Por Marco Weissheimer, no Sul21
A Vigilância Sanitária do Rio Grande do Sul não está realizando, desde o início da pandemia do novo coronavírus, ações de coleta e de análise da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos vendidos no varejo para a população. O sistema de Vigilância Sanitária do Estado participa, anualmente, do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), realizado em todos os Estados. Desde o início da pandemia, porém, a Anvisa suspendeu as coletas de amostras que ocorriam dentro do PARA. Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, a Anvisa ainda não deu previsão para a retomada das análises do PARA e, no momento, o Estado trabalha apenas com o Programa Alimento Seguro.
Coordenado pela CEASA (Centrais de Abastecimento do RS) e por um grupo de trabalho que reúne várias entidades, o Alimento Seguro coleta cerca de 200 amostras anuais de frutas, legumes e verduras, comercializados pelos permissionários (produtores e atacadistas), que são encaminhadas para análise em laboratórios privados. A partir dos resultados desses exames, são debatidas ações e orientações aos produtores. No entanto, a pandemia também provocou atrasos neste programa, em função da redução do quadro de servidores, entre outros problemas, e não há ainda um balanço concluído sobre os resultados dos exames realizados no último ano.
Ao longo do período da pandemia, que já se estende por mais de um ano, a diminuição da fiscalização e do monitoramento da presença de resíduos de agrotóxicos em todo o país veio acompanhada pelo aumento da liberação de uso de novos produtos. Segundo levantamento do projeto Robotox, uma parceria da Agência Pública com a Repórter Brasil para monitorar os registros de novos agrotóxicos no Diário Oficial da União, existem hoje 3.197 produtos agrotóxicos comercializados em todo o Brasil. Desde o início de seu mandato, até o dia 14 de abril deste ano, o governo de Jair Bolsonaro publicou, no Diário Oficial, a aprovação de 1.131 novos agrotóxicos.
2020 foi o ano com o maior número de aprovações de agrotóxicos da história do país. O segundo ano de mandato de Bolsonaro terminou com a aprovação de 493 agrotóxicos, 19 a mais que no ano anterior, que havia sido o recorde até então, em um processo que passa pela avaliação conjunta da Anvisa, do Ministério da Agricultura e do instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“PL 260 pode levar à situação de insegurança alimentar”
O Rio Grande do Sul tem um problema adicional, além da interrupção do trabalho de monitoramento e dos novos agrotóxicos no mercado, que é a tentativa de flexibilizar a legislação ambiental do Estado, considerada pioneira no país. Na avaliação de Raquel Fiori, ex-diretora do Laboratório Central de Saúde Pública do Estado do RS (de 2011 a 2014) e diretora do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do RS (Sintergs), a ausência de fiscalização e monitoramento da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos, somada à ameaça de aprovação do PL 260 (que quer liberar no Estado agrotóxicos proibidos nos países em que são fabricados), pode levar o Rio Grande do Sul à beira de uma situação de insegurança alimentar.
“Neste momento não temos fiscalização. O Lacen tem equipamentos para realizar esses exames, mas falta pessoal e os programas da Anvisa foram interrompidos. Além disso, muitas pessoas que trabalhavam no laboratório com agrotóxicos se aposentaram e não houve contratação de novos servidores. Alguns servidores foram realocados da extinta Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), mas ainda estão numa situação de incerteza funcional, sem saber ao certo a que órgão estão ligados. Há equipamentos valiosos parados e produtos sob ameaça de perda de validade. É muito triste ver a situação vivida pelo Lacen hoje”, assinala Raquel Fiori, que integra hoje o Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.
Corte de recursos e extinção das fundações
A ex-diretora do Lacen lembra que o Rio Grande do Sul já foi referência nacional nesta área, com um programa de fiscalização semelhante ao PARA, da Anvisa. O laboratório de análise de resíduos de agrotóxicos foi montado durante o governo Alceu Collares (1991-1995) e mais tarde, durante o governo Olívio Dutra (1999-2002), foram comprados novos equipamentos e contratados servidores, observa a pesquisadora, hoje aposentada. A partir do governo Germano Rigotto (2003-2006), os recursos começaram a diminuir. A recuperação iniciada no governo Tarso Genro foi interrompida no governo seguinte, de José Ivo Sartori, momento em que a pesquisa pública sofreu um duro golpe, com o corte de investimentos e a extinção de fundações.
De 1994 até 2016, o Lacen era vinculado à Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS), que foi extinta pelo governo Sartori, junto com outras fundações. Com a extinção da FEPPS, o Laboratório passou a ser administrado pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS). As aposentadorias de servidores nos últimos anos e a não reposição dos mesmos causaram a interrupção de linhas de análise e de pesquisa. Na área de monitoramento da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos, assinala ainda Raquel Fiori, ainda houve alguma coleta em 2016 e 2017. Em 2018 e 2019, as coletas que ocorreram já foram enviadas para laboratórios de fora do Estado, e em 2020 as coletas pararam totalmente.
Essa situação de paralisia do sistema de monitoramento e fiscalização da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos será agravada ainda mais caso o PL 260 seja aprovado na Assembleia, alerta a diretora do Sintergs. “Graças à mobilização construída por várias entidades, o governador Eduardo Leite retirou o pedido de urgência para a apreciação do projeto, que está agora aguardando parecer do deputado Frederico Antunes com quem queremos ter uma reunião em breve para tratar dos riscos desse projeto. Se ele for aprovado, teremos uma situação de insegurança alimentar no Estado. A maioria da população não tem dinheiro para comprar alimentos orgânicos. Tomemos o caso do arroz, por exemplo, que teve um grande aumento de preços e onde há muita contaminação por agrotóxico. Se o PL for aprovado, não vamos mais comer arroz com 2,4, D, mas sim 2,4, D com arroz”, diz Raquel Fiori.