Agriculturas sem venenos: a Agroecologia aponta o caminho

Por Denis Monteiro

O campo agroecológico brasileiro, mobilizado na Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), pode contar com apoios importantes na sua luta política para mostrar que a Agroecologia é um caminho promissor para o futuro. Vários estudos, realizados por setores da Organização das Nações Unidas (ONU) e por equipes internacionais de pesquisadores independentes, confirmam que sistemas de produção desenhados e manejados de acordo com os princípios da ciência da Agroecologia têm muitas dimensões positivas: altas produtividades por área, estabilidade e resiliência, ou seja, são capazes de resistir a estresses ambientais, chuvas torrenciais e secas, comuns em nossa época de mudanças climáticas. Estes sistemas conservam a biodiversidade nativa e cultivada, usada livremente pelas comunidades, recuperam os solos, protegem e usam com responsabilidade as águas.

Além disso, geram trabalho digno no campo, democratizam a riqueza gerada pela agricultura e atuam na superação da pobreza rural, pois fortalecem a agricultura familiar camponesa e promovem maior autonomia dos agricultores frente aos mercados, seja de insumos, seja na comercialização da produção.

Os estudos mostram também que experiências construídas seguindo os princípios da Agroecologia promovem circuitos curtos de comercialização de alimentos, com muito mais diversidade do que nos impérios alimentares que empobrecem as dietas e fazem a comida viajar grandes distâncias dos campos até os consumidores. Com a Agroecologia é possível produzir alimentos saudáveis, de alto valor biológico, pois cultivados em agroecossistemas cheios de vida, e livres de agrotóxicos e transgênicos.

As pesquisas fortalecem a riquíssima rede que vem sendo tecida com muita sabedoria, garra e organização por agricultores e agricultoras familiares, assentados da reforma agrária, comunidades quilombolas, indígenas, populações tradicionais de extrativistas, castanheiros, seringueiros, quebradeiras de côco babaçu, faxinalenses, gente dos fundos de pasto, vazanteiros, geraizeiros, catadoras de mangaba, ribeirinhos, pescadores, agricultores urbanos, entre outros povos, e as organizações da sociedade civil e de órgãos governamentais que os apóiam e assessoram. Em nosso sistema de informação “Agroecologia em Rede” (www.agroecologiaemrede.org.br) temos mais de 700 experiências coletivas cadastradas, e sabemos que esta é uma mostra pequena do que tem espalhado por este país, em todos os ecossistemas e rincões. Outra mostra muito rica e significativa dessa diversidade está na revista “Agriculturas: experiências em Agroecologia”, editada desde 2004 pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia (www.aspta.org.br).

Evidências: enfrentando os mitos

No Rio Grande do Sul, onde o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) trabalha há 12 anos com a produção de arroz ecológico, somente numa região, na safra 2010/2011, foram colhidas 344 mil sacas de arroz ecológico em 3.000 hectares (ha), envolvendo 16 assentamentos de reforma agrária em 11 municípios. Sem nenhuma gota de veneno, usando fertilização orgânica e criando peixes nos campos de arroz.

No Maranhão, sistemas tradicionais de arroz de vazante em assentamentos alcançam produtividade média de 5.840 kg/ha, mais do que o dobro da produtividade da região nordeste, sem o uso de agroquímicos. Alguns agricultores tiveram, em pequenas áreas cultivadas (0,3 a 0,6 ha), produtividade de 14 ton/ha.

Pesquisas com feijão comum (Phaseolus vulgaris) em sistemas agroecológicos com variedades crioulas, desenvolvidas pela Embrapa Arroz e Feijão, em Goiás, apontam uma produtividade 2,4 ton/ha. No Paraná, a produtividade média do feijão em sistemas agroecológicos avançados é de 3 ton/ha.

Também no Paraná, sistemas agroecológicos alcançam a produtividade de 9 ton de milho por hectare, utilizando adubação verde, fertilização com matéria orgânica e pós de rocha, e variedades crioulas.

Estes dados mostram como a produtividade da terra em sistemas agroecológicos é satisfatória, na maioria dos casos superior ao manejo agroquímico, mesmo se considerada apenas uma cultura. Em todos os casos, os custos de produção, com insumos de fora das unidades produtivas, é muