Nara Lacerda
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |31 de Maio de 2022 às 17:07
Fabricantes transnacionais de agrotóxicos estão cada vez mais presentes nas decisões políticas brasileiras e atuam para fortalecer um modelo de agricultura que estimula a monocultura e fere direitos humanos básicos. A conclusão está no relatório Comércio Tóxico – A ofensiva do lobby dos agrotóxicos da União Europeia no Brasil, elaborado pelas pesquisadoras Larissa Bombardi e Audrey Changoe.
No estudo, as pesquisadoras explicitam a conexão entre a indústria europeia de venenos agrícolas e o poder público brasileiro. O setor atua influenciando diretamente a bancada ruralista e o governo.
Para isso, segundo o relatório, a indústria municia parlamentares com incentivo e embasamento a projetos de lei, promove reuniões com o executivo e apoia campanhas e plataformas “que têm o objetivo de fazer uma lavagem verde (greenwash) na imagem do agronegócio no Brasil.”
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“É muito grave porque tem a ver com os destinos de um país, de uma nação. Não começa e não termina no Brasil, tem a ver com a inserção do Brasil na economia mundial. Obviamente que essas empresas não atuam sozinhas. Isso é bastante orquestrado também com governos locais, não só no Brasil como em outros países. Mas no Brasil é muito claro”, afirma Larissa Bombardi em entrevista ao Brasil de Fato.
Ela explica que a dinâmica da agricultura mundial permite que grandes companhias globais tenham alto poder de influência na produção de alimentos, mesmo que não se relacionem diretamente com o cotidiano do campo.
“Hoje, falar em produção agrícola não é a mesma coisa que falar em produção de alimentos. Temos empresas sediadas na União Europeia que fabricam tanto as sementes como os insumos que serão usados na agricultura. Esse mercado globalizado para os alimentos, permite, de alguma forma, que indústrias que eram antes quase exclusivamente do setor químico também se apropriem da agricultura”, alerta a pesquisadora.
Ainda de acordo com o relatório, “as empresas europeias de agrotóxicos não só se beneficiam com o enfraquecimento de regulamentações ambientais e de agrotóxicos no Brasil, mas também com generosas isenções de impostos sobre agrotóxicos”.
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O documento aponta que a estratégia tem surtido efeitos positivos para os produtores de venenos agrícolas – e, por consequência, negativos para a população. Nos últimos vinte anos, o uso de agrotóxicos no Brasil aumentou seis vezes. No governo atual, a aprovação dessas substâncias danosas é recorde em toda a história.
“O estado brasileiro, o governo federal e o nosso legislativo têm operado, de alguma forma, para que essas indústrias tenham o controle e benefícios em função do modelo agrícola que o país adota e utiliza”, ressalta Bombardi.
Acordo UE Mercosul
Vantagens para a o indústria europeia de agrotóxicos podem ser ainda mais potencializadas no Brasil por meio do acordo comercial em discussão entre a União Europeia (UE) e os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, além da Venezuela, que está suspensa do bloco desde 2016).
O estudo apresentado por Bombardi e Changoe aponta que a negociação prevê aumento considerável nas exportações de safra e na importação de agroquímicos.
“A provável expansão da agricultura de exportação pode agravar problemas existentes, com a conversão de florestas e outros ecossistemas importantes em áreas para a agricultura, e tornar ainda mais pesado o fardo tóxico da agricultura que faz uso intensivo de agrotóxicos para a natureza e as comunidades”, diz o texto.
Se for ratificado, o acordo deve ampliar a venda de produtos como a soja e cana-de-açúcar, bastante dependentes do uso de agrotóxicos. No Brasil, grande exportador das duas culturas, os reflexos tendem a ser piores.
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A influência da indústria europeia de venenos agrícolas na ampliação do uso de agrotóxicos no Brasil contradiz políticas de redução e até banimento total desses químicos nos países do continente. “Está fundamentalmente em desacordo com essas e outras metas verdes da EU” destaca o relatório sobre o tema.
No documento, as pesquisadoras destacam que os países membros da União Europeia deveriam rejeitar acordo e atuar em apoio a uma transição mundial do modelo de monocultura para práticas mais sustentáveis.
Bombardi afirma que no Brasil o debate precisa ser ampliado e envolver a sociedade como um todo, principalmente em um ano eleitoral que pode reconfigurar a política brasileira.
“A gente percebe uma linha de conexão direta com o lobby que acontece na União Europeia e o lobby no Brasil para atuar em favor dessas indústrias de agrotóxicos. É algo muito assustador e é muito importante que a gente saiba que aquilo que é decidido no Brasil e os destinos do nosso país não estão sempre nas nossas mãos”.
Edição: Felipe Mendes