Quando o Brasil proibiu o famoso herbicida Paraquat, os agricultores passaram a usar o Diquat, um primo químico próximo. Mas agora o Diquat – um agrotóxico da Syngenta proibido na Suíça e na UE – está causando seus próprios problemas.

Por Naira Hofmeister, Laurent Gaberell e Crispin Dowler
Da Public Eye
Quando um lado de seu corpo ficou paralisado depois de trabalhar nos campos de sua pequena propriedade, Valdemar Postanovicz temeu que estivesse tendo um derrame.
“Todo o lado direito do meu corpo ficou paralisado. Eu não conseguia sentir meu pé e minha mão. Minha boca se torcia para a direita”, diz ele.
Na verdade, ele estava apresentando sintomas de envenenamento agudo por agrotóxicos. Postanovicz havia absorvido acidentalmente o Reglone, um poderoso herbicida à base de Diquat, enquanto limpava ervas daninhas de suas terras em um vilarejo isolado no sul do Brasil, em 2021.
“Foi apenas uma vez em minha vida, mas me senti tão mal que nunca mais o usei”, disse ele ao Unearthed e ao Public Eye. Hoje em dia, ele capina seus campos de feijão e tabaco manualmente.
Postanovicz faz parte de um número crescente de agricultores que foram envenenados com Diquat no Paraná, o coração agrícola do Brasil e seu maior consumidor do herbicida. Desde que a proibição do famoso herbicida Paraquat entrou em vigor no Brasil em 2020, o uso de Diquat no país – um primo químico próximo – disparou. Entre 2019 e 2022, as vendas anuais de Diquat no Brasil dispararam de cerca de 1.400 para 24.000 toneladas – um aumento de mais de 1.600%.
Uma marca popular desse herbicida no Brasil é o Reglone, uma solução que contém 20% de Diquat e é fabricada em Huddersfield, no norte da Inglaterra, pela gigante agroquímica Syngenta, com sede na Suíça. O uso do Diquat foi proibido na Suíça e na União Europeia (UE) depois que foi identificado um “alto risco” para as pessoas que vivem perto dos campos onde ele foi pulverizado. No entanto, a Syngenta continua a vendê-lo no Brasil e em outros países, onde os riscos costumam ser maiores.
A lei britânica até permite que a Syngenta continue fabricando o herbicida no Reino Unido para exportá-lo para países com regulamentações mais fracas, embora seu uso seja proibido nas fazendas britânicas. No ano passado, a Syngenta exportou mais de 5.000 toneladas de Diquat do Reino Unido, e mais da metade desse volume – 2.661 toneladas – foi para o Brasil.
O uso do Diquat no Paraná aumentou ainda mais acentuadamente do que no Brasil como um todo; agora o estado começou a ver um aumento nos casos registrados de envenenamento por Diquat. Entre 2018 e 2021, o estado registrou apenas um a três casos por ano. Esse número saltou para seis em 2022 e novamente para nove em 2023. Especialistas dizem que esses números oficiais são provavelmente a ponta do iceberg. Muitos incidentes de envenenamento por agrotóxicos não são relatados, devido à falta de acesso à saúde em áreas remotas ou ao medo de represálias por parte dos empregadores.

“Esses números refletem uma pequena parcela da realidade… De acordo com a Organização Mundial da Saúde, para cada envenenamento registrado, haverá 50 casos não registrados”, disse Marcelo de Souza Furtado, especialista da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, responsável pelo rastreamento de envenenamentos na região oeste do estado. As autoridades paranaenses não sabem a real dimensão do problema de intoxicação por agrotóxicos no estado, acrescenta ele, mas “o problema é grande”.
Furtado notou pela primeira vez que as notificações de envenenamento por Diquat estavam começando a substituir o Paraquat no ano passado.
“Estamos preocupados”, diz ele, quando informado de que esse produto químico é proibido no Reino Unido. “Se ele já foi proibido em outros países, isso já mostra que ele tem um efeito muito tóxico.”
O Reglone, best-seller da Syngenta, é a marca mais comumente citada em casos de envenenamento por Diquat no Brasil. Das 36 ocorrências de envenenamento por Diquat registradas nacionalmente pelo Ministério da Saúde do Brasil entre 2018 e 2022, o Reglone foi citado em 30, ou 83%.
“Eu não sabia desse (fato), que eles não o usam no país”, diz Darley Corteze, um jovem agricultor de Pérola d’Oeste, no extremo oeste do Paraná. Corteze foi envenenado com Diquat no ano passado, enquanto trabalhava nos campos de soja que cercam a casa de seus pais. “Eles o fabricam, enviam para o exterior (mas) não o utilizam”, acrescentou. “Agora vou tentar evitar usá-lo, a menos que não tenha outra opção.”
Um porta-voz da Syngenta disse que as necessidades agrícolas diferem em todo o mundo e que o “uso de produtos agroquímicos é baseado na avaliação dos governos nacionais sobre os riscos e os benefícios para uso em seu próprio país”.
“Com base nisso”, continuou ele, ‘em alguns casos, as instalações de fabricação da Syngenta no Reino Unido fornece produtos que não estão mais disponíveis ou que não são mais necessários no contexto doméstico do Reino Unido, mas que são considerados necessários por razões agronômicas e agrícolas pelos agricultores e reguladores do país importador’.

Ele disse ao Unearthed e ao Public Eye que herbicidas como o Diquat são “ferramentas essenciais” para os agricultores que desejam implementar o plantio direto, um método de cultivo sem perturbar o solo, e que o Diquat também foi usado como dessecante pré-colheita em plantações de soja no Brasil. Esse uso deu aos agricultores a capacidade de “cronometrar com precisão a colheita e o plantio subsequente”, o que significa que eles poderiam ter “duas colheitas por ano na mesma terra, aumentar a produtividade agrícola e reduzir a pressão para limpar novas áreas para cultivo”.
“A Syngenta está ciente de todas as regulamentações relevantes”, acrescentou ele, ‘e cumpre rigorosamente essas regulamentações na produção, venda e transporte de nossos produtos de proteção de cultivos’.
Uma ocupação perigosa
O Diquat acabou sendo proibido na UE e no Reino Unido devido ao “alto risco” que representava para os residentes e transeuntes próximos aos campos onde era pulverizado. Mas as autoridades de segurança da UE também citaram preocupações sobre os riscos apresentados aos agricultores que trabalham com o produto químico. Em um cenário modelado usando equipamento montado em trator, a Agência Europeia de Segurança Alimentar concluiu que a exposição do trabalhador excederia o nível máximo aceitável em mais de 4000% – mesmo que o trabalhador agrícola estivesse usando equipamento de proteção individual (EPI).
A rotulagem brasileira do Reglone da Syngenta aconselha os trabalhadores a usarem EPI, incluindo macacão, botas, luvas, boné, avental, óculos de proteção e proteção respiratória.
No entanto, no Brasil, os pequenos agricultores nem sempre estão cientes da importância do EPI, diz Furtado. O calor e a umidade tornam o uso consistente ainda mais difícil.
“O uso de EPI está melhorando entre os agricultores locais, mas continua sendo um desafio cultural e prático significativo”, disse ele. “Muitos agricultores e trabalhadores não usam ou usam apenas parte do equipamento.”

