“Se votar, não volta” | Campanha Contra os Agrotóxicos chama mobilização contra votação do Pacote do Veneno

O PL 6299/2002 “deixa de proteger a população brasileira em detrimento de mais lucro privado”, garante Naiara Bittencourt, advogada da Terra de Direitos e da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Por Ednubia Ghisi, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Projetaço contra o Pacote do Veneno realizado em 2021 / Foto: @projetemos

 

A Câmara dos Deputados voltou de férias nesta semana já com a ameaça de votar pautas-bombas e contrárias aos interesses da maioria da população e da biodiversidade, entre elas o Pacote do Veneno (PL 6299/2002). Este é o projeto de lei que reúne as demandas da bancada ruralista para flexibilizar ainda mais a legislação de agrotóxicos. Entre as medidas está abrir a porteira para o registro de agrotóxicos cancerígenos. 

A gravidade desse PL se amplia diante do cenário de aumento recorde de liberação de agrotóxicos durante o governo Bolsonaro, parte deles extremamente tóxicos e muitos proibidos na União Europeia. Apenas em 2021 foram 641 novos produtos liberados. 

Como parte da resistência contra o Pacote, a Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida iniciou a mobilização “Ação Urgente Contra o Pacote do Veneno”, nesta quinta-feira (3). A reunião virtual teve representação de todas as regiões do Brasil, com cerca de 70 participantes ligados a movimentos sociais do campo e da cidade, coletivos, entidades e mandatos parlamentares que integram a Campanha. 

O encontro teve como foco a apresentação de propostas de ações conjuntas nas redes sociais e presenciais, em todo o Brasil. Tuitaços, pressão popular sobre os deputados da bancada ruralista, ações de rua e inauguração de placas em territórios livres de agrotóxicos estão entre as iniciativas planejadas para os próximos dias. 

>> Clique aqui para acessar os materiais-base para a Ação Urgente contra o Pacote do Veneno”.

Um pacote para piorar o que já é ruim 

O Pacote do Veneno substitui completamente a legislação de 1989, mas está longe de “modernizar” o marco legal, conforme explica Naiara Bittencourt, advogada da Terra de Direitos e integrante da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida: “Este projeto vai na contramão da segurança socioambiental, climática e de proteção à saúde. Flexibiliza e facilita os registros de agrotóxicos mais perigosos; dá mais poder ao órgão agronômico e menos poder aos órgãos de saúde e meio ambiente, deixa lacunas favorecendo a indústria agroquímica e o agronegócio. Ou seja, deixa de proteger a população brasileira em detrimento de mais lucro privado”

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Arte @projetemos

A tentativa mais recente de colocar a matéria em votação foi no apagar das luzes do ano legislativo de 2021, depois de um pedido de urgência feito por deputados representantes do agronegócio. Pela rápida reação negativa da bancada de oposição e nas redes sociais, o PL saiu da pauta. No entanto, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP), prometeu retomar o tema no retorno das atividades de 2022.  

Para a integrante da Campanha Contra os Agrotóxicos, a tentativa de aprovar o Pacote do Veneno em regime de urgência demonstra os vícios formais e materiais deste projeto de lei. 

“O conteúdo do PL é inconstitucional e colide com outras legislações brasileiras em diversos temas, além de ser rechaçado por organizações de pesquisa, saúde e socioambientais. Por isso o projeto pode passar sem considerar o debate profundo científico e social e em processo viciado. Se realmente seu conteúdo fosse benéfico à sociedade brasileira, o debate franco, aberto e ponderado seria respeitado pela Câmara dos Deputados”, garante Bittencourt. 

“Se votar, não volta!”

A pressão contra o Pacote do Veneno tem mobilizado diversos setores da sociedade. O abaixo-assinado “Chega de Agrotóxicos” soma mais de 1,7 milhão de apoios. 

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) enfatizou o papel central da pressão popular para que o PL não seja colocado em votação. “É um ano eleitoral, dependendo do tamanho da mobilização, o deputado pode ficar com medo de votar uma coisa que seja ruim do ponto de vista eleitoral, por isso é fundamental termos uma boa estratégia de enfrentamento”. 

A pressão sobre os deputados da bancada ruralista já é uma das iniciativas em curso, com o mote “Se votar, não volta”. Caso o PL entre na pauta da Câmara, a vinculação da figura dos parlamentares ao avanço do uso de agrotóxicos promete se intensificar nas bases eleitorais de cada um. 

Figuras públicas, artistas e influenciadores se somam ao coro pela produção de alimentos sem o uso de venenos. Em um vídeo publicado nas redes sociais, a chef de cozinha Bela Gil convida a população a se manifestar contra a aprovação do PL. 

“[…] eu estou aqui pra fazer esse apelo para vocês também falarem sobre isso, que não estão mais a fim de agrotóxicos nas plantações, que consequentemente vai para o prato, vai para a terra, e acaba com a nossa saúde, com a saúde do planeta. A gente precisa, na verdade, cada vez mais regulamentar o uso dos agrotóxicos, e não liberar dessa maneira como está sendo feito”, afirmou.   

O PL da comida de verdade

Na contramão do PL do Veneno, centenas de entidades do campo e da cidade, ligadas à produção e à defesa da agroecologia, da saúde pública, da ciência e da natureza defendem a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, a PNaRA (PL nº 6.670/2016). 

Entre as medidas propostas pelo PL está a redução gradual do uso de agrotóxicos e o estímulo à transição orgânica e agroecológica; a reavaliação periódica de registro das substâncias (na legislação atual, o registro é eterno); a proibição da aplicação de veneno próximo a áreas de proteção ambiental, de recursos hídricos, de produção orgânica e agroecológica, de moradia e de escolas; e a redução da pulverização aérea. 

Inauguração da placa “Aqui não usamos veneno” na lavoura de Alik Wunder, integrante da Aliança em Prol da APA da Pedra Branca, Caldas (MG) / Foto: Arquivo pessoal 

A engenheira agrônoma Fran Paula, integrante da Federação de Órgão para Assistência Social e Educacional (FASE) e da Campanha Contra os Agrotóxicos, frisou a necessidade de combinar a resistência contra o Pacote do Veneno com a pressão pela aprovação do PNARA. 

“Precisamos reforçar a nossa atuação pela PNARA. A sociedade precisa saber que a gente tem uma proposta concreta para a regulamentação de agrotóxicos no Brasil e contrária ao Pacote do Veneno”, garantiu a agrônoma, lembrando que este PL foi construído a partir da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), há cerca de 10 anos, com ampla participação social.       

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