Causa Operária entrevista Susana Prizendt, coordenadora da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos no estado de São Paulo, iniciativa da qual participam vários movimentos sociais
22 de outubro de 2012
Causa Operária: Qual é o objetivo da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos?
Susana Prizendt: Em nome da Campanha, gostaria de agradecer a oportunidade oferecida pelo jornal Causa Operária, já que é muito difícil conseguirmos espaço na grande mídia e todo espaço aberto é importante para fomentar o debate com a sociedade. A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida é uma iniciativa da qual fazem parte vários movimentos de diferentes áreas, porque o assunto é um tanto complexo. Nós temos entre nós pessoas ligadas aos direitos humanos, porque é um direito básico à alimentação segura da população que está em jogo; dos movimentos campesinos, que reivindicam melhores condições de trabalho no campo e um sistema de distribuição de terra mais justo; da área da saúde e da ciência, que podem fundamentar cientificamente o quanto os agrotóxicos fazem mal a saúde; e também pessoas ligadas aos movimentos ambientalistas porque o meio ambiente realmente está sendo extremamente exposto a danos. Queremos alertar a sociedade sobre a situação calamitosa no campo com o uso completamente abusivo dos agrotóxicos no cultivo.
Causa Operária: O Brasil se tornou tricampeão mundial em uso de agrotóxicos e vice-campeão mundial em plantio de transgênicos. Como isso aconteceu?
Susana Prizendt: Desde a crise [capitalista] de 2008, aconteceu um duplo movimento no mundo. Na maioria dos países desenvolvidos houve uma movimentação e cobrança maiores dos movimentos sociais que exigiram dos governos o endurecimento das leis contra os agrotóxicos e o uso de transgênicos. Vários países já têm leis que proíbem certos princípios ativos e fortes reivindicações para uma regulação mais rigorosa dos transgênicos.
No Brasil, as políticas públicas favorecem os agrotóxicos, que chegam a usufruir de isenção fiscal para comercialização. O governo exige que os agricultores apresentem nota fiscal de agrotóxicos, adubos químicos e sementes para liberar o financiamento público, estabelecendo, assim, a obrigação de comprar o pacote básico de produção imposto pelas multinacionais.
A bancada ruralista do Congresso, representante dos latifundiários, o setor mais retrógrado da sociedade, e das multinacionais, representa essa política e torna o governo refém dos seus interesses.
A partir de 2008 houve um grande deslocamento de capitais dos países desenvolvidos, onde a economia tinha entrado em colapso, para os mercados especulativos de commodities. A produção de matérias primas nos países emergentes e atrasados ficou muito interessante para a obtenção de altos lucros pelas multinacionais do setor do agronegócio. O Brasil tornou-se um lugar ideal para escoar a produção de venenos e sementes transgênicas.
Causa Operária: Alguns princípios ativos que são utilizados no Brasil já foram banidos em vários outros países. Por que isso está acontecendo?
Susana Prizendt: Muitos desses princípios foram banidos em outros países devido à organização mais sólida dos movimentos sociais e dos próprios consumidores. Aconteceu nos últimos tempos um enrijecimento das leis e das concessões, devido à comprovação dos seus malefícios e esses princípios acabaram sendo proibidos em países dos mais diversos tipos, desde a França até o Paraguai.
No Brasil não haviam acontecido ainda amplas mobilizações da sociedade contra as atividades depredadoras do agronegócio. Por isso a urgência da criação da Campanha. O Brasil está começando a acordar, embora muito tarde, para a gravidade da situação. Uma das principais bandeiras, como reinvindicação mínima em torno da qual esperamos agrupar os movimentos sociais, é que estes princípios ativos sejam proibidos no Brasil. Estamos promovendo um abaixo-assinado com o objetivo de pressionar o governo.
Causa Operária: Como funcionam as politicas públicas de incentivo ao uso dos agrotóxicos e transgênicos no Brasil?
Susana Prizendt: Temos um sistema que é muito cruel, pois as empresas, geralmente ligadas aos grandes grupos multinacionais, ficam apenas com a parte do favorecimento, como a isenção fiscal, ajuda para instalar sua rede de distribuição de venenos e outras facilidades para favorecer o domínio pleno do mercado brasileiro. Mas elas não respondem pelos problemas que geram, como os inúmeros problemas de saúde pública, que são cobertos com dinheiro público, sem contar os gravíssimos problemas ambientais, que praticamente são ignorados.
A lógica foi totalmente invertida. Estamos o tempo todo correndo atrás de reparações dos danos causados em vez de correr atrás de impedir que esses danos sejam gerados para a população e o meio ambiente.
Causa Operária: Como as multinacionais influenciam as politicas de incentivo de agrotóxicos e transgênicos?
Susana Prizendt: As multinacionais no Brasil têm uma associação muito forte com os grandes produtores brasileiros desde o final da década de 1990. O sistema político brasileiro está atrelado às multinacionais. Aqui, nós não temos um sistema público de financiamento das campanhas eleitorais; existe um sistema de financiamento privado que permite doações das grandes empresas. Para se eleger um deputado ou qualquer outro profissional para um cargo político, os partidos recorrem aos poderes econômicos com base nas multinacionais, o que torna a troca de favores algo natural. Isso acontece tanto no legislativo como no executivo. Temos a submissão destes políticos aos interesses das multinacionais e a legislação acaba sendo conivente com esses interesses.
Causa Operária: Quais foram as mudanças nas políticas implementadas pelos governos do PT em comparação com os governos do PSDB?
Susana Prizendt: A primeira coisa que acho importante reforçar é que os governos não são só do PSDB ou só do PT, eles são governos de coalisão. Tanto o PSDB, quando se aliou ao DEM, como o PT, que se aliou ao PL ou PMDB, ficaram sujeitos a setores super-reacionários, como por exemplo, os que representam o agronegócio. Incluindo aí os antigos coronéis que querem manter privilégios exorbitantes. Os representantes mais de esquerda, dos movimentos sociais, que reivindicam melhores condições tanto para os camponeses como para a população em geral, têm perdido muita força no governo devido a essas coalisões. Por isso é importante que a sociedade sempre se mobilize e cobre do governo as suas reinvindicações contra os interesses dos ruralistas e das multinacionais. Neste sentido, a atuação de movimentos como o MST, por exemplo, é importante para lutar por uma reforma agrária decente, como já foi feita em grande parte dos países desenvolvidos.
Causa Operária: Como os agrotóxicos estão afetando a nossa saúde e o meio ambiente?
Susana Prizendt: É uma vastidão de problemas que os agrotóxicos causam tanto na saúde do ser humano diretamente como no meio ambiente em geral.
Na saúde humana, entre os que já foram pesquisados, os mais conhecidos são os efeitos neurológicos que afetam a parte psíquica do ser humano, intensificando a ocorrência de transtornos variados que se têm agravados nos últimos anos. Também na parte endócrina, porque certas substancias mimetizam as substâncias dos hormônios. Elas acabam desregulando completamente o sistema hormonal, gerando problemas sérios. Mas o grande problema de saúde pública tem sido o aumento do câncer, que nos últimos anos tem se deslocado de alguns órgãos em que antes eram mais comuns, como por exemplo, o pulmão, para a parte digestiva como pâncreas, intestinos, tireoide, entre outros. O que está diretamente ligado à alimentação com volumes absurdos agrotóxicos.
No meio ambiente todas essas substâncias tóxicas não somem. Por exemplo, quando são usados aqueles aviões agrícolas para pulverizar lavouras, não se tem o menor controle de onde vão parar esses venenos. Eles são carregados pelo vento e pela água da chuva, penetrando no solo e atingindo o lençol freático, ou seja, se espalham por todo o planeta. Existe relato de venenos até nas geleiras. Então a partir do momento que essas substâncias entram no meio ambiente, o ser humano não tem mais controle sobre elas, sendo também ingeridas pelos animais selvagens.
No Brasil temos visto o uso crescente de veneno ao ponto de se chegar a um consumo de cerca de 1 bilhão de litros em um ano. É algo assustador. Se formos dividir isso por habitante, dá uma média de 5,2 litros de veneno para cada. Não que cada pessoa consuma diretamente isso, mas acaba entrando no meio ambiente e em nosso organismo.
Causa Operária: As pesquisas científicas sobre os agrotóxicos e transgênicos são confiáveis?
Susana Prizendt: Existem dois tipos de pesquisas. A maior parte delas é financiada ou autorizada pelas multinacionais, porque envolve a necessidade de usar os produtos registrados por estas empresas. Muitas vezes estão envolvidas leis sobre sigilo e royalties e é necessária uma autorização formal delas, que tentam autorizar apenas as pesquisas que possam controlar e manipular.
As pesquisas independentes são muito boicotadas e raras. É muito mais difícil divulgar os resultados e fazer com que sejam aceitas, pois as multinacionais montam campanhas enormes contra. Normalmente não há recursos destinados para estas pesquisas.
O patrocínio das multinacionais busca resultados favoráveis, pois está obviamente vinculado à venda dos produtos que oferecem.
Causa Operária: No Brasil, há pesquisas independentes das multinacionais?
Susana Prizendt: Por serem pesquisas caras e longas, que exigem equipamentos sofisticados, laboratórios, equipes de trabalho qualificadas etc., ocorrem em número insuficiente no Brasil e não dão conta do volume de testes e estudos que realmente deveriam ser feitos, pois os efeitos são muito variados e há muitos princípios ativos envolvidos. Inclusive, não há estudos que mostrem a relação entre os princípios ativos entre si. Não se sabe o que a interação entre eles pode causar. Além de o setor ser pequeno e com poucos recursos, as multinacionais tentam inviabilizá-lo, principalmente por meio de ataques jurídicos, engessando e processando quem tenta fazer algum tipo de pesquisa independente, ou tentando intimidar os cientistas.
Causa Operária: Existe um mito de que para alimentar a população mundial é necessário produzir com veneno. Ouvimos a senadora ruralista Katia Abreu defender que “pobre tem que comer comida envenenada”. É possível produzir alimentos suficientes sem o uso de agrotóxicos e transgênicos?
Susana Prizendt: A Campanha sempre está mostrando para as pessoas que na verdade acontece o inverso. Se insistirmos nesse sistema produtivo baseado na monocultura, no uso crescente de venenos e transgênicos, na concentração de terra, nós não vamos conseguir alimentar mesmo a humanidade, como, de fato, hoje já não se consegue.
O modelo monocultor enfraquece a terra, gera super pragas resistentes nunca vistas antes. É um sistema que simplesmente produz commodities que são negociadas nos mercados futuros para especulação. Não é um sistema que está preocupado em produzir comida.
Atualmente, a comida está sendo produzida pela agricultura familiar, em condições precárias e quase sem apoio do poder público. Somente será possível alimentar tanto a população atual como a futura se os investimentos forem direcionados para produção de alimentos nutritivos e não para alimentar os lucros de um punhado de especuladores.
Escutamos os representantes do agronegócio falando em produtividade, mas ela se resume nas toneladas de soja, de cana de açúcar e de milho. Isso vai perpetuando um sistema que não é sustentável porque mesmo que se diga que a soja é usada para alimentar animais que serão futuramente comida para os seres humanos, a quantidade de terra necessária para produzir soja para alimentar esse gado poderia estar produzindo muito mais comida para muito mais pessoas, sem provocar tantas doenças nem depredar o meio ambiente, como ocorre nas monoculturas repletas de veneno.
Segundo a ONU [Organização das Nações Unidas], mais de um bilhão de pessoas passam fome no mundo. O que demonstra que a distribuição de alimentos é desigual. Em relação à distribuição de carne, se olharmos o mapa do mundo, não são todos os países que a consomem em quantidade. Apenas uma minoria consome carne habitualmente.
Considerando o transporte, quando pensamos num sistema que é montando para produzir etanol através do milho ou da cana, esse sistema está usando terras que poderiam estar sendo usadas para a produção de alimentos. E quem está usando esse etanol? Bilhões de pessoas no mundo ainda não têm o seu próprio carro e nem irão tê-lo porque o planeta não suportaria o impacto. Quer dizer que vivemos num sistema elitista, que mantém privilégios para uma minoria e que condena, cada vez mais, um enorme número de pessoas à falta de comida, à desnutrição, à fome e à morte. É um sistema assassino. Além de tudo isso, não fazemos a menor ideia do que ele irá acarretar de problemas ambientais, com as mudanças climáticas e com a diminuição da biodiversidade através dos transgênicos e dos venenos promovidos pela monocultura.
O desiquilíbrio ambiental já está sendo violento e não sabemos nem mesmo se será possível produzir as próprias espécies transgênicas, como vimos recentemente na quebra da safra do milho e da soja transgênicos nos EUA que não resistiram à pior seca dos últimos 50 anos.
Causa Operária: Quais seriam as alternativas às políticas que incentivam o modelo de monocultura devastador?
Susana Prizendt: Seria necessário que houvesse uma inversão. Hoje em dia a mão de obra não é formada para atuar fora do modelo devastador. Não temos agrônomos preparados para trabalhar com a terra. Eles não sabem produzir de maneira orgânica. Se você simplesmente tirar os agrotóxicos do processo, isso não basta para a realização do equilíbrio necessário para uma produção orgânica. A produção orgânica é aquela que realmente entende a terra, que sabe quando a terra está equilibrada, que sabe intercalar as culturas, que trabalha com o ecossistema, com o clima local.
Seria necessário que as políticas públicas estivessem direcionadas a investir na formação técnica independente dos interesses das multinacionais e dos latifundiários. Os camponeses precisam de assessoria técnica, equipamentos, boas terras e financiamento. A agroecologia quase não tem financiamento. No Brasil, o governo investe bilhões na agricultura depredadora de exportação que transforma o País num mero produtor de umas poucas matérias primas. Em resumo, o governo investe em uma agricultura que não busca produzir alimentos para o povo brasileiro e sim para o mercado especulativo, e esse dinheiro vai parar na mão de uma minoria que seria a elite da elite. Ou seja eles ficam com o lucro e socializam o prejuízo com a população. Nós buscamos mobilizar a sociedade para se opor a essas políticas.
Causa Operária: Você gostaria de acrescentar algo mais?
Susana Prizendt: Eu gostaria de convidar as pessoas para terem um envolvimento maior com a Campanha. Temos comitês distribuídos no País inteiro. É uma campanha nacional, composta por movimentos como o MST, FioCruz, Via Campesina e Abrasco. A questão é urgente, não dá para adiar mais. As consequências já são terríveis e vão ser cada vez piores. Principalmente porque a tendência é o aumento da concentração de capitais nos países emergentes devido ao aumento da crise nos países mais ricos. Convidamos as pessoas a conhecerem nosso site, toxicos.org. Ele conta com muitas informações sobre o assunto. Sempre estamos preparando materiais informativos para esclarecer a população sobre o tema. Coisa que a grande mídia não faz e que é vital para garantir o direito à alimentação segura e ao ambiente preservado.