O óleo de palma, monocultura sinônimo de desmatamento e conflitos fundiários no Sudeste Asiático, está se expandindo na Amazônia, onde os mesmos problemas estão ocorrendo. Durante os últimos 18 meses, a agência Mongabay investigou as denúncias feitas por povos indígenas e comunidades tradicionais locais de abusos generalizados por empresas de óleo de palma no país, o que aparenta ser um padrão em toda a indústria quanto ao desrespeito pela preservação da Amazônia e pelos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
Após ouvir dezenas de denúncias de contaminação da água nas aldeias da Terra Indígena (TI) Turé-Mariquita, o cacique Lúcio Tembé, da aldeia Turé, levou a equipe até uma usina da Biopalma da Amazônia — maior produtora e exportadora de óleo de palma do país — próxima ao Rio Acará. Da margem do rio foi possível presenciar e filmar caminhões sem identificação estacionarem sobre uma balsa e, em seguida, um homem com uma pá despejar resíduos de um dos caminhões no rio. Segundo Tembé, o resíduo marrom escuro é uma mistura tóxica de matéria orgânica, inseticidas e herbicidas das usinas de óleo de palma da região.
Os resíduos resultantes da produção de óleo de palma contêm uma quantidade considerável de nutrientes orgânicos e metais pesados que podem contaminar rios, poluir o ar e gerar gases de efeito estufa, segundo o médico Peter Clausing, toxicologista da Pesticide Action Newtork (Rede de Ação contra Agrotóxicos na Alemanha, PAN na sigla em inglês).
De acordo com representantes do setor, a produção de óleo de palma não causa danos à saúde humana ou ao meio ambiente. A agência Mongabay, no entanto, decidiu investigar as alegações depois de presenciar o lançamento de resíduos no Rio Acará e após a equipe de reportagem apresentar rápida crise de tosse, falta de ar, náuseas e dores de cabeça ao inalar o odor do agrotóxico que exalava das palmeiras.
“O dendê trouxe só muitos problemas pra nós. Primeiro, trouxe destruição da nossa fauna, da nossa flora, dos nossos rios”, diz Tembé, enquanto olha para o Rio Turé, próximo à Turé-Mariquita. “Essa água não serve. De primeira, nós bebíamos. Esse rio aqui era o mercado de toda a população, onde eles pescavam, a mata onde caçavam.”
Os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais são protegidos pela Constituição Brasileira e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. A Constituição também estabelece que todos os brasileiros têm direito a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
Mas, na prática, a legislação do estado do Pará para a monocultura da palma ignorou esses compromissos. A usina da Biopalma e a plantação em frente ficam ao lado do Rio Acará, sem nenhuma zona de amortecimento, com aprovação do governo do Pará, segundo documentos aos quais a Mongabay teve acesso.
Desde 2014, o MPF (Ministério Público Federal) enfrenta uma batalha na justiça para aprovar uma perícia judicial sobre a contaminação por agrotóxicos e os impactos socioambientais e à saúde na zona de produção da Biopalma no município de Tomé-Açu, na Turé-Mariquita e áreas adjacentes.
Quando a ação foi proposta, foi concedida uma liminar autorizando a perícia, mas 43 dias depois uma sentença a anulou. O MPF recorreu ao TRF-1 (Tribunal Regional Federal da Primeira Região), em Brasília, mas até hoje não houve o julgamento do mérito. “A empresa vai dizer que não tem impacto. Então se ela diz que não tem [impacto] e a gente diz que tem, vamos fazer a perícia”, disse o procurador da República Felício Pontes Júnior à Mongabay.
‘Água envenenada’
À medida que a indústria do óleo de palma se expande no Brasil, a ameaça de contaminação da água se tornou uma preocupação crescente. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, responsável pela compra de cerca de um quinto de todos os agrotóxicos produzidos globalmente. Pesquisadores detectaram altos níveis de resíduos de agrotóxicos em cursos d’água nas comunidades indígenas visitadas pela Mongabay, embora ainda dentro dos limites legais do Brasil.
“A tia do meu esposo morreu com câncer”, disse a líder indígena Uhu Tembé, moradora da aldeia Yriwar, na Turé-Mariquita. “A gente diz que é disso [contaminação causada pela palma] porque antes não tinha essas doenças na nossa aldeia. Os igarapés em que nossos filhos e nós tomávamos banho, nós não tomamos mais, por causa de muita coceira. E hoje tem muita doença na nossa aldeia. No verão a gente tem muita dor de cabeça porque é quando [as empresas] jogam veneno.”
Cíntia Tembé, outra moradora da TI, conta que presenciou um jovem previamente sadio, cujo trabalho era aplicar agrotóxicos nos dendezeiros, adoecer e morrer no hospital local. “Ele chegou lá com dores exageradas no abdômen”, disse ela, em sua casa na aldeia Arar Zena’i. “Foi terrível. Começou a sair sangue pelo ouvido, pelo nariz, pelos olhos, como se algo por dentro dele tivesse estourado”, detalhou.
Quando as plantações proliferaram a apenas alguns metros da aldeia Yriwar, os indígenas fizeram uma ação direta contra a Biopalma. Uhu Tembé contou como ela e o marido apreenderam um trator da Biopalma durante a ação e o usaram para derrubar dendezeiros.
“A gente há muito tempo vem pedindo ajuda para eles limparem a área para nós plantarmos. Nunca atenderam. E a gente decidiu pegar o maquinário deles pra gente [mesmo] fazer. Porque a gente está há dez anos pedindo pra eles e eles não atendem a gente”, disse Uhu Tembé, apontando para o trator que permaneceu do lado de sua casa por três meses. “Isso aqui nós estamos tirando para plantar nossa auati, que é mandioca, milho, auati-apó, que é arroz. Isso aí nós não comemos, não”, acrescentou ela, apontando para as palmeiras de óleo. “Eles não obedeceram a nossa terra, a nossa área. É por isso a nossa revolta”.
A frustração com as empresas de óleo de palma aumentou nos últimos anos em toda a região, não só entre os indígenas, mas também entre quilombolas e pequenos produtores, que relatam os mesmos problemas de contaminação da água.
Estudos baseados em imagens de satélite também jogam por terra as afirmações das empresas de que a monocultura da palma foi implantada apenas em terras previamente desmatadas.
Karla Mendes – Mongabay