Leonardo Melgarejo e Murilo Mendonça Oliveira de Souza
GT Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia e Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
Sabe-se que o Brasil se destaca como maior consumidor global de agrotóxicos (CARNEIRO et al., 2015), posição alcançada em função do avanço das lavouras transgênicas, com destaque para a soja Geneticamente Modificada (GM) e os herbicidas ali aplicados [1]. Orgulho nacional, entre os anos 2000 e 2012 (ALMEIDA et al., 2017) a lavoura de soja passou a consumir o triplo de agrotóxicos, por hectare plantado. No período, a produtividade em grãos, por tonelada de herbicida aplicado, cresceu apenas 18%. Isso equivale a uma redução de rendimento em termos de volume colhido, por litros de herbicida utilizado, da ordem de 43%. Quem ganhou com isso? Acerta quem pensou nos lucros dos vendedores de veneno e dos vendedores de remédios para controlar os males causados pelos venenos, que estão presentes nos alimentos, na água que bebemos e até no leite que as mães oferecem, no peito, a seus bebês (PALMA et al, .2014; Pignati et al., 2017). Como evitar que a sociedade tome conhecimento destes fatos? Só calando os cientistas que, responsavelmente os denunciam. Só desativando unidades de organização, representação e defesa do consumidor. E é isto que este governo tem feito. Os líderes das pesquisas acima citadas sofrem perseguições, e entidades como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) se encontram ameaçadas de extinção, neste caso pela MP870 de 1 de janeiro de 2019.
Resulta que, em dois meses de governo, avançam rápido os perigos que ameaçam a todos nós. Desde o dia 1/1/2019 já foram liberados 57 novos agrotóxicos no mercado brasileiro. Com isso, o agronegócio passa a dispor de 2.123 “alternativas para controle” do que não lhes agrada, no território rural Brasileiro. São 2123 agrotóxicos, que em grande parte dos casos podem ser usados em misturas, gerando vastíssimo leque de ameaças para a saúde humana e ambiental. Tão grandes são os riscos que sequer dispomos de meios para avaliá-los. Considere-se, por exemplo, que apenas 27 agrotóxicos são analisados na água potável distribuída pelas torneiras do Brasil. E isso, em menos da metade das cidades onde existem torneiras. No interior vale tudo, porque ali vive um povo forte, que resiste a tudo.
Felizmente parte da sociedade, que votou no governo Bolsonaro, percebendo-se tão ameaçada quanto enganada está acordando da letargia. Até ontem foram apresentadas 540 emendas à MP 870, boa parte delas em defesa do CONSEA, que já soma manifestações públicas de apoio, por parte de mais de 40 parlamentares, entre senadores e deputados federais. Isto crescerá com o empenho de todos.
Mais importante, portanto, é a reação da população, que tem agendado, em todas as capitais e em várias cidades do interior, atividades públicas de apoio ao CONSEA. Será o BANQUETAÇO de 27 de fevereiro. Em defesa da qualidade de vida, em defesa da segurança e soberania alimentar, em defesa do futuro do Brasil, informe-se em seu Estado, participe, ajude a divulgar.
Referências
ALMEIDA, VICENTE EDUARDO SOARES de; FRIEDRICH, KAREN; TYGEL, ALAN FREIHOF; MELGAREJO, LEONARDO e CARNEIRO, FERNANDO FERREIRA. Uso de sementes geneticamente modificadas e agrotóxicos no Brasil: cultivando perigos. Ciência e Saúde Coletiva, 22(10) :3333-3339, 2017. DOI: 10.1590/1413-812320172210.17112017 (acesso em 23/08/2018). http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017021003333&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
CARNEIRO FF, Augusto LGS, Rigotto RM, Friedrich K, Búrigo AC. Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde [Internet]. 1st ed. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular; 2015 [cited 2016 Aug 20]. Available from: http://www.abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/wp-content/uploads/2013/10/DossieAbrasco_2015_web.pdf
CONSEA. Mesa de Controvérsias sobre impactos dos agrotóxicos na soberania e segurança alimentar e nutricional e no direito humano à alimentação adequada. (Brasília DF, 2012). Mesa de Controvérsias sobre impactos dos agrotóxicos na soberania e segurança alimentar e nutricional e no direito humano à alimentação adequada. Relatório Final. 2014. 112 p. Il. http://www4.planalto.gov.br/consea/eventos/mesas-de-controversias/sobre-agrotoxicos-2012 (acesso em 12/10/2016).
CONSEA. Mesa de Controvérsias sobre Transgênicos. Relatório Final: mesa de controvérsias sobre transgênicos Brasília: Presidência da Republica, 2014. 87 p.
PALMA, Danielly C. A. et al,. Simultaneous Determination of Different Classes of Pesticides in Breast Milk by Solid-Phase Dispersion and GC/ECD. J. Braz. Chem. Soc., Vol. 25, No. 8, 1419-1430, 2014
PIGNATI, W. OLIVEIRA, N.P. & CANDIDO DA SILVA, A. M. Vigilancia aos agrotóxicos:qualificação do uso e previsão de impactos na saúde-trabalho-ambiente para os municípios brasileiros. Ciência e Saude Coletiva, 19 (12)4669-4768, 2014.
PIGNATI, Wanderlei Antonio , SOUZA e LIMA, Francco Antonio Neri de ; LARA, Stephanie Sommerfeld de; CORREA, Marcia Leopoldina Montanari, BARBOSA, Jackson Rogério, LEAO, Luís Henrique da Costa & PIGNATI, Marta Gislene. Distribuição espacial do uso de agrotóxicos no Brasil: uma ferramenta para a Vigilância em Saúde. Ciência e Saúde Coletiva,. 22 (10) 3281-3293, 2017.
[1] As lavouras de soja, milho e algodão GM responderiam por 65% dos agrotóxicos utilizados no Brasil (mais de 1 bilhão de litros/ano), sendo quase ¾ disto aplicado nas lavouras de soja.