Manutenção de isenções fiscais para agrotóxicos revelam descaso dos estados diante da crise de saúde
Sobretudo em momento de colapso do SUS pela propagação da pandemia de covid-19, é um contrassenso que o país permaneça estimulando, via benesses fiscais, o uso de produtos tóxicos que provocam internações por intoxicações crônicas ou agudas. Mas foi exatamente isso que os estados fizeram na manhã desta sexta-feira (12), ao renovarem novamente as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97, na reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Só de não arrecadação, os cofres públicos perdem cerca de R$6 bilhões a cada ano. A renúncia fiscal apenas do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) no Rio Grande do Sul daria para cobrir mais da metade do déficit orçamentário do estado em 2017. Já no Mato Grosso, esse valor representa 66% de todo o orçamento da saúde estadual.
Acrescente a esta conta, paga por todos nós brasileiros, os gastos ambientais e sociais decorrentes dos impactos dos agrotóxicos, em um contexto de austeridade orçamentária provocada pela Emenda Constitucional nº 95/2016, que encolheu em R$20,19 bilhões os recursos para a saúde em 2019.
Não é verdade que “agrotóxicos são um mal necessário” para a cesta básica não encarecer (ainda mais). Soja, milho e cana receberam 82% de todo o volume de venenos agrícolas aplicados no Brasil em 2015. Assim como relatórios da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) já demonstraram que a devida tributação dos agrotóxicos recairá sobretudo para grandes exportadores, que já são beneficiados por outros incentivos e benefícios no sistema tributário nacional, como é o caso das desonerações para exportações e do financiamento por bancos públicos.
Renovações fiscais a agrotóxicos afrontam princípios constitucionais da prevenção e precaução e o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Não faltam evidências do absurdo. No último ano, o ministro Edson Fachin afirmou a inconstitucionalidade das isenções fiscais para agrotóxicos, em julgamento da ADI 5553, ajuizado pelo PSOL e aguardado pela sociedade brasileira desde 2016. Mas, a pedido do ministro Gilmar Mendes, mais uma vez, foi adiada a decisão sobre o tema.
Também o Tribunal de Contas da União (TCU), no Relatório de Auditoria 028.938/2016-0, afirmou que ao reduzir o preço dos agrotóxicos por meio de renúncia tributária, “o governo brasileiro incentiva o uso de agrotóxicos e atua de forma contraditória e contraproducente aos objetivos das políticas que buscam garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos”.
Instituições científicas já se posicionaram, relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direito à Alimentação Adequada e de Resíduos Tóxicos já se posicionaram, mas governadores e secretários de fazenda continuam a renovar o Convênio, a portas fechadas, e sem participação da sociedade civil. Se a eleitora ou eleitor fosse perguntado se acha fundamental incentivar produtos que causam mal à saúde das pessoas e do meio ambiente e que servem aos lucros dos exportadores de commodities, qual seria a resposta?