Buscar um novo caminho para que as famílias rurais tenham água perto de casa foi o que moveu a ASA a construir uma campanha de mobilização de recursos junto ao Consórcio Nordeste, que reúne os governadores e secretários de todos os estados do Nordeste. Ano a ano, o Governo Federal vem reduzindo o repasse de recursos públicos que possibilitam o acesso à água para as famílias rurais. Segundo reportagem do portal Uol, em 2020 foram implementadas 5,5% das tecnologias sociais de acesso à água no comparativo com o ano de 2014.
A porta fechada pelo Governo Federal afeta diretamente cerca de 350 mil famílias que não têm água potável para beber, cozinhar e escovar os dentes. E prejudica também em torno de 850 mil famílias sem condições de plantar uma horta junto de casa e criar animais de pequeno e médio portes. Sem o líquido para o cultivo, a família, que vive do que planta, passa fome e todo tipo de necessidade.
A campanha de mobilização de recursos que a ASA está construindo com o Consórcio Nordeste é destinada aos usuários das companhias de abastecimento de água dos estados do Nordeste. A ideia é que qualquer pessoa e empresa possam doar o valor que quiser para financiar os programas da ASA que garantem às famílias agricultoras da região mais seca do Brasil o estoque de água da chuva.
“O objetivo é alcançar a arrecadação suficiente para que a gente possa universalizar a água para a população do Semiárido”, comenta Alexandre Pires, da coordenação nacional executiva da ASA pelo estado de Pernambuco.
Na entrevista abaixo, ele fala da situação em que se encontra o Programa Cisternas e do que significa não ter água, quando vivemos uma pandemia cuja doença que se alastra e faz milhares de vítimas fatais no Brasil todos os dias pode ser evitada com algumas medidas simples como a lavagem das mãos.
Asacom – A AP1MC firmou no final de janeiro passado um acordo de cooperação com o Consórcio Nordeste. O que este acordo abre de possibilidades para a população do Semiárido?
Alexandre Pires – O acordo de cooperação firmado entre a AP1MC e o Consórcio Nordeste faz parte de uma iniciativa da ASA em parceria com o Fórum de Gestores da Agricultura Familiar do Nordeste, do próprio Consórcio, e tem o objetivo de construir, com as companhias de abastecimento de água do Nordeste, uma campanha de mobilização de recursos para financiar o Programa Um Milhão de Cisternas no Semiárido.
Esta iniciativa resulta do contexto que a gente vive de desconstrução da política nacional de abastecimento através do Programas Cisternas. O Governo Federal atual tem reduzido, de forma significativa, os recursos e as estruturas de funcionamento do Programa Cisternas e isso tem inviabilizado o programa.
Ainda temos cerca de 350 mil famílias no Semiárido que não têm água para o consumo humano, 800 mil famílias que não têm água para a produção de alimentos. E também a necessidade de criarmos os bancos comunitários de sementes crioulas para proteção das variedades de sementes das famílias para o Semiárido e de garantir a segurança alimentar para a população do Semiárido. Por isso, nós estamos buscando outros caminhos.
Um destes caminhos é esta campanha que precisa do envolvimento de cada organização-membro, cada comissão municipal da ASA, pra que a gente arrecade o máximo de recursos para a continuidade do Programa Cisternas.
Asacom – O que significa esta aproximação da ASA com o Consórcio NE?
Alexandre Pires – Essa aproximação da ASA com o Consórcio Nordeste nada mais é do que a expressão de uma capacidade que a sociedade civil construiu, ao longo das últimas três décadas, no Brasil que é de buscar e construir diálogos com os gestores públicos do Brasil para a elaboração, monitoramento e implantação de políticas públicas em defesa das necessidades do povo brasileiro.
Eu acho que a ASA, através da AP1MC, é um grande exemplo de uma organização social que consegue não só monitorar, mas também garantir um processo de elaboração, de proposição de políticas públicas, neste caso, para um território específico, que é o Semiárido brasileiro.
Sendo o consórcio de governadores do Nordeste uma instituição pública, supranacional, ou seja, de um grupo de governos, entendemos que faz parte de nossa estratégia e do nosso aprendizado histórico buscar o diálogo com o setor público para apresentar as demandas da sociedade e para contribuir com a elaboração, o monitoramento e a implantação de políticas públicas de interesse da população brasileira.
Asacom – Existe uma campanha de mobilização de recursos em gestação junto ao Consórcio? O que pode ser dito desta campanha para a gente?
Alexandre Pires – A campanha está em gestação. Acho que esta palavra é muito adequada. Nós estamos construindo num grupo, entre ASA, Consórcio Nordeste e Fórum de Gestores da Agricultura Familiar do Nordeste e companhias de abastecimento de água, a campanha.
Esta campanha deve ser lançada à sociedade no mês de junho de 2021 com o objetivo de sensibilizar as pessoas, que são os usuários das empresas de abastecimento e saneamento dos estados, [sensibilizar] o setor empresarial com relação a essa agenda de garantir o direito à água para a população rural do Semiárido que não tem acesso a este bem tão importante à vida.
Esta campanha está sendo pensada a partir de estratégias de visibilidade, de histórias de vida do nosso povo, do significado para a população rural do Semiárido brasileiro de ter acesso à água.
Estamos estruturando a campanha. Uma das estratégias é que a população possa doar através de suas contas de água. Se alguém paga sua conta no valor de R$ 40, se pode pagar R$ 45, sendo este R$ 5 direcionado para esta campanha. Esta vai ser uma das formas de doação. A outra vai ser de doação direta numa conta específica que nós vamos criar. Com o somatório dos recursos que virão de cada uma das empresas de abastecimento, vamos somar todos estes recursos que vão ser direcionados à construção das tecnologias sociais para toda a região semiárida. O objetivo é alcançar a arrecadação suficiente para que a gente possa universalizar a água para a população do Semiárido.
Asacom – Como está a situação das famílias do Semiárido com relação ao acesso à água neste tempo de pandemia?
Alexandre Pires – A gente pode dizer que, em algumas regiões do Semiárido, tem chovido e a gente pode dizer que, o fato da chuva chegar, começa a animar nosso povo e a deixar a possibilidade de ter acesso à água de forma um pouco mais próxima.
Mas, é importante lembrar que nós ainda temos uma demanda muito grande de famílias do Semiárido que não têm acesso à água. Nós estimamos em, aproximadamente, 350 mil famílias. Isso significa dizer que muitas famílias passam por dificuldades seja pra elaboração de seus alimentos, seja na saúde da família por não ter acesso à água potável, uma água limpa, uma água para o consumo. Muitas famílias ainda dependem de fontes de água e não necessariamente são fontes que asseguram uma água de qualidade para a saúde destas famílias.
Isso é uma situação bastante grave. Bastante complexa. A ASA se mantém firme no sentido de buscar diálogos com o Governo [Federal] para garantir os recursos que assegurem a continuidade do Programa Cisternas.
Também temos buscado dialogar com a Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido no Congresso Nacional para que a Frente possa pressionar o governo para garantir os recursos destinados ao Programa Cisternas.
É importantíssimo a gente reconhecer e lamentar que, no momento da pandemia, o acesso à água pelas famílias do Semiárido é uma condição fundamental de garantia da saúde e do bem estar destas pessoas que vivem na zona rural. Enquanto que aquelas milhares [de famílias] que ainda não têm acesso à água acabam se expondo mais e acabam muito mais vulneráveis à contaminação do vírus, a adoecerem e chegar a uma situação fatal.
Pra gente, da ASA, é lamentável, num momento como esse, ao invés da gente ter o reconhecimento do governo brasileiro da importância desse programa para a população no Semiárido, da importância da água para as pessoas enfrentarem a pandemia, a gente tem o corte de recursos e a desestruturação dos mecanismos de gestão da política por parte do governo federal.
Isso acaba atingindo, mais uma vez, e de forma muito direta a população do Semiárido, que há muito tempo luta contra essas formas de opressão e tem mostrado toda a sua capacidade de produzir, trabalhar, gerar renda, ter alimentação e só precisa de oportunidade e das condições básicas, sobretudo, de ter acesso à água para conseguir viver e viver com dignidade.
Nos mantemos na ASA na luta em defesa dos recursos públicos, em defesa da presença do Semiárido no orçamento brasileiro, porque o Semiárido é uma região extremamente necessitada do apoio e da presença do Estado brasileiro.