Por Murilo Pajolla
Do Brasil de Fato
Na volta do recesso em agosto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) poderão deliberar sobre temas cruciais para o futuro do meio ambiente, dos povos originários e das comunidades tradicionais que habitam as partes mais remotas do Brasil. O recesso do Congresso Nacional é de 18 a 31 de julho. Já o do STF, é de 2 a 31 do mesmo mês.
Entre as iniciativas, estão o afrouxamento de normas de regularização fundiária e de licença ambiental, a anistia a grileiros de terras públicas, a criação de entraves para demarcação de terras indígenas, além da abertura desses territórios ao agronegócio, ao garimpo, à mineração e a hidrelétricas.
Veja quais são os principais projetos:
“PL da Grilagem”
Apelidado em referência a seus principais beneficiários, o Projeto de Lei 2.633/2020 tramita na Câmara em regime de urgência, ou seja, pulando etapas regimentais.
Na prática, a aprovação abriria caminho para a regularização de áreas públicas invadidas por grileiros e criminosos ambientais e facilitaria a legalização de invasões onde há comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas.
Um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) estima que o PL, defendido pela bancada ruralista, tem o potencial de anistiar invasores de 55 e 65 milhões de hectares de terras da União. Cada hectare equivale ao tamanho de um campo de futebol. A grilagem, segundo a entidade, aumentou 274% entre 2018 e 2020 no Brasil.
A proposta prevê ainda que grileiros regularizem territórios invadidos, mesmo onde houver presença de comunidades tradicionais.
Quando um imóvel rural está em processo de regularização fundiária, a Funai, o ICMBio e o Incra podem manifestar interesse sobre a área, se lá estiverem indígenas, quilombolas ou unidades de conservação.
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Caso aprovado, o texto vai restringir a atuação desses órgãos, exigindo a apresentação de estudo técnico, no prazo de seis meses, que comprove o impacto socioambiental.
Alteração da demarcação de terras indígenas
Tramitando na Câmara, o Projeto de Lei (490) permite que iniciativas de “interesse público” se sobreponham ao princípio constitucional de usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, incluindo até mesmo o contato forçado com povos isolados, aqueles que optaram não conviver com a sociedade não-indígena.
Sob intensa oposição de organizações indígenas, foi aprovado em junho pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e deve ir ao plenário da Casa. O texto propõe também que a demarcação das terras indígenas seja feita através de leis ordinárias e aproveita para instituir, via Legislativo, o Marco Temporal.
O Marco Temporal é uma tese em julgamento atualmente no STF, que determina que demarcações de terras indígenas só poderão ser estabelecidas em áreas que estivessem ocupadas por povos originários em 1988. Ou seja, se esses povos tiverem sido expulsos desses locais antes dessa data, jamais poderão reivindicá-las de volta.
“O Projeto traz uma série de questões de flexibilizar a posse em relação à terra, esse marco temporal descarta qualquer possibilidade de alguns povos que têm questionado via judicial, via administrativo”, explica a deputada federal Joenia Wapichana (REDE-RR).
Mais de 20 Projetos de Leis estão apensados dentro do PL 490. Para a parlamentar, o risco é “aprovar tudo num bolo só”.
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Desmonte do licenciamento ambiental
Apelidado de “Lei Geral de extinção do Licenciamento Ambiental” o Projeto de Lei 3729/2004 está em tramitação em regime de urgência no Senado e é acusado por diversas organizações da sociedade civil de ser uma das iniciativas antiambientais mais danosas em discussão no país.
O projeto elimina a necessidade de licenciamento ambiental para atividades agropecuárias, de mineração, manutenção de rodovias e portos, permitindo também a renovação automática de licenças através da internet.
Organizações da sociedade civil fizeram demandas ao senado para que estabeleça a tramitação normal, fazendo o projeto passar por pelas comissões, de modo que ele possa ser mais debatido e que se passe por aprimoramentos.
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Marco Temporal no STF
Tese jurídica considerada “absurda” por organizações ligadas à questão indígena, o Marco Temporal prevê que os territórios só podem ser demarcados se os povos indígenas conseguirem provar que estavam ocupando a área anteriormente ou na data exata da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, ou se ficar comprovado conflito pela posse da terra.
Rejeitado por organizações ligadas à causa indígena, o Marco Temporal entrou na pauta do STF no dia 11 de junho, mas a análise foi interrompida por um pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes. O relator do processo, ministro Edson Fachin, deu voto contrário à utilização do critério para demarcação de territórios.
Técnica explica o risco de degradação ambiental inserido nos projetos
Pela ótica de Adriana Ramos, assessora do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), a aprovação das pautas poderia intensificar de maneira decisiva a degradação ambiental, coroando o processo de desregulamentação pelo qual o setor vem passando desde o início do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Para a assessora, a celeridade na votação do Marco Temporal no STF é de interesse das organizações de defesa do meio ambiente, já que uma das consequências da aprovação da PL 490 seria a transformação dessa tese jurídica em lei.
“Nós temos uma grande expectativa de que essa votação aconteça logo, antes da aprovação do PL 490. Porque há na Câmara a intenção de acelerar a votação desse PL e, com isso, tentar influenciar o STF. Já está pauta do Supremo do dia 25 de agosto, então tudo indica que isso vai acontecer”, avalia.
“Boiada” tem pressa
A chegada da estação seca na Amazônia a partir de julho facilita a proliferação de queimadas e do desmatamento. Nesse período, a devastação costuma bater recordes e ganhar destaque nas manchetes nacionais e internacionais.
Supõe-se que a repercussão negativa poderia desestimular os deputados governistas a aprovarem projetos da agenda antiambiental nesse período. Mas a assessora do ISA não vê o cenário com tanto otimismo.
“Lamentavelmente nós estamos lidando com um conjunto de parlamentares que não constrangem com esse tipo de questão relacionada ao interesse público. Então infelizmente eu acho que não vai haver esse tipo de constrangimento e as pautas contrárias ao meio ambiente e aos direitos indígenas vão seguir nas prioridades”, analisa.
De olho nas eleições de 2022, o governo federal também tem pressa em “passar a boiada”. “Esse é um governo que está em crise de popularidade. Portanto esses parlamentes, para fazer esse tipo de maldade, precisam aproveitar para votar logo, antes do ano eleitoral.”
Edição: Vinícius Segalla