadas é maior do que o de homens.
Márcia Sarpa complementou que o período pré e pós- natal, ou seja, gestação e lactação, são os mais críticos para as mulheres e crianças, principalmente. “É neste momento em que se desenvolve o sistema nervoso, imunológico e endócrino”, detalhou.
Karen Friedrich, do INCQS/Fiocruz, informou também sobre os efeitos crônicos da intoxicação que podem causar deficiências nos sistemas cognitivo, motor e reprodutor, este último tendo como principal vítima os homens em algumas substâncias ativas encontradas em agrotóxicos.
Formas de atuação no controle
Durante o encontro, várias alternativas foram apontadas para o controle do uso do agrotóxicos. De acordo com Fernando Carneiro, da Abrasco, uma das principais formas de combater o uso desenfreado é a fiscalização. “Hoje não temos dados claros sobre a qualidade na água, não há uma política nacional de agroecologia, nem política nacional agroambiental. São medidas básicas que podem evitar grandes desastres”, explica. A Abrasco lançou no Congresso Mundial de Nutrição realizado no mês de abril no Rio de Janeiro o dossiê “Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde ” e apresentará a 2ª parte na Cúpula dos Povos durante a Rio+20.
Luiz Cláudio Meireles, da Anvisa, reinterou que a agência, que é responsável pela avaliação e registro destes componentes químicos, precisa ser fortalecida.. “O Estado precisa ter uma intervenção direta sobre o que causa risco à vida, por isso acreditamos que uma ação regulatória é muito importante”, defendeu. Segundo Luiz Cláudio é necessário que o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, e o Ministério da Agricultura com o MAPA também cumpram seu papel de fiscalização, de acordo com a lei 7.802/89.
De acordo com dados representados por Luiz Cláudio, desde 2008, o número de empresas registradas que comercializam os agrotóxicos no Brasil dobrou, sendo que 53% destas têm escritório no país e, deste total, metade não está vinculado no Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev), o que pode significar que muitas embalagens de agrotóxicos estão sendo descartadas de forma irresponsável e inadequada no meio ambiente. Ele ressaltou ainda que a Anvisa é pressionada pela bancada ruralista a liberar a comercialização de determinados tipos de agrotóxicos no país já proibidos e banidos em países como a China, países da União Européia, Paraguai, Chile e até Estados Unidos.
Realidade e Alternativas
“Aqui no nosso povoado (escreve uma dona de casa ao Departamento de Aves do Museu Norte‐ Americano de História Natural) os olmos vêm sendo pulverizados há muitos anos (escreveu ela em 1958). Quando nos mudamos para cá, a terra era rica em aves; instalei um alimentador, que passou a receber um fluxo regular de cardeais, chapins e pica‐paus negros e cinzentos por todo o inverno, e os cardeais e chapins traziam seus filhotes no verão. Após alguns anos de pulverização com DDT, a cidade quase não tem mais pintarroxos e estorninhos; os chapins não têm vindo ao alimentador há dois anos e este ano os cardeais também sumiram; as ninhadas nas vizinhanças parecem se resumir a um par de pombas e talvez uma família de tordos. É difícil explicar às crianças que os pássaros foram mortos, quando elas aprenderam na escola que uma lei federal protege as aves de serem mortas ou capturadas. ‘Elas vão voltar algum dia?’, perguntam elas, e eu não sei o que responder. Os olmos ainda estão morrendo, assim como os pássaros. Alguma coisa está sendo feita? É possível fazer alguma coisa? Será que eu posso ajudar?” A história está presente no livro de Rachel Carson, Primavera Silenciosa, publicado em 1962.
Praticamente unanimidade nas falas dos palestrantes, Rachel Carson mostrou em seu livro já na década de 60 os impactos causados pelo uso do veneno DDT e outras substâncias químicas. Cinco décadas depois, como lembraram os participantes do seminário, ainda vivemos esta realidade agravada ainda mais pela variedade de agrotóxicos e problemas como, por exemplo, a pulverização aérea.
Atualmente, as seis empresas Syngenta, Monsanto, Bayer, Basf, Dow e DuPont controlam mais da metade da produção de agrotóxicos no mundo, sendo que todas elas contam com um faturamento maior que o PIB de diversos países. Como consequência deste mercado, somente no Brasil, de acordo com dados fornecidos pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), foram registrados em 2011 mais de 8 mil casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil.
Na lista dos alimentos com nível do agrotóxico acima do tolerado estão por ordem de contaminação o pimentão (80%), uva (56,4%), pepino (54,8%), morango (50,8%), abacaxi (44,1%), couve (44,1%), mamão (38,8%), alface (38,4%), tomate (32,6%) e cenoura (24,8%). “No Rio de Janeiro, já foram encontrados ingredientes ativos na maçã que não são aprovados no Brasil”, comentou Márcia Sarpa.
Cléber Folgado, da Campanha Nacional contra os Agrotóxicos e pela Vida, defendeu bandeiras que o conjunto da sociedade, e inclusive, a Fiocruz, precisam levantar com urgência e parecem ser consensuais entre os que estão preocupados com os riscos dos agrotóxicos. As ações são: o banimento dos agrotóxicos já proibidos em outros países, o fortalecimento das instituições públicas, o fim da pulverização aérea e da isenção dos impostos para as empresas produtoras desses venenos. “Estas empresas que dominam o mercado estão isenta de impostos. Este tipo de política de incentivo não dá para continuar”, ressaltou. A agroecologia camponesa também foi a uma das propostas apontadas por Cléber para o enfrentamento ao uso dos agrotóxicos. O vice-presidente da Fiocruz, Valcler Rangel também concordou com os problemas causados pelo agronegócio – grande consumidor de agrotóxicos. “O agronegócio é um fracasso para a saúde pública”, afirmou. “Precisamos defender a soberania alimentar. Não podemos em detrimento do lucro, não nos preocupar com a saúde da população”, defendeu Cléber.
O seminário foi realizado pela Fiocruz em parceria com ENSP/Fiocruz, EPSJV/Fiocruz, Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Inca e Abrasco.