Apesar do lobby da indústria e dos produtores de soja, Anvisa mantém data para o agrotóxico paraquate ser banido do país: o próximo dia 22 de setembro
São Paulo – Em votação apertada – três votos a dois – a diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu hoje (15) manter o próximo dia 22 para o banimento definitivo do agrotóxico paraquate no país. A partir desta data, ficam proibidas a produção, importação e utilização do princípio ativo e de formulações que contenham a substância.
A data foi estabelecida pela Resolução 177 da Anvisa, de 2017. A decisão pelo banimento acompanha o voto do diretor Rômison Mota, apresentado em 18 de agosto. Mas um pedido de vista da diretora Meiruze Sousa Freitas adiou adecisão por quase um mês. Seu voto contra manutenção da data de banimento, foi seguido pelo diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres. O voto favorável de Rômison Mota foi seguido pelos diretores Marcus Aurélio Miranda de Araújo e Alessandra Bastos Soares.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida atribuiu o resultado à pressão da sociedade brasileira. Em nota, afirmou comemorar a decisão, “apesar de lamentarmos o esforço despendido em assunto que já deveria estar resolvido há anos. Convocamos a sociedade a se manter alerta e vigilante frente aos retrocessos.”
Agrotóxico letal
Sexto princípio ativo mais vendido no Brasil, o agrotóxico paraquate é o segundo maior causador de mortes no campo. Usado em diversas lavouras, especialmente na soja, pelo baixo custo, é classificado como extremamente tóxico à saúde humana. Ataca de maneira grave todos os tecidos do organismo. A intoxicação pode se dar por inalação ou ingestão. Para se ter ideia da periculosidade, a ingestão acidental de uma dose equivalente a uma colher de café é fatal. Tanto que a substância passou a ser usada em suicídios.
O princípio ativo está associado a mutações genéticas que levam a diversos tipos de câncer e degeneração no sistema nervoso central, facilitando o desenvolvimento de doenças graves, como a doença de Parkinson.
Efeitos danosos
De acordo com a toxicologista Karen Friedrich, que integra a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, estudos mais recentes mostram que mesmo que a substância já não esteja mais presente na urina da pessoa exposta ao produto – o que poderia atestar a intoxicação –, efeitos danosos continuam agindo no organismo. Entre eles, alterações que desencadeiam câncer renal. Karen apresentou dados que confirmam a alta toxicidade do paraquate em sustentação oral para subsidiar os diretores da Anvisa.
A Anvisa começou a reavaliar o agrotóxico paraquate em 2008. Em 2017, definiu 22 de setembro de 2020 como data para o banimento. Com isso, os fabricantes teriam ainda mais tempo para desovar os estoques no Brasil.
Manobras
O paraquate foi criado pela companhia de origem suíça Syngenta, atualmente controlada pelo grupo chinês ChemChina. O princípio ativo foi banido pelas autoridades suíças em 1987 e por toda a União Europeia em 2017. A China, que produz para exportar, principalmente para o Brasil, baniu em 2015.
Cedendo a pressões do agronegócio, a diretoria colegiada da Anvisa tentou uma manobra no começo de abril. Antecipando-se ao ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que no dia 22 daquele mês defenderia “passar a boiada” enquanto as atenções da opinião pública estavam voltadas para a pandemia de covid-19, colocou em pauta alterações no cronograma de proibição do paraquate. Mas uma ação do Ministério Público Federal em Dourados (MS) foi acatada pelo juiz federal Moises Anderson Costa Rodrigues da Silva, da 1ª Vara Federal de Dourado, e determinou a retirada do tema da pauta.
Sem estudos
Segundo o procurador Marco Antonio Delfino, a alteração só poderia ser feita com a apresentação de novas evidências científicas que excluíssem o potencial mutagênico (capacidade de causar alteração nas células) do paraquate em células germinativas, o que deveria ser comprovado com a apresentação de estudos de mutagenicidade e estudos de biomonitoramento. No entanto, nenhum estudo foi apresentado.
O MPF constatou ainda irregularidade na ausência dos estudos sobre o produto. Também considerou inadequada a falta de transparência da proposta da Anvisa, de realizar uma reunião em meio ao cenário de isolamento social e enfrentamento da pandemia decorrente da disseminação da covid 19.