“Processo de savanização da Amazônia já começou”, diz Antônio Nobre, do Inpe

Por Thomas Milz 
Do DW

Num momento em que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alerta para graves e “irreversíveis” impactos do aquecimento global, o clima no Brasil dá sinais de mudanças profundas, com neve caindo no Sul, secas nas áreas de agricultura do Centro-Oeste e a Floresta Amazônica já emitindo mais CO2 do que absorve.

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Em entrevista à DW Brasil, o cientista Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), fala sobre o o chamado tipping point, ou ponto de não retorno da floresta, quando ela perde a capacidade de se recuperar – o que os cientistas chamam de processo de savanização.

“As florestas remanescentes na porção leste da Amazônia, locus do pior desmatamento, no chamado arco do fogo, já apresentam sintomas de haverem cruzado o tipping point clima-vegetação, com áreas imensas mostrando o processo de savanização”, afirma.

Nobre também fala sobre a relação entre as mudanças climáticas e os poderosos rios voadores que trazem chuva para as áreas ao sul da Amazônia e as recentes temperaturas baixíssimas no Sul do país.

Seu irmão, o cientista Carlos Nobre, estima nos estudos dele que a Amazônia atingirá o chamado tipping point, ou ponto de não retorno, com 25% de destruição da floresta. Estamos na beira dos 20%, e já há sinais preocupantes. Que momento é esse que estamos vendo agora?

Antonio Donato Nobre: A Amazônia cobre mais de 7 milhões de km², tem um bioma constituído de muitos e vastos ecossistemas. O que observamos é uma confirmação de previsões feitas décadas atrás, iniciando no final dos anos 70. As florestas remanescentes na porção leste da Amazônia, locus do pior desmatamento, no chamado arco do fogo, já apresentam sintomas de haverem cruzado o tipping point clima-vegetação, com áreas imensas mostrando o processo de savanização. Estamos no início do processo, que se acelera devido ao avanço do desmatamento e da degradação florestal.

Qual seria a consequência disso para a Amazônia e para o clima global?

A consequência mais imediata para a Amazônia é o comprometimento da reciclagem de umidade, feita eficientemente por milhões de anos pela hileia pristina [floresta primária]. Com a consequente redução das chuvas, a floresta torna-se seca e inflamável, o que cria um círculo vicioso de incêndios e degradação, comprometendo a bomba biótica de umidade e enfraquecendo os rios voadores.

A diminuição dos poderosos fluxos aéreos de umidade na Amazônia reflete-se no enfraquecimento associado dos ventos alíseos sobre o Oceano Atlântico equatorial, importantes impulsionadores de correntes oceânicas que geram o massivo fluxo da Corrente do Golfo. O enfraquecimento da Corrente do Golfo perturba o transporte de calor para altas latitudes, inclusive e especialmente para a Europa, criando condições para o aumento de intensidade e frequências de eventos climáticos extremos.

As secas atuais no Sul e Sudeste brasileiros já são uma consequência das mudanças climáticas na Amazônia?

As secas fortes em partes da Amazônia e no Centro-oeste e Sul/Sudeste do Brasil são anômalas, e têm se repetido, indicando alteração no sistema climático. As secas que atingem as regiões mais ricas e produtivas da América do Sul têm origem demonstrada no enfraquecimento dos chamados rios voadores, os fluxos aéreos propelidos pela bomba biótica de umidade gerada pelas florestas na Amazônia. Tal efeito foi registrado em diversos trabalhos. O desmatamento está danificando a bomba biótica de umidade, enfraquecendo os rios voadores e, com isso, comprometendo o ciclo hidrológico continental.

Como funcionaram os rio voadores?

Os rios voadores são fluxos filamentares de ar na baixa atmosfera, propelidos pela bomba biótica de umidade, carregando grande quantidade de água dos oceanos para áreas continentais. Na América do Sul, a maior parte da água que alimenta o portentoso ciclo hidrológico Amazônico é transportada pelos rios voadores.

A falta de água da Bacia do Rio Paraná é uma consequência dos acontecimentos na Amazônia?

Dois efeitos se combinam para gerar essa escassez de água. O aquecimento global tem aumentado a frequência e a intensidade de eventos extremos. Na América do Sul, surge uma massa estacionada de ar quente de alta pressão, que dificulta a entrada dos rios voadores provenientes da Amazônia e as frentes frias do Sul. E os rios voadores amazônicos estão enfraquecidos devido à destruição massiva das florestas que os propelem. Como o aquecimento global tem relação direta com a destruição dos grandes biomas reguladores, os dois fenômenos são indissociáveis.

Fazendeiros no Sul e Sudeste relatam geadas mais fortes e imprevisíveis. Como esse fenômeno se encaixa nesse contexto?

A penetração mais pronunciada de massas de ar polar tem também direta relação com o aquecimento global, como demonstrado para eventos recentes no hemisfério norte. Trata-se da perturbação da circumpolar jet [corrente circumpolar], que gera grandes oscilações. Todos são fenômenos relacionados e diretamente atribuíveis a atividades antrópicas.

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