Por Daniel Giovanaz
Do Brasil de Fato
Bela Vista de Goiás (GO), região metropolitana de Goiânia (GO). Em plena pandemia, profissionais de saúde do Hospital Antônio Batista da Silva são surpreendidos às 8h30 por dois ônibus que traziam 60 trabalhadores rurais com sintomas de intoxicação por agrotóxicos.
A cena ocorreu na manhã da última sexta-feira (7), após um avião pulverizador de agrotóxicos sobrevoar a plantação onde eles trabalhavam. Ao todo, 47 pessoas precisaram de atendimento. Uns estavam desmaiados, outros vomitavam, e a maioria relatavam dores de cabeça e tontura.
Se, por um lado, todos já receberam alta, o episódio evidenciou um problema crônico da região: o abuso de veneno pelos latifundiários da região.
“Os trabalhadores vieram de Morrinhos [a 130 km de Goiânia]. Eles estavam na fazenda vizinha, que estava com manejo do milho. Aí, passou o avião pulverizando. Foi então que eles passaram mal”, afirma Saulo Reis, da coordenação executiva da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Goiás.
A reportagemnão conseguiu confirmar até o momento, junto à CPT, aos sindicatos locais e ao hospital, qual a substância que atingiu os trabalhadores nem o nome da fazenda responsável pela pulverização.
O aumento dos casos de intoxicação está ligado a uma mudança no perfil de ocupação da área. Há pouco mais de cinco anos, segundo Reis, os aviões pulverizadores começaram a fazer parte da paisagem.
“É uma região que tem muitos agricultores familiares, famílias camponesas. De um tempo para cá, alguns passaram a arrendar suas terras, porque a soja, que está em todo lugar, também está chegando a Bela Vista”, relata.
“Ainda há uma produção muito grande de mel e polvilho, e essa pulverização vem causando transtorno e prejuízo a essas famílias. O avião, quando faz a pulverização, passa sobre as casas”, lamenta Reis.
Em 2018, Goiás registrou 475 intoxicações por agrotóxicos. Em 2019, o número subiu para 516.
O total de 2020 não foi atualizado pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Goiás. O que se sabe é que 18% das intoxicações até outubro foram causadas pelo veneno glifosato. Nesse período, houve 99 tentativas de suicídio com agrotóxicos, 76 intoxicações acidentais e 66 ocupacionais, enquanto o veneno era aplicado.
Das 99 tentativas de suicídio com agrotóxicos em 2020, cinco evoluíram para óbito, três delas por glifosato.
Nos dois primeiros anos de mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o Brasil quebrou recordes de liberação de novos agrotóxicos. Em 2019, foram 474. Em 2020, o número subiu para 493. Ao todo, são mais de mil.
Problema estrutural
A CPT denunciou a situação em janeiro, quando moradores, produtores, nascentes, plantações e colmeias de abelhas foram atingidos em comunidades rurais dos municípios de Bela Vista da Goiás, Caiapônia e Santa Helena.
Em vídeos e fotos, é possível ver a aplicação do agrotóxico nas proximidades das criações usadas para subsistência e o estrago causado pelo veneno às colmeias.
“O vídeo mostra que o avião vem no rumo das crianças. Também mostra ele passando sobre a floresta onde temos as abelhas. Também não há respeito nenhum sobre as nascentes, os córregos, as florestas”, diz o apicultor Isidoro Revens.
“É uma situação gravíssima. E, muitas vezes, esses produtores misturam dois ou três agrotóxicos ao pulverizar. A intoxicação pode estar ligada a essa forma como o agrotóxico lida com esses produtos”, completa.
Revens, que conhece a região há décadas, diz ter informação de que a pulverização que causou as 47 intoxicações foi realizada em uma plantação de soja, com um avião alugado.
Em Bela Vista de Goiás, mais de 1,8 milhão de abelhas cultivadas nas comunidades de Furado, Barro Amarelo e São Bento já foram exterminadas, e o estrago ainda não foi totalmente mensurado. O veneno que teria sido utilizado nas imagens citadas, chamado Perito, é proibido para uso aéreo.
Saulo Reis afirma que os casos de intoxicação tem aumentado na região por conta de irregularidades na aplicação do agrotóxico. A pulverização aérea ainda é permitida em Goiás, mas o uso é proibido próximo a residências, matas e mananciais.
Para o integrante da CPT, o ideal seria vetar por completo a pulverização. Porém, se as normas do Ministério da Agricultura forem respeitadas, casos extremos como o de sexta-feira podem ser evitados.
“Politicamente, o momento é desfavorável no estado de Goiás. A maioria dos deputados estaduais, ou são grandes fazendeiros, ou são pessoas ligadas a eles, que defendem cegamente a pulverização aérea. Então, se não puder proibir essa prática, que pelo menos se cumpra a legislação. Esses casos que estamos denunciando são flagrantes desse desrespeito”, finaliza.
O Brasil de Fato continua acompanhando o caso. A matéria pode ser atualizada em breve com informações sobre o fazendeiro responsável pela pulverização aérea que causou as intoxicações na última sexta.
Edição: Rebeca Cavalcante