Documento analisa 381 referências sobre temas que envolvem alimentação, produção de plantas e de animais, impactos na saúde, entre outros
por Alan Tygel
Em dezembro de 2016, o Parlamento Europeu, através do Painel de Avaliação de Opções em Ciência e Tecnologia, divulgou um relatório sobre os impactos para a saúde pública do consumo de alimentos orgânicos e também da agricultura orgânica. O relatório chama-se “Human health implications of organic food and organic agriculture” e pode ser acessado aqui.
O documento analisa 381 referências sobre temas que envolvem alimentação, produção de plantas e de animais, impactos dos agrotóxicos na saúde e meio ambiente, resistência a antibióticos, padrões de alimentação, além de apontar caminhos e políticas públicas e suas possíveis consequências na Europa.
De acordo com o relatório, o consumo de alimentos orgânicos reduz a exposição a agrotóxicos, e portanto, os riscos de intoxicações agudas e crônicas. O relatório enfatiza que, apesar das análises de risco que são feitas antes da aprovação de agrotóxicos, existem grandes lacunas nos estudos. Gera grande preocupação, por exemplo, que sejam desconsiderados estudos epidemiológicos que mostram os efeitos negativos da exposição a baixas doses de agrotóxicos no desenvolvimento cognitivo de crianças.
Em relação aos fertilizantes, os estudos mostraram as consequências negativas do uso massivo e prolongado do mineral fósforo na agricultura convencional. O principal efeito é a elevação da concentração de cádmio no solo, e portanto nos alimentos produzidos neste local. A alimentação, inclusive, é uma das principais vias de exposição ao cádmio, que provoca câncer e diversas outras doenças.
Sobre a criação de animais, foi detectada uma maior concentração de ácidos graxos ômega 3 no leite, ovos e carne de animais criados no sistema orgânico. Isso decorre da alimentação à base de forragem, e não de rações concentradas. O capim possui alto índice de ômega 3 e, no caso do leite orgânico, foi detectada a presença 50% maior deste ácido graxo.
Outro ponto analisado foi a resistência a antibióticos. De acordo com o Organização Mundial de Saúde (OMS), a utilização excessiva deste medicamento na criação animal é um dos fatores que influenciam na existência de superbactérias resistentes a antibióticos. Na criação orgânica, o uso de antibióticos é reduzido, pois há menos doenças em sistemas não-confinados, e há grande restrição ao uso preventivo, comum na criação de animais convencional.
Ao final do relatório são apresentadas 5 opções de políticas públicas a serem consideradas daqui em diante. A primeira delas seria não tomar nenhuma atitude, e assim perder a oportunidade de obter ganhos para a saúde da população.
A segunda opção está relacionada às políticas de segurança alimentar, como por exemplo o controle da concentração de cádmio nas sementes. Além disso, na Europa está em vigor desde 2009 uma política de “uso sustentável” de agrotóxicos, que inclusive proíbe a pulverização aérea no continente. Finalmente, a União Europeia já se colocou favorável ao banimento do uso profilático de antibióticos na criação animal.
A terceira opção se refere a aumentar o investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação voltadas para agricultura orgânica. Este caminho poderia aprimorar os sistemas de cultivo, aumentando a produtividade e gerando mais comida de boa qualidade com práticas agrícolas sustentáveis.
A quarta opção aponta para a melhora do ambiente de negócios da agricultura orgânica através de incentivos fiscais. Considerando que as doenças causadas pela agricultura convencional representam uma carga para os sistemas de saúde, e que este custo não está incluído no preço dos fertilizantes e agrotóxicos, seria justo uma taxação maior para estes produtos. Estas taxas poderiam ser utilizadas para o desenvolvimento da agricultura orgânica.
A quinta e última opção se refere ao incentivo de práticas de consumo sustentáveis. Atualmente, o consumo de carne na Europa é elevado, enquanto cereais integrais, frutas e legumes ficam abaixo dos índices recomendados. O relatório afirma que o padrão de consumo de quem se alimenta de orgânicos é mais saudável em comparação com a média da sociedade. Assim, regras licitatórias que favoreçam a compra de orgânicos em escolas, hospitais e restaurantes públicos podem melhorar o padrão alimentar da população.
Importância do Documento
Mesmo que o relatório não traga grandes novidades, o reconhecimento do parlamento Europeu de que a agropecuária convencional representa um problema de saúde pública, e que além disso, a agricultura orgânica é uma solução para este problema, já é um fato a ser comemorado.
Ainda que por certa herança colonial, decisões políticas tomadas na Europa e nos EUA têm grande apelo no Brasil. O banimento da pulverização aérea na Europa, o fato de que 22 do 50 agrotóxicos mais consumidos aqui são proibidos lá, e agora este relatório, são argumentos de peso em nossa luta contra os agrotóxicos e as consequências nefastas do agronegócio.
Orgânicos na Europa
Obviamente, o contexto Europeu em relação aos orgânicos – chamados lá de biológicos ou somente bio – é completamente diferente do nosso. O movimento da agricultura biodinâmica (Demeter) já existe desde os anos 1920 na Alemanha. Hoje, encontra-se uma grande oferta de orgânicos em qualquer supermercado (mesmo os mais baratos), e há mesmo redes de supermercados que só vendem orgânicos.
Além das frutas, legumes e verduras, são oferecidas carnes, lácteos, salsichas, cosméticos e até roupas orgânicas. É possível encontrar máquinas agrícolas adaptadas e outros tipos de facilidades para aumento de produtividade com mão de obra escassa. Há críticas de que a agricultura orgânica na Europa já foi completamente dominada pelas grandes cadeias de alimentos, e concentra renda da mesma forma que o cultivo convencional.
Nos países mais ricos da Europa (EU-28), 5,7% das terras é cultivada de forma orgânica, num mercado que rende 24 bilhões de Euros (quase R$100 bilhões).
O panorama é bem diferente daqui. A estimativa de ocupação das terras orgânicas certificadas é de menos de 1%, e a movimentação financeira estimada é de R$2,5 bilhões. Além disso, por aqui colocamos como fundamental o projeto da Agroecologia, que inclui outras dimensões além do cultivo sem agrotóxicos, fertilizantes e transgênicos (aliás, na Europa o uso de transgênicos é restrito a poucos países).
Por aqui, não há possibilidade de discutir a agricultura orgânica sem tocar na questão agrária, que é a raiz de diversos outros problemas como a pobreza e a insegurança alimentar no campo, além do próprio êxodo rural e inchaço das cidades. Por isso, lutar pela agroecologia significa lutar pelas condições subjetivas e objetivas para se produzir sem veneno: equidade de gênero, educação e saúde do campo, pesquisa, crédito, logística, agroindústria sob controle camponês e tudo mais que for preciso para se viver e produzir de forma saudável no campo.
O relatório do Parlamento Europeu deve ser lido e estudado, e ser utilizado como mais uma ferramenta de luta nas diversas batalhas que nos esperam em 2017, a começar pela derrubada do PL do Veneno, e pela aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos.