Os herbicidas à base de glifosato, anunciados em anos anteriores como solução definitiva contra pragas na agricultura, já não exercem a mesma eficácia sobre plantas daninhas. Como resultado, as espécies invasoras ocupam lavouras e resistem à pulverização, prejudicando ou até inviabilizando safras inteiras. Uma solução apresentada propõe o plantio de variedades transgênicas de soja e milho resistentes a um defensivo mais agressivo, o 2,4-D (ácido diclorofenoxiacético).
Atualmente em análise na Comissão Nacional de Biotecnologia (CTNBio), órgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, a solicitação caminha para a liberação. Mas a medida gera controvérsias: enquanto uma força-tarefa capitaneada pelo setor agroquímico defende a aprovação, alguns pesquisadores a condenam por fomentar o uso de um produto que imporia riscos à saúde humana.
saiba mais
- EUA rejeitam plena responsabilidade por Agente Laranja no Vietnã
- Vietnã e EUA iniciam, enfim, descontaminação de agente laranja
- Multinacionais são condenadas por agente laranja no Vietnã
- Vietnã e EUA iniciam primeira limpeza conjunta do “agente laranja”
Integram a pauta da CTNBio pedidos de liberação comercial de duas variedades de soja e de uma variedade de milho tolerantes ao 2,4-D – todos impetrados pela Dow AgroSciences em 2012. Dois deles já foram examinados e aprovados por subcomissões que avaliam seus impactos sobre a saúde humana e animal.
Até 14 de agosto, a tramitação de ao menos um deles deve estar concluída nos grupos que analisam aspectos associados ao meio ambiente e produção vegetal. Se aprovados, seguem para deliberação na reunião plenária da CTNBio já no dia seguinte.
“As discussões devem ser acaloradas em função das peculiaridades do 2,4-D e das implicações relacionadas a seu uso em larga escala, no caso da liberação comercial daquelas plantas geneticamente modificadas”, considera o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, doutor em Engenharia de Produção e representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio.
Melgarejo acredita que a decisão final não irá ocorrer na reunião de agosto, considerando os pedidos de protelamento que partiram do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e do Conselho Federal de Nutricionistas. No entanto, quando a votação ocorrer, a tendência é que as novas variedades transgênicas sejam liberadas.
Há indicativo de que o assunto seja integrado também à pauta da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, o que ainda não ocorreu, segundo a assessoria do senador Blairo Maggi (PR/MT), que preside a comissão. O parlamentar, conhecido produtor de soja na região Centro-Oeste, não quis comentar a possível aprovação das novas variedades transgênicas.
Crítica
O engenheiro agrônomo Luciano Pessoa de Almeida, professor de Fundamentos de Agroecologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), critica a proposta de tolerância ao 2,4-D. Para ele, o setor agroquímico adota a estratégia para tentar corrigir falhas da sua política de transgenia, já que a aplicação de glifosato originou pragas mais resistentes, como a buva, que não consegue mais conter. “É a solução proposta para um problema que foi criado pelas próprias multinacionais”, diz.
Melgarejo, por sua vez, acredita que a solução é enganosa, pois o plantio de soja e milho tolerantes ao 2,4-D ou a outros herbicidas levará ao surgimento de plantas daninhas resistentes também aos novos defensivos. “Com o tempo, teremos ervas cujo controle se tornará mais e mais complexo, para as quais os herbicidas que conhecemos não funcionarão”, pondera.
Como principal interessado, o agricultor apoia as novas variedades, diz Melgarejo. Isso porque os transgênicos estabeleceram um patamar de facilidade na gestão das lavouras do qual os produtores não abrem mão, independentemente dos problemas causados.
Contra as ervas mais resistentes, eles pressionam por alternativas e o mercado agroquímico interpreta como demanda por novas plantas transgênicas. “Os valores envolvidos nesse negócio são descomunais, e isso, naturalmente, implica em enormes pressões econômicas”, considera.
Preocupação
A preocupação quanto à liberação de variedades resistentes ao 2,4-D aumenta na medida em que a agressividade do herbicida não se restringe às pragas que combate. Enquanto o glifosato e o glufosinato de amônio, que dominam o mercado brasileiro de defensivos, ocupam a faixa verde na Classificação Toxicológica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o 2,4-D está no ápice do risco: faixa vermelha – extremamente tóxico.
Melgarejo explica que o produto é tóxico no contato com a pele, na inalação e na ingestão, o que garante maior ameaça aos agricultores, sujeitos a diversos tipos de contaminação. E os riscos se estendem a públicos variados.
“No fundo, estaremos aplicando veneno sobre alimentos, e esses alimentos carregarão parcelas de veneno rumo a seus consumidores”, afirma, acrescentando que o 2,4-D será absorvido pelas plantas transgênicas e, enquanto não for completamente degradado, estará presente nos tecidos vegetais, inclusive nos grãos.
Agente Laranja
Para Luciano Almeida, a maior ameaça do 2,4-D está gravada na história: trata-se da presença do herbicida como um dos elementos que compuseram o Agente Laranja, um desfolhante usado pelo exército dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. “Tem potencial para causar mutações”, alerta.
Força-tarefa
A ligação com o Agente Laranja é um dos argumentos em torno do 2,4-D que o setor agroquímico tenta desmistificar. Quatro grandes empresas – Atanor, Dow AgroSciences, Milenia, Nufarm – criaram uma força-tarefa e divulgam informações sobre o uso do herbicida no site www.24d.com.br.
A Força-Tarefa explica que o 2,4-D é recomendado para a cultura da soja pelas Comissões Oficiais de Pesquisa de Soja das Regiões Sul, Central e de áreas de Cerrados. Além da soja, já se aplica o produto em culturas de milho, trigo, arroz, café e cana-de-açúcar.
Ana Cristina Pinheiro, coordenadora da força-tarefa e especialista em Product Stewardship de defensivos da Dow AgroSciences, diz que o problema com o Agente Laranja no Vietnã esteve relacionado a uma “impureza” presente no processo de produção do 2,4,5-T – o outro elemento que o compõe – chamada dioxina TCDD. “Esse composto não é mais comercializado e nunca foi registrado e utilizado no Brasil”, alega.
Conforme Ana Cristina, órgãos como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Diretoria Geral de Proteção ao Consumidor e à Saúde da Comissão Europeia e a Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) concluíram que o 2,4-D não oferece riscos à saúde humana quando utilizado de acordo com as indicações do rótulo e bula.
“O uso adequado das tecnologias agrícolas e entre elas a de aplicação de agroquímicos são essenciais para garantir a segurança ambiental e eficácia no uso de defensivos agrícolas”, afirma.
Entre as soluções de tecnologia, a força-tarefa indica o uso de aviões agrícolas como o meio recomendado para a aplicação do herbicida. De acordo com Leonardo Melgarejo, entretanto, existem casos de crianças intoxicadas pela aplicação aérea de agrotóxicos em proximidade de escolas. A ocorrência mais recente foi registrada em Goiás, em maio deste ano, indica.
Segundo Melgarejo, considerando tratar-se de um produto extremamente tóxico, que será manipulado em escalas colossais, é temerário e quase irresponsável afirmar que sua aplicação será segura.
Repercussão
A liberação de transgênicos resistentes deve fomentar ainda mais o uso do 2,4-D. Nos Estados Unidos, onde o produto já se constitui do terceiro fitossanitário mais utilizado, com mais de 31 mil toneladas anuais, o desfecho da situação brasileira é acompanhado com interesse.
Charles Benbrook, professor e pesquisador do Centro de Agricultura Sustentável e Recursos Naturais da Universidade do Estado de Washington, nos Estados Unidos, diz que o país norte-americano, o Brasil e a Argentina são os únicos produtores de milho no mundo que consideram seriamente o 2,4-D, apesar de ser um dos herbicidas mais arriscados do mercado.
Segundo Benbrook, a aprovação dos transgênicos resistentes ao 2,4-D nos EUA ainda depende de estudos complementares de impacto ambiental, mas sua aplicação é esperada para o plantio comercial de 2015 ou 2016. O agravamento dos problemas relacionados às ervas resistentes ao glifosato, contudo, pode levar a uma aprovação de emergência do milho 2,4-D, avalia.
O pesquisador possui um compêndio de 117 estudos que associam o 2,4-D a formas de câncer e outras 149 pesquisas que relacionam o herbicida a defeitos congênitos. Apesar dos riscos, prevê aumento de 73 vezes na quantidade de 2,4-D aplicado ao milho até 2019 nos EUA.
Outra preocupação de Benbrook reside na fiscalização que seria necessária para controlar o ingresso no mercado de versões mais baratas e de tecnologia ainda menos segura do herbicida. “Há 2,4-D barato, mal fabricado e de alto risco produzido na China e em outros países, e, sem dúvida, outros fabricantes genéricos e de baixo custo vão entrar no negócio se as culturas com 2,4-D elevarem a demanda em 10 vezes ou mais”, conclui.