Corteze era um desses trabalhadores. Ele diz que, apesar de usar todo o equipamento de proteção, inclusive luvas e macacão, não usava a viseira.
“Você tem que lavá-la toda vez e ela atrapalha sua visão porque é de plástico na frente dos olhos”, diz ele.
Corteze diz que a dor que sentiu após ser acidentalmente envenenado com Diquat não era normal – algo que ele “nunca havia sentido antes”. Mais de um ano depois, ele acrescenta, sua cabeça ainda dói um pouco quando ele usa o produto químico.
Seus pais agora são cautelosos com os agrotóxicos. Eles ainda moram na pequena casa onde ele cresceu, a uma curta distância de um grande campo de soja.
“Quando eles pulverizam agrotóxicos (naquele campo), você tem que se fechar, bloquear as aberturas sob as portas, fechar as janelas… para que o ar envenenado não entre”, diz sua mãe, Joselaine. “O cheiro vai direto para sua cabeça, (e) começam as dores de cabeça, as náuseas.”
Às vezes, dizem os trabalhadores rurais, seu EPI não é eficaz. Quando Fábio Souza estava preparando o equipamento para pulverizar as plantações de seu empregador com Reglone em abril de 2023, ele diz que usava uma viseira para se proteger.
“Mas o líquido veio de baixo e atingiu meu olho”, disse ele ao Unearthed and Public Eye.
Souza ainda sente os efeitos posteriores de sua lesão, incluindo uma sensação de queimação em dias ensolarados. O nome de Souza foi alterado para proteger sua identidade, pois ele teme represálias de seu empregador por falar com a mídia.

“Isso afetou minha visão, que às vezes fica embaçada”, diz ele. “Nós só temos esses olhos. Se sua visão se perde, tudo se perde, fica escuro, o mundo se perde.”
Ele ainda usa Reglone, mas, temendo a deriva, só pulveriza quando seus filhos estão na escola. Sua casa fica a 100 metros das plantações.
“Depois do acidente, comecei a ser ainda mais cauteloso no uso dos agrotóxicos. Tenho muito medo de usá-los. É perigoso”, disse ele ao Unearthed and Public Eye.
Os especialistas afirmam que os riscos provavelmente são particularmente altos para os pequenos agricultores, que cuidam de pequenas áreas de terra e pulverizam agrotóxicos manualmente.
“O maior risco de contaminação está principalmente na pessoa que aplica (o agrotóxico)”, diz Renato Young Blood, diretor da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar). “Essa é provavelmente a razão para essas contaminações em culturas que são mais comuns na agricultura familiar, onde você vai ter o uso de equipamentos de pulverização de baixa tecnologia e você vai ter uma maior exposição da pessoa que aplica (o agrotóxico).”
Postanovicz é um desses agricultores: ele mora em uma casa modesta de três cômodos, em uma área remota. Pequenas fazendas como a dele são predominantes. Postanovicz cultiva frutas e feijões suficientes para sua própria subsistência e cultiva um pouco de tabaco para pagar suas contas. Ele trabalha sozinho em sua propriedade de 35 hectares e usou um pulverizador de mochila para aplicar o Reglone.

“O Reglone é um produto realmente forte, se tocar a planta do tabaco, ele a mata (imediatamente)”, diz ele. Como Corteze, ele diz que usou calças, botas e luvas de proteção, mas omitiu a viseira. “Quando respiramos, todo esse plástico fica embaçado e não conseguimos enxergar direito. É perigoso: podemos tropeçar, cair e nos machucar.”
Postanovicz diz que seus sintomas começaram depois que ele terminou o trabalho e tomou banho. Sua visão ficou embaçada, a perna e o braço direitos ficaram dormentes e tremores sacudiram sua mão direita. Mesmo agora, o cheiro do Reglone provoca uma reação visceral.
“Eu o odeio. Posso sentir se alguém está usando longe daqui, é horrível”, diz ele.
Veneno ao alcance da mão
A exposição ocupacional não é o único perigo enfrentado pelas pessoas que precisam trabalhar com agrotóxicos perigosos. A própria disponibilidade de produtos tóxicos nas comunidades agrícolas apresenta seus próprios riscos. De 2010 a 2019, 138 pessoas no Brasil morreram de envenenamento por Paraquat, de acordo com uma análise da Universidade Federal do Ceará. Dessas, 129 foram classificadas como suicídios.
O Paraquat é fatal em quantidades muito pequenas – apenas um gole de herbicida à base de Paraquat pode matar, e não há antídoto. Isso o torna extremamente perigoso quando ingerido, seja por acidente ou em atos de automutilação. Alguns especialistas argumentam que o acesso a um produto como esse é, por si só, um risco à saúde pública, devido à alta probabilidade de que o uso em um ato impulsivo de automutilação seja letal.
Agora há sinais de que, à medida que o Diquat substitui o Paraquat, ele também está sendo usado em tentativas de suicídio. Entre 2018 e 2022, o Brasil registrou oficialmente 36 casos de envenenamento por Diquat em todo o país. Quase metade deles, 17, foram tentativas de suicídio, quatro das quais foram fatais. O número nacional para 2023 ainda não está disponível.
Conversamos com a família de Luiz Patalo, um pequeno agricultor da região central do Paraná, que morreu de envenenamento por Diquat em fevereiro de 2019.

“Eram 18 horas quando ele entrou na cozinha e me disse que tinha bebido Reglone”, disse a mãe de Patalo, Elza, ao Unearthed e ao Public Eye, com lágrimas nos olhos. “Na manhã seguinte, ele estava morto”.
“Ele entrou em parada cardíaca, não conseguiram salvá-lo”, acrescenta sua irmã Luciana. “Os médicos fizeram tudo o que podiam, mas o efeito do agrotóxico era muito forte.”
Luiz não apresentava sinais de depressão em geral, de acordo com Elza. Ele era um homem feliz, sempre rindo, que se dava bem com sua comunidade.
“Nunca teríamos esperado isso – ele era uma pessoa alegre”, continua ela. Mas quando ele chegou em casa naquela noite, havia discutido com um vizinho que estava bebendo em uma festa da comunidade, e a discussão se tornou violenta. Ele estava claramente chateado, disse ela. Ele tomou o que sua família acredita ter sido uma decisão impetuosa. O Diquat era mantido em um “pequeno armário trancado” no jardim atrás da casa.
“Acho que se ele não tivesse tido acesso ao agrotóxico, talvez as coisas pudessem ser diferentes hoje, porque foi fácil para ele pegar e beber o agrotóxico”, diz Luciana.
De acordo com o professor de toxicologia clínica Michael Eddleston, especialista em envenenamento por agrotóxicos da Universidade de Edimburgo, essas circunstâncias não são incomuns: as pessoas que engolem agrotóxicos geralmente estão agindo por um impulso fugaz que tem pouco a ver com um desejo profundo de morrer. O ato imediato de beber um líquido parece mais fácil e menos violento do que outros métodos de suicídio. Mas os produtos de toxicidade aguda, como o Paraquat e o Diquat, não perdoam atos impulsivos.
“Não devemos pensar nas pessoas que bebem agrotóxicos como pessoas que querem se matar”, diz ele. “Elas nem sempre estão fazendo isso. Elas estão se envenenando para se comunicar. E fazem isso com o que estiver disponível.”
“A automutilação é um método de comunicação. Alguém que está com raiva, estressado, pode achar que essa é a única maneira de comunicar a você e à comunidade o quanto está magoado e ferido por uma situação.”
É por isso, diz Eddleston, que as taxas de mortalidade podem cair vertiginosamente quando agrotóxicos altamente tóxicos são substituídos por alternativas não tóxicas ou menos tóxicas. O Sri Lanka, por exemplo, era famoso por ter uma das maiores taxas de suicídio do mundo no início da década de 1990. Mas as restrições e regulamentações sobre agrotóxicos contribuíram para uma queda de mais de 70% nas taxas de suicídio desde 1995.

Da mesma forma, uma pesquisa na China constatou que a proibição de alguns agrotóxicos altamente perigosos e altamente tóxicos contribuiu para uma queda substancial na taxa de suicídio do país entre 2006 e 2018. “Se esses produtos químicos não estivessem nas casas das pessoas por motivos profissionais, elas não estariam morrendo”, acrescenta Eddleston.
A tentativa de suicídio de Fernanda Characovski com Reglone e outro agrotóxico, em 2020, também não foi planejada. Characovski havia se mudado recentemente com seu parceiro para trabalhar na fazenda de tabaco da família dele. O trabalho era exaustivo, e ela se sentia isolada – não tinha vizinhos e nem sempre se dava bem com a família do parceiro.
Ela bebeu o agrotóxico depois de “uma briga feia” com seu então parceiro. Foi, segundo ela, “um impulso”.
“(Foi) um momento de raiva. Eu queria me vingar, sabe?”, disse ela ao Unearthed e ao Public Eye. “Foi uma atitude desesperada, mas também não o culpo. Como eu disse, acho que minha psique já estava muito abalada. Isso também se deveu a um pouco de depressão.”
Characovski passou duas semanas no hospital, incluindo vários dias na Unidade de Terapia Intensiva. O envenenamento deixou efeitos duradouros: ela não pode mais comer certos alimentos.
“Meu estômago foi queimado pelo agrotóxico”, diz ela.
Ela fala com eloquência sobre sua tentativa de suicídio e diz que a facilidade de acesso foi um fator crítico.

“Acho que quando estamos com a cabeça quente, agimos sem pensar, e quando estamos deprimidos, é algo que fazemos sem sentir na hora, como se não estivéssemos sentindo nada”, disse ela ao Unearthed e ao Public Eye. “Se eu não tivesse acesso ao armário de agrotóxicos, não teria tentado me matar. Eu não teria tido a coragem de me jogar em uma fornalha, teria?”
O Brasil não é o único lugar que tem registrado envenenamentos fatais com Diquat desde que o produto químico foi usado para substituir o Paraquat. A China proibiu o Paraquat em 2016 e, desde então, o Diquat se tornou seu substituto amplamente utilizado. De acordo com Eddleston, os médicos registraram centenas de mortes por envenenamento por Diquat na China desde que a proibição do Paraquat entrou em vigor. Estudos com pessoas que ingeriram Diquat na China registram taxas de mortalidade que variam de 17% a 60%. Eddleston ressalta que os fabricantes estão vendendo o Diquat em formulações líquidas a 20%, da mesma forma que normalmente vendem o Paraquat. Essas formulações, segundo ele, reproduzem “as propriedades mais perigosas do Paraquat”, incluindo a facilidade com que pode ser ingerido e a ausência de um antídoto.
Até o momento, não houve nenhuma morte por envenenamento por Diquat, no Brasil ou na China, em números semelhantes aos que morreram anteriormente por causa do Paraquat. No entanto, Eddleston tem certeza de que as formulações de 20% que estão sendo vendidas são “perigosas demais para que os agricultores de pequena escala as tenham em mãos”.
“A consequência de ingerir apenas um pequeno gole desse produto é letal. E um pequeno gole pode acontecer por acidente”, acrescenta.
“Isso não era um problema há dez ou 20 anos. Mas agora estamos vendo claramente que é um problema, e isso é novo, isso mudou, pois o Diquat substituiu o Paraquat.”
O novo Paraquat
Como o maior produtor mundial de soja, cana-de-açúcar, café e laranja, o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, e seu uso de agroquímicos está aumentando a cada ano. Mas a curva de uso do Diquat é dramaticamente diferente, passando de um produto químico marginalmente usado para um dos herbicidas mais predominantes no Brasil. O uso geral de agrotóxicos aumentou em um fator de 1,5 de 2018 a 2022 no Brasil; para o Diquat, o uso aumentou em um fator de 18.
O catalisador desse aumento foi a proibição do Paraquat no país. De acordo com a ANVISA, órgão regulador de saúde do país, essa proibição ocorreu por quatro motivos: a gravidade dos casos de envenenamento ocupacional e acidental, o fato de que a exposição dos trabalhadores ao Paraquat excedia os níveis seguros mesmo com o uso de EPIs, o potencial mutagênico do produto químico e os estudos que o ligam ao mal de Parkinson.

Agora, diante de um aumento exponencial no uso do Diquat, mesmo com o herbicida tendo sido banido das fazendas da Europa, alguns estão questionando por que esse parente próximo do Paraquat ainda está no mercado brasileiro.
“O Paraquat e o Diquat são praticamente a mesma molécula”, disse Marcos Andersen, agrônomo que trabalha na Secretaria de Saúde do Estado do Paraná. “A ação é a mesma, e o Diquat também deveria ter sido banido.”
Em 2024, as autoridades de saúde do Paraná incluíram o Diquat pela primeira vez em seus testes anuais de resíduos de agrotóxicos em alimentos. “Estamos preocupados com o aumento do uso dessa substância”, acrescenta Andersen.
No entanto, há poucas chances de que as autoridades brasileiras tomem medidas para restringir o uso do Diquat no país em breve.
“A Anvisa está conduzindo um processo interno para decidir qual agrotóxico é o mais problemático, para começar a reavaliá-lo, mas eles estão realmente no início do processo”, disse Gamini Manueera, um especialista da Universidade de Edimburgo que costumava liderar o órgão regulador de agrotóxicos do Sri Lanka.
Ao contrário, o Brasil aprovou recentemente o chamado “pacote do veneno”, uma legislação favorável ao agronegócio que enfraquece o papel dos órgãos de saúde e meio ambiente na regulamentação de agrotóxicos e simplifica o processo de aprovação de agrotóxicos.
“A legislação começou a se tornar um pouco mais branda, mais relaxada quando se trata da liberação de agrotóxicos”, diz Furtado. “Muitos agrotóxicos novos foram introduzidos e ainda não sabemos o quanto muitos deles são prejudiciais à saúde humana.”
Outros argumentam que o advento dessa nova lei coloca uma responsabilidade maior sobre os países e empresas do Norte Global para que parem de exportar agrotóxicos proibidos, como o Diquat, para o Brasil.
“O Brasil aprovou no ano passado, com o apoio das empresas agroquímicas, uma nova lei de agrotóxicos, que torna o registro e o uso de agrotóxicos… ainda mais flexíveis”, diz Alan Tygel, porta-voz da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos do Brasil e pela Vida. “Nesse contexto, os países europeus que produzem e exportam agrotóxicos proibidos em seus próprios países para o Brasil devem reconhecer sua responsabilidade e parar de nos enviar produtos que são perigosos demais para (suas próprias fazendas).”

A Syngenta argumenta que cada país tem o direito soberano de decidir quais agrotóxicos são necessários em suas fazendas. “Ao exportar produtos do Reino Unido, a Syngenta respeita a soberania e a orientação do país importador, atende a todos os requisitos regulatórios internacionais, incluindo o Consentimento Prévio Informado, e fornece informações detalhadas e de gestão no país para promover a aplicação segura pelos usuários finais”, diz o porta-voz da empresa.
A empresa só produz agrotóxicos em alguns lugares do mundo para garantir que os compostos “tenham a mais alta qualidade”, diz ele, e o bloqueio do acesso a “produtos autorizados e de alta qualidade incentiva um mercado para produtos falsificados e ilegais – muitos dos quais são produzidos por organizações criminosas sofisticadas usando ingredientes prejudiciais e não regulamentados, que colocam os agricultores em um risco ainda maior”.
“Todos os anos, a Syngenta treina centenas de milhares de pessoas para o uso seguro de nossos produtos”, acrescenta ele. “Este ano, esperamos treinar mais de 55.000 pessoas só no Brasil.”
No entanto, para Marcos Orellana, relator especial das Nações Unidas sobre tóxicos e direitos humanos, a exportação de agrotóxicos proibidos para o Sul Global é uma forma de “exploração moderna”.
“Parece que para os países que produzem e exportam agrotóxicos proibidos, a vida e a saúde das pessoas nos países receptores não são tão importantes quanto seus próprios cidadãos”, diz ele.

Esse é um sentimento compartilhado por muitos dos trabalhadores rurais envenenados com Diquat com quem a Unearthed e a Public Eye conversaram no Paraná, bem como por suas famílias.
“Acredito que é errado proibir um agrotóxico em um país e enviá-lo para nós”, diz Luciana Patalo, que perdeu seu irmão Luiz por envenenamento com Diquat. “Se é perigoso para uma população, será para a outra também.”