Gabrielle de Paula e Matheus Bertoldo*
O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos no planeta, atrás apenas dos Estados Unidos. A produção extensiva de commodities agrícolas faz do país o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, segundo o Ministério do Meio Ambiente. Mas há quem prefira se desenvolver respeitando a natureza e a saúde das pessoas. É o caso de Gorete Menezes e Olair Nunes, agricultores do assentamento Itapuí, em Nova Santa Rita (RS).
“Trabalhar com o alimento é trabalhar com a vida”
Gorete e Olair exibem uma grande diversidade de produtos plantados em sua lavoura sem nenhum agrotóxico: “Trabalhar com o alimento é trabalhar com a vida, é questão de respeito com a sociedade”, defende Olair. O casal faz parte da associação que trabalha com alimentos orgânicos no Itapuí, assim, as plantações ficam em meio à mata nativa da região e a policultura é incentivada para o enriquecimento do solo. João Pedro Stédile, membro da coordenadoria nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), garante que a entidade tem estimulado a agroecologia nos assentamentos: “Fazemos um enorme esforço para construir a matriz tecnológica da agroecologia nos assentamentos. Porém isso é um longo processo, que começa na necessidade de termos escolas de agronomia, de nível médio”.
A discussão acerca do uso de agrotóxicos ainda é longa. Duas decisões recentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) voltaram a liberar o comércio de produtos proibidos em seus países de origem e que já haviam tido o registro negado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). De acordo com Flavia Scabin, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, essa autonomia dos estados em liberar certos defensivos agrícolas está relacionada ao fato de que a União não os proíbe. Mesmo com o fácil acesso a esses produtos, Olair afirma que nunca irá trabalhar com os químicos. “Isso faz mal para o meio ambiente e para as pessoas também, tenho conhecidos que estão com câncer por terem trabalhado com o produto convencional”, explica.
“Consumir alimento orgânico significa dinheiro direto na mão do produtor e saúde direto na mesa”, diz Gorete. Dinheiro que garantiu uma boa estrutura às casas e a construção de uma escola para as crianças no assentamento. O próximo objetivo no Itapuí é a implantação de uma agroindústria, mediante financiamento do BNDS e do Incra, estimado em R$ 2 milhões. Segundo os assentados, o desenvolvimento do local se deu graças à agroecologia. As verduras e hortaliças de nove famílias da associação são vendidas todas as quartas e sábados, em uma feira de orgânicos, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, uma das feiras que tem crescido na cidade devido ao aumento do interesse pelo consumo de orgânicos. De acordo com o Ministério da Agricultura, o cultivo de orgânicos no Brasil cresceu 51,7% em 2014. Mas a procura ainda é maior do que a oferta.
Aquecimento no mercado de orgânicos em Porto Alegre
A Secretaria Municipal de Produção, Indústria e Comércio (Smic) contabiliza seis feiras ecológicas na Capital, espalhadas por diferentes bairros. A mais tradicional delas é a do Bom Fim, realizada aos sábados desde 1989. O bairro Menino Deus conta com duas feiras, ambas com mais de 15 anos de existência. Os bairros Petrópolis e Tristeza também possuem suas próprias feiras, e a mais recente foi implementada no bairro Três Figueiras. Associações de bairros, no entanto, solicitam constantemente novas opções espalhadas pela cidade.
As feiras, segundo a Smic, oferecem apenas alimentos de produtores da área rural de Porto Alegre e do interior do Rio Grande do Sul, sempre com comercialização direta. Os produtos devem ser produzidos sem agrotóxicos, pesticidas ou substâncias sintéticas. A Smic organiza também a regulamentação dos produtos, que devem receber selo de origem controlada para garantir sua qualidade. E as feiras estão sempre cheias. O empresário João Rosa garante que a diferença de preço não é muita, e que o produto ecológico é de melhor qualidade. “Dependendo da verdura, dá uns 10% a mais no valor, mas o alface, por exemplo, é muito maior. E se tu for comprar o orgânico no supermercado, aí sim é muito mais caro”, diz ele.
Esses locais, no entanto, não são os únicos a oferecer produção orgânica em Porto Alegre. Outro exemplo é a loja Mesa Natural, localizada no bairro Petrópolis. A fazenda onde são plantados e produzidos os artigos oferecidos na loja está em atividade há mais de 100 anos, no município de Pareci Novo, a cerca de 70 km de Porto Alegre. Com a produção e o espaço sendo utilizados apenas para consumo, as sócias Maria Aparecida Prates Paulo, a Apa, e Clara Hartmann viram no local uma oportunidade de negócio.
As duas começaram a dar os primeiros passos do empreendimento vendendo alguns produtos da fazenda apenas para amigos próximos. Tendo uma primeira experiência positiva, as sócias buscaram, em 2009, a Ecocert, uma empresa especializada na certificação de produtores rurais voltados para a produção orgânica, para certificar a fazenda, começando aos poucos o processo de oficialização do pequeno comércio. “Com a certificação, a gente continuou vendendo para as pessoas, as coisas foram aumentando e nós resolvemos construir um ponto de venda da fazenda, sendo criado o Mesa Natural”, conta Apa.
O processo de certificação, além de dar autenticidade ao trabalho realizado, ajudou a loja a expandir a linha de produtos. Segundo Apa, a Ecocert indica outros produtores, responsáveis pelo plantio, por exemplo, de abacaxi, plantado em Terras de Areia, e de banana, de Torres. Outros produtos, fora da linha de hortifrutigranjeiros, também são oferecidos por fornecedores das mais diversas áreas do país. Todos possuem duas coisas em comum: certificação e são orgânicos. Apa salienta a importância de o cliente saber a procedência do que está consumindo e comemora a presença crescente na rotina dos porto-alegrenses. “São produtos com menos remédios, mais saudáveis. As pessoas estão se dando conta que vale mais a pena investir em uma alimentação saudável e de boa procedência, por uma vida melhor, principalmente para as crianças”, afirma.
*Os autores da reportagem são estudantes de Jornalismo da UFRGS, ganhadores do III Concurso de Reportagem da Fabico