Papo com feirante – O veneno nosso de cada dia, continua na mesa…

por João Siqueira da Mata

http://atribunanaweb.com/jornal.noticias.jales/wp-content/uploads/2012/12/41.jpg

Jales é uma cidade do noroeste paulista. 

Sábado dia de feira dos produtores. Normalmente as 3h30min da madrugada já estão montando as barracas.

Gosto de comprar na feira,  é uma oportunidade de conversar com os produtores que sempre tem uma lição de vida a dar e e além do mais, é uma forma de saber quando foi feito a última aplicação de agrotóxicos, quando compramos no supermercado não temos a garantia  por parte de ninguém que o período de carência foi observado. 

Recentemente, um colega comprou tomate em um supermercado da cidade e ao chegar em casa, sentiu um cheiro  forte de veneno e mesmo lavando o cheiro não saia e acabou jogando os tomates no lixo.

O trabalho agrícola é a atividade de maior risco econômico e especialmente para o pequeno produtor rural que produz a maior parte dos alimentos que consumimos.

Seo Benedito tem uma pequena chácara e é um dos vários feirantes.

Pessoa simples e sincera e sempre que se pergunta responde:

Essa couve faz 15 dias que já apliquei e é um produto que pode aplicar de manhã e colher a tarde, fique tranquilo.

Mas, que veneno é esse que o Sr. aplicou ?

Malathion

Mas, quem disse que esse produto pode aplicar de manhã e colher a tarde?

O vendedor da casa agropecuária que comprei o produto. Mais pode ficar tranquilo que esse produto usamos ele no milho pipoca e depois só damos uma abanada e colocamos para estourar, é fraquinho. 

O argumento do Seo Benedito continuou.

Olha tem uma pessoa que só pega couve de mim. Ela disse – que há um tempo atrás, comprou couve no supermercado, mas ao chegar em casa percebeu que ela tinha um cheiro muito forte de veneno  e ele não teve coragem de comer e deu as folhas para um passarinho e sabe o que aconteceu?

O que?

A tarde o passarinho estava morto.

Sério?

Estou te falando! Que coisa ele comprou a couve para fazer remédio. Eu não faço isso não… sempre passo uma dose mais fraca  e espero 15 dias para colher.

Em uma dia desses dias conversando com Sr. Arlindo outro produtor rural e ao comentar essa história do Seo Benedito ele me fez uma outra narrativa:

Conheço uma pessoa que comprou almeirão na feira para tratar os canários, e morreu os 10 pássaros que ele tinha, e ele foi até a feira e ameaçou a pessoa que vendeu que iria denunciar e a pessoa disse que ele apenas revendia e que as verduras deles vinha de outra cidade.

Seo Benedito continuou…

Esses dias uma pessoa comprou uma alface do meu vizinho, era uma alface muito bonita, mas a alface fez mal para ela – deu dor de barriga.

Fui conversar com o vizinho para saber o que ela aplicava para deixar alface bonita e ele me disse que aplica um veneno que coloca na uva para a baga crescer. Pode uma coisa dessa? Uva leva 90 dias para colher e a alface colhe rapidinho. 

Seo Benedito que produto é?

 É um veneno brabo que aplica na uva o nome não sei não.

Seo Benedito continuou com suas explicações e depois veio uma outra história. 

http://bs.simplusmedia.com/wp-content/uploads/imagens/saude/conteudo/couve.jpg

 Fulano … aplicou um veneno de amendoim na couve no sábado e na segunda-feira, ele colheu a couve para comer. Após o almoço o filho dele passou mal e ele levou para o pronto socorro e no caminho a mulher passou mal e durante o atendimento dos dois ele também passou mal.

O médico quis saber o que eles tinham comido. Ela contou que tinha comido a couve e que no sábado ele havia passado Hamidop. O Doutor colocou que ele deveria ter esperado pelo menos 15 dias e que correram grande riscos.

 Toda a história  foi para ilustrar que ele tem medo de veneno e que somente usa porque precisa – mas, sempre espera 15 dias.

 Chegando em casa fui pesquisar sobre os produtos que Seo Benedito falou.

 Começando pelo Matathion aquele produto fraquinho que se pode aplicar de manhã e colher atrás fui ver do que se trata…

http://www.agross.com.br/img_up/134849894899.jpg

 

Um dos trabalhos que encontrei sobre esse produto foi uma revisão bibliográfica sobre o mesmo que se chama: a atuação do enfermeiro na prevenção dos efeitos nocivos causados pelo uso indiscriminado do inseticida malation.

(…)

Através desta pesquisa verificamos que o malation é um agrotóxico organofosforado que, no organismo humano, age inibindo a acetilcolinesterase, interferindo no mecanismo de transmissão neural e conseqüentemente, ocasionando diversos efeitos danosos como: visão borrada, tosse, anorexia, náuseas, vômitos, dores abdominais, aumento da amplitude das contrações e do peristaltismo gastrintestinal, diarréia, sudorese excessiva, sialorréia, dispnéia, cianose, acúmulo de secreções brônquicas, lacrimejamento, miose, midríase, tremores de língua, olhos e pálpebras, cãibras, paralisia, fraquezas musculares, cefaléia, tontura, tremores, ataxia, distúrbios da palavra, sonolência, disartria, rigidez de nuca, depressão do centro respiratório e do vasomotor, rigidez na nuca, convulsões e coma.

Além dessas manifestações, verificamos que o malation pode ocasionar efeitos imunossupressores em diversos níveis, gerar manifestações tardias e neuropatia tardia, tem capacidade de alterar o DNA de uma célula e de estimular a célula alterada a se dividir de forma desorganizada, revelando uma possível capacidade de desenvolvimento do câncer e associam-se sua ação a Arteriosclerose, Parkinson, Alzheimer, malformação congênitas, infertilidade e esterilidade.

O trabalho completo pode ser consultado no link abaixo: 

http://br.monografias.com/trabalhos3/atuacao-enfermeiro-uso-indiscriminado-insecticida/atuacao-enfermeiro-uso-indiscriminado-insecticida3.shtml

Depois pesquisei sobre o “veneno bravo que se utiliza na uva” que o seu vizinho usa para crescer o alface e como não ele não sabia o nome do produto a pesquisa ficou um pouco prejudicada.

Normalmente o que se utiliza na uva é um regulador de crescimento conhecido como ácido giberélico que também é liberado para a cultura do alface, conforme podemos ver abaixo:

 http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/ad593e004745886d9211d63fbc4c6735/Microsoft+Word+-+A04++%C3%81cido+Giber%C3%A9lico.pdf?MOD=AJPERES

 Na literatura o ácido giberélico é classificado como mutagênico e cancerígeno ( Bedor, 2009 pág 63)

Estudo do potencial carcinogênico dos agrotóxicos empregados na fruticultura e sua implicação para a vigilância da saúde.

Será que não passou da hora da ANVISA  rever a liberação do ácido giberélico para cultura do alface?

Conclui a pesquisa procurando sobre o hamidop, inseticida usado no amendoim,  mas que foi usado na couve, lembrando que essa pratica é um tanto comum entre os agricultores e já identificados pela ANVISA, que iniciou em 2001 um Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) com o objetivo de avaliar os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos que chegam á mesa do consumidor.

O hamidop é inseticida Acaricida, sistêmico do grupo dos organofosforados e tem como principio ativo o METAMIDOFÓS e desde junho de 2012 esta proibido no Brasil. 

O intervalo de segurança para as principais culturas que ele era registrado é de 21 dias.

http://www.agricultura.pr.gov.br/arquivos/File/defis/DFI/Bulas/Inseticidas/HAMIDOP_600.pdf

Vamos recordar que esse intervalo de segurança é para que os resíduos presentes nos alimentos esteja dentro do limite máximo permitido, limite este que é contestado por muitos especialistas.

Para quem não esta familiarizado com os temos vamos a algumas definições

Limite máximo de resíduo – quantidade máxima de resíduo de agrotóxico legalmente aceita no alimento, em decorrência da aplicação adequada numa fase específica, desde sua produção até o consumo, expressa em partes (em peso) do agrotóxico ou seus derivados por um milhão de partes de alimento (em peso) (ppm ou mg / kg).

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/agrotoxicos/imagens/manuseio-41.jpg

 Intervalo de segurança ou período de carência – intervalo de tempo entre a última aplicação do agrotóxico e a colheita ou comercialização

Fonte: http://celepar07web.pr.gov.br/agrotoxicos/legislacao/port03.asp

Podemos tirar algumas conclusões sobre esse último caso:

O agricultor não tinha percepção do risco que ele estava correndo e colocou em risco a saúde de sua família e  coloca em riscos muitas famílias;

Mostra que ele não leu o rótulo e tão pouco sabe o que é intervalo de segurança;

O uso de produtos registrado para uma cultura e usado para outra é um problema muito grave por não ter estudo do intervalo de segurança e tão pouco estabelecido o limite máximo de resíduos.

A entrada dos agrotóxicos no Brasil. foi praticamente imposto pelo governo na época e se nos dias atuais acontece o que podemos ver nos relatos acima e abaixo, com certeza os governos são responsáveis por essa situação de descaso e mal uso dos agrotóxicos, que além de afetar diretamente a saúde dos agricultores também afeta ao dos consumidores.

Muita vezes o pequeno produtor mal saber ler , não foi treinado para utilizar de uma forma “segura” esse produtos e não tem qualquer tipo de assistência ficando nas mãos de pessoas que apenas tem o interesse em vender .

” O estado não tem política pública que coloca os extensionistas, através de concurso público, dentro das áreas de produção”  afirmou a engenheira florestal Denise Batista Alves, vice presidente da associação dos engenheiros florestais do Rio de Janeiro, durante o evento “Impactos dos agrotóxicos: alternativas e posicionamentos dos engenheiros agrônomos e florestais” realizado pelo clube de engenharia e que poderá ser acessado no link abaixo:

Agrotóxicos e saúde: questões urgentes

Infelizmente as história não terminam por ai…

Dona Ana vende frutas. Segundo ela o produto que vende é confiável e que seu marido pega de um mesmo produtor há 10 anos e quando ele aplicou alguma coisa – avisa.

Ela comenta que tem uma boa clientela que já compra dela há anos.

– A banana, o mamão, manga que vendo não é amadurecida a força com carbureto não, porque essas frutas amadurecida a força não tem gosto e faz mal a saúde.

 Dona Ana comentou algo que a deixou  indignada.

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/manga/padrao36.jpg

 

Olha sabe o que estão fazendo agora? Estão aplicando Etrel na manga já colhida para amadurecer, pode uma coisa dessa?

Outro dia ao comentar isso com um colega de trabalho ele disse:

Isso é verdade! Fulano … vendeu as mangas no pé e a pessoa que comprou passou ethrel e em seguida colheu.

Também se houve  falar no uso de ethrel na laranja e para dar mais cor na uva …

Também fui pesquisar sobre o ethrel na manga e encontrei o arquivo abaixo: 

http://www.agricultura.pr.gov.br/arquivos/File/defis/DFI/Bulas/Outros/ETHREL_720.pdf

Etrel – Classe toxicológica II – ALTAMENTE TÓXICO e na cultura da manga é indicado para indução de florescimento e não existe indicação desse produto para aplicação no pós colheita para acelerar a maturação …. e como podemos ver no link acima – intervalo de segurança, não determinado devido à modalidade de emprego.

Na cultura da uva o ethrel ao consultar o AGROFIT – sistema de agrotóxico fitossanitário do Ministério da Agricultura, encontramos: A aplicação deverá ser de 15 a 20 dias antes da realização da poda de frutificação. Única aplicação.

Não existe recomendação para utilização para dar cor na uva.

No citrus? Não existe registro.

Então? Se não existe recomendação do ethrel para maturação da manga, do citrus e para melhorar a coloração da uva – isto significa que não existe estudo e se não existe estudo, não existe intervalo de seguração estabelecido e tão pouco limite máximo de ingestão diária.

Quando existe intervalo de segurança e limite máximo de resíduos estabelecidos e mesmo assim muitos especialista tem vindo a público para dizer que o limite máximo de resíduos é arbitrário e não confiável – e quando não existe? O problema é maior ainda!

Infelizmente esse é um pequeno retrato do que acontece no dia a dia com a agricultura brasileira que descobri com uma pequena conversa … e a fiscalização como é que fica?

Se pegarmos a história da entrada dos agrotóxicos na agricultura podemos ver que tudo começou com o apoio oficial, vamos dar uma breve recordada:

A política de crédito adotado pelo governo brasileiro foi bastante decisiva e ao mesmo momento impositivo para que o novo modelo de produção fosse implantado conforme podemos observar abaixo:

Desde a década de 70, exatamente no ano de 1976, o governo criou um plano nacional de defensivos agrícolas. Dentro do modelo da Revolução Verde os países produtores desses agroquímicos pressionaram os governos, através das agências internacionais, para facilitar a entrada desse pacote tecnológico. Em 1976, o Brasil criou uma lei do plano nacional de defensivos agrícolas na qual condiciona o crédito rural ao uso de agrotóxicos. Assim, parte desse recurso captado deveria ser utilizada em compra de agrotóxicos, que eles chamavam, com um eufemismo, de defensivos agrícolas. Então, com isso, os agricultores foram praticamente obrigados a adquirir esse pacote tecnológico ( GIRALDO, 2011).

Corraborando a citação anterior (FLORES, 2004) vai mais além ao mostrar a irresponsabilidade do governo brasileiro ao ceder as pressões internacional e obrigar os agricultores a adotar tecnologias desnecessária que não condizia com a realidade e necessidade da agricultura.

No Brasil, a partir de 1970, a produção agrícola sofreu grandes transformações. A política de estímulo do crédito agrícola, associada às novas tecnologias, impulsionou várias culturas, principalmente destinadas à exportação. Pacotes tecnológicos ligados ao financiamento bancário obrigavam os agricultores a adquirir insumos e equipamentos, muitas vezes desnecessários. Entre os insumos, estavam os pesticidas, que eram recomendados para o controle de pragas e doenças, como método de resguardar o potencial produtivo das culturas. Esse método obrigava aplicações sistemáticas de pesticidas, mesmo sem ocorrência das pragas, resultando em pulverizações excessivas e desnecessárias (RUEGG et al., 1991 apud Flores et all 2004 pág. 113).

Fonte: AGROTÓXICO NO BRASIL – USO E IMPACTOS AO MEIO AMBIENTE E A SAÚDE PÚBLICA

Sem dúvidas o governo e responsável pelo quadro acima e não é a toa que somos desde 2008 o país que mais utiliza agrotóxicos e já passou da hora da sociedade, exigir um resposta responsável a esse quadro de uso abusivo de agrotóxico,  que já vem se alastrando por muitos anos sem ação efetiva para que seja controlado e os produtores efetivamente orientados

Existe muitas técnicas desenvolvidas que se fossem amplamente utilizadas contribuiria e muita para a redução do uso de agrotóxicos, como por exemplo o manejado integrado de pragas e doenças.

Vejamos uma nota da EMBRAPA sobre o MIP.

O MIP – Soja é uma tecnologia que utiliza um conjunto de técnicas econômicas e ambientalmente sustentáveis para o manejo eficiente de insetos pragas que atacam as lavouras de soja. Nos últimos anos, infelizmente, os princípios do MIP não tem sido adotados, gerando desequilíbrios e contribuindo para um crescente aumento de uso de agrotóxicos.

Inseticida são usados de forma abusiva, com base em calendário, aproveitamento de operações, ou seja, junto com herbicidas e/ou fungicidas, sem considerar a presença efetiva das pragas. Isso provoca a eliminação precoce de inimigos naturais e forte desequilíbrios ambiental nas propriedades, podendo favorecer a seleção de insetos resistentes a determinados ingredientes ativos 

Fonte: Folder 04/2012-Janeiro 2012 – Embrapa Soja

Infelizmente, em muitas regiões a assistência técnica oficial não é suficiente para atender toda a demanda, e os agricultores ficam, muitas vezes , apenas nas mão de vendedores que tem interesse em comercializar seus produtos e não tem interesse em técnicas para reduzir o uso de agrotóxicos.

A agricultura convencional, se for bem feita,  daria uma contribuição grande para redução do uso de agrotóxicos e isto deveria ser um dever a ser garantido pelo estado, que deveria tomar medidas urgentes para garantir a redução dos usos de agrotóxicos e garantir a sociedade alimentos livres de resíduos.

Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica que esta em fase final de estudo será sem dúvida uma importante resposta a sociedade no sentido de oferecer alternativas tanto aos produtores como aos consumidores – desde que, sai do papel e chegue  até aos produtores com assistência técnica efetiva.

Grande parte dos pequenos agricultores ou os agricultores da agricultura familiar como um todo, no geral, não tem instrução e nem preparo para utilizar os agrotóxicos de uma forma mais “segura”; não utilizam EPI e   quando utilizam, utilizam parcialmente ou de forma errada, o que aumentam o risco de intoxicação , isto sem falar do período de reentrada nas áreas e outras normas de segurança ambiental e pessoal que são ignoradas.

4 comentários

  1. Entrei nesse site pesquisando sobre o uso do “carbureto para amadurecer manga”, li o artigo todo de 2017 e fiquei abismado com o texto. Feirantes e produtores sem conhecimento nenhum de agrotóxicos manipulam esses produtos seguindo apenas orientação dos vendedores das lojas! O Brasil mudou com a era do presidente Bolsonaro e precisa chegar logo ao conhecimento da nossa ministra da agricultura!

  2. Passei o veneno ” Poderoso” nos meus pés de couve para matar pulgão. Quantos dias após a aplicação eu posso voltar consumir?

  3. Tudo de pior para os brasileiros vem do próprio Governo e governantes que estão corrompidos e egoístas que só buscam o dinheiro e o poder, que humanos são estes que envenenam a própria comida, matam a terra que plantam, poluem a água que bebem com mais venenos e descartam seus lixos sem pudor no único único planeta habitável que tem para viver ..será que realmente somos dotados de inteligência? 2024 vejo muitos muitos humanos sobre a terra, mas não encontro humanidade #projetopensandoverdesp

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *