do boletim da AS-PTA – Número 612 – 21 de dezembro de 2012
Conforme divulgamos no Boletim 610, em outubro último a revista científica Environmental Sciences Europe publicou a primeira pesquisa revisada por pares analisando o impacto das lavouras transgênicas sobre o uso de agrotóxicos, utilizando dados do Departamento de Agricultura do governo dos EUA (USDA).
No caso das lavouras tolerantes à aplicação de herbicida, os dados oficiais mostraram um aumento de 239 milhões de kg no uso dos venenos nos EUA entre 1996 e 2011. Especificamente sobre esse tipo de modificação genética, os números indicam que, em 2011, nos EUA, o volume de herbicidas aplicados foi 24% maior nas lavouras transgênicas do que nas áreas onde são plantados cultivos não transgênicos.
Inúmeras evidências empíricas aqui no Brasil têm corroborado essas conclusões. Pelo menos cinco espécies de plantas invasoras já desenvolveram resistência ao glifosato, ingrediente ativo do herbicida Roundup, utilizado nas lavouras transgênicas, o que tem levado agricultores brasileiros a aplicar doses reforçadas do produto ou recorrer a combinaçoes com herbicidas mais tóxicos (como 2,4-D e atrazina) buscando eliminar o mato que não mais é controlado pelo sistema ‘semente transgênica + herbicida’.
Mas um caso que chama a atenção nesse sentido, cada vez mais recorrente no Centro-Oeste, é aquele em que as próprias lavouras transgênicas transformam-se em plantas invasoras na sucessão de safras como no caso soja/milho. Explicando melhor: o clima da região permite a obtenção de duas colheitas a cada ano, sendo frequente a alternância entre o plantio de soja com o de milho ou algodão (em lugares como o Mato Grosso, por exemplo, a “safra” e a “safrinha” podem chegar a adquirir igual importância econômica). Agora, com o crescente uso das sementes transgênicas tolerantes a herbicidas, grãos remanescentes de plantios anteriores estão gerando plantas “invasoras” nas novas safras, também tolerantes ao herbicida – o que complica o novo plantio.
Viajando pelas estradas, pode-se facilmente ver grandes extensões de lavouras de soja infestadas por plantas de milho transgênico. De um lado, perde-se a facilidade de manejo prometida pelo sistema transgênico de tolerância a herbicidas. De outro, segue-se a tendência de aumento no uso de agrotóxicos.
Como as plantas infestantes são transgênicas e, assim como a nova lavoura, não morrem quando pulverizadas com glifosato, os agricultores veem-se forçados a recorrer a outros venenos. No caso do milho há ainda a possibilidade de se utilizar herbicidas seletivos que matam apenas as plantas de folha estreita (monocotiledôneas), preservando-se assim a lavoura de soja. Mesmo assim, quantas aplicações adicionais de veneno serão necessárias para eliminar dos campos o milho indesejado?
E quando as plantas infestantes forem de algodão – que, assim como a soja, são de folha larga (dicotiledônea)? Certamente o problema será maior. Assim como é certo que o desenvolvimento de novas variedades transgênicas tolerantes a outros tipos de herbicidas só fará aumentar as dificuldades de manutenção das lavouras transgênicas “limpas” de plantas invasoras.
Reportagem publicada recentemente no Cenário MT relata que o problema da invasão de milho transgênico em lavouras de soja tem ocorrido mesmo em propriedades em que só se planta milho convencional. Segundo a matéria, o problema já vem acontecendo há três anos, mas nesta safra está muito intensificado. Uma das hipóteses para explicar o fenômeno é a contaminação do milho convencional plantado nessas propriedades através da polinização por lavouras de milho transgênico situadas nas proximidades. Outra hipótese é que as sementes de milho convencional compradas pelos produtores já venham contaminadas “de fábrica”, supondo-se que as próprias empresas sementeiras não estejam conseguindo segregar as sementes convencionais das transgênicas. A matéria conta sobre um produtor de Primavera do Leste – MT que acabou tendo que contratar uma equipe para fazer a retirada manual das plantas de milho na lavoura de soja (prática que tem sido recorrentemente relatada nos EUA).
As perdas econômicas para os produtores em decorrência deste problema são facilmente previsíveis. O maior número de aplicações (e de tipos de agrotóxicos utilizados) aumentará os custos de produção. O problema econômico será ainda maior quando se fizer necessária a capina manual – sem deixar de considerar que o que em 2 hectares pode não ser tarefa tão difícil, nas numerosas lavouras de milhares de hectares existentes no Centro-Oeste pode se tornar um pesadelo sem solução. Além disso, as colheitas deverão alcançar menor valor no mercado, pois a lavoura de soja infestada por pés de milho gerará grãos com “impurezas”.