Paulo Pinto: hortifrutigranjeiros podem conter resíduos e prejudicar a saúde

Especialista em gestão de resíduos orgânicos e professor do Departamento de Tecnologia e Ciências Sociais (DTCS) do Campus III da UNEB, Paulo Augusto da Costa Pinto revela que no Mercado do Produtor de Juazeiro, considerado o quarto maior do país, e em Petrolina, não há registros de análises de resíduos de seus produtos hortifrutigranjeiros. Para o pesquisador, alguns produtos podem ter resíduos e causar danos à população.

Entrevista publicada em Ciência e Cultura Agência de Notícias em CT&I, da Universidade Federal da Bahia (Ufba)*.


Ciência e Cultura – O Brasil é um dos países que mais utilizam agrotóxico. O que isso revela em relação ao futuro na agricultura?

Paulo Pinto – Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Se essa forma não inteligente de produção agrícola persistir, os resultados em termos de saúde da população serão cada vez mais desastrosos. No entanto, é crescente o nível de conscientização das pessoas sobre os efeitos danosos dos agrotóxicos, sobretudo quando utilizados indiscriminadamente. Esta conscientização já notada em muitas partes do país, inclusive em nossa região. E isso poderá sinalizar para dias melhores, não sendo, entretanto, fácil a mudança do paradigma assumido nas últimas décadas, face aos interesses das empresas dos agrotóxicos no Brasil.

De que forma tem sido o impacto do uso de agrotóxicos no Vale do São Francisco?
Na região do Vale do São Francisco, conforme tese de doutorado da doutora Cheila Bedor, em 2008, é notório o uso abusivo de agrotóxicos, de forma desordenada. Foi constatado que 23% dos trabalhadores rurais não têm orientação para a compra dos agrotóxicos. Os vendedores desses produtos não estão devidamente preparados para orientá-los, já que 21% dos produtos são indicados erroneamente por esses vendedores, quando comparado ao que recomenda o Mapa, enquanto apenas 22% têm sua indicação correta e 54% não são especificadas. Há produtos indicado por algumas lojas para ser utilizado nas culturas de cebola, manga e tomate, quando a correta indicação do Mapa é para as culturas de algodão, feijão, milho, soja e trigo. Além disso, apesar da obrigatoriedade do receituário próprio, prescrito por profissionais legalmente habilitados, prevista no artigo 13 da lei brasileira de agrotóxicos, ainda há um número significativo 12% de lojas na região sem cumpri-la, número esse que deve ser bem maior, uma vez que 78% dos agricultores dizem não utilizar o receituário na hora da compra.

De acordo com a lei, os agrotóxicos só podem ser utilizados no país se tiverem um registro em órgão federal competente. Mas o relatório da Anvisa mostrou a presença de pirimifós-etílico em pepino e triclorform em cenoura, agrotóxicos não registrados no país, em duas amostras, em Minas Gerias e Bahia. Em sua opinião, no vale há um controle sobre o uso de agrotóxicos?
Sim, no que se refere às fazendas de médio e de grande porte que exportam seus produtos para a Europa, Estados Unidos e outras regiões. A tolerância dos mercados externos especificados é quase zero no que concerne aos resíduos de agrotóxicos nas frutas e hortaliças, sob pena de o exportador e, ou, produtor exportador perder tudo que foi enviado e ainda pagar para incinerar a carga, se essa não atender às especificações do mercado comprador. No que se refere às pequenas propriedades, de um modo geral não há qualquer controle quanto ao uso de agrotóxicos, pois não há, em muitos casos, quem recomende ou quem fiscalize seu produto final comercializado nos Mercados dos Produtores de Juazeiro e de Petrolina. No Mercado do Produtor de Juazeiro, considerado o quarto maior do país, e no de Petrolina não existem registros de análises de resíduos de seus produtos hortifrutigranjeiros, o que é um tremendo absurdo. Produtos à base de inseticida nematicida carbamato sistêmico, de alto poder toxicológico e carcinogênico, dentre outros, que, embora não seja registrado no Mapa para tais culturas pela alta toxicidade e longo período de carência entre a sua aplicação e a colheita de frutos, são aplicados nos cultivos de melão, melancia, cebola, etc., oferecendo risco potencial à saúde das populações do Vale do São Francisco.

Em relação aos agrotóxicos proibidos, porque ainda são utilizados, deve-se a relação custo beneficio, serem mais baratos ou eficientes? E quais os prejuízos do uso para a saúde humana e meio ambiente?
O governo federal concede redução de 60% da alíquota de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a todos os agrotóxicos. A última prorrogação do Convênio estendeu o benefício até 31 de dezembro deste ano. Além disso, o Decreto 6.006/062 isenta completamente da cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), os agrotóxicos fabricados a partir de uma lista de dezenas de ingredientes ativos, incluindo alguns altamente perigosos como o metamidofós e o endossulfam, que recentemente tiveram o banimento determinado pela Anvisa. Na realidade, apesar de todos os incentivos, o agrotóxico não é barato. É disponível e arrasa em curto prazo as pragas e doenças, muitas vezes de modo avassalador, matando os agentes tornados pragas e doenças e seus inimigos naturais, além de poluir a terra, o ar, as fontes de água, os alimentos e trazendo enfermidades ao ser humano.

Quanto aos agrotóxicos já autorizados, realmente são eficazes para estes alimentos?
Geralmente sim, mas, como são produtos xenobiontes, estranhos à vida, frutos das últimas guerras mundiais adaptados à agricultura, não são as melhores alternativas à agricultura. Existem outras formas de se produzir alimentos de forma segura, sustentável, sem uso de agrotóxicos. Assim, o nosso país em 2006 já dispunha de 800 mil hectares e 15 mil produtores com agricultura orgânica, sem veneno. No mundo são mais de 35 milhões de hectares com orgânicos, sendo uma prova de que é possível produzir de forma sustentável, comprometida com a preservação da vida no planeta.

De acordo com o relatório da Anvisa, as amostras insatisfatórias com níveis de agrotóxicos acima do com níveis de agrotóxicos acima do Limite Máximo de Resíduos evidenciam sua utilização em desacordo com as determinações presentes nos rótulos e bulas: maior número de aplicações, quantidades excessivas de agrotóxicos aplicados por hectare, por ciclo ou safra da cultura, e não cumprimento do intervalo de segurança. Como fiscalizar o uso? A quem compete? Como levar essas discussões à sociedade?
Primeiramente, cada cidadão deve ser um fiscal. Conscientizar-se disso, até porque sua vida está envolvida. Todos nós estamos envolvidos. Além disso, a Lei 7.802, de 11 de julho de 1989, estabelece no seu Art. 9º, inciso IV, que é competência da União “controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação” e, no seu Art. 10º que o Distrito Federal tem a competência de fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno” dos agrotóxicos. Outros segmentos, como o Estado e o Município também têm competência estabelecida pela mesma Lei 7.802, de 11 de julho de 1989 nos Artigos 10º e 11º no que respeita à fiscalização do uso de agrotóxicos. A discussão do assunto deve ocorrer em todos os níveis e espaços, desde as escolas, empresas agropecuárias, câmaras de vereadores, assembléias legislativas e o Congresso Nacional, em toda mídia.

Quais benefícios trarão para a agricultura brasileira a utilização de produtos como feromônios, fungos, bactérias e insetos destinados ao controle biológico de pragas?
Esses produtos podem proteger às futuras gerações, com melhor conservação do solo contra erosão, proteção à qualidade da água e alimentos sem resíduos de agrotóxicos. Com isso, melhora a saúde dos agricultores e teremos alimentos com sabor natural e com melhor estado nutricional.

*Entrevista concedida a Karine Nascimento, estudante do curso de comunicação social/jornalismo em multimeios (Campus III da UNEB, em Juazeiro)

Foto (home): Reprodução

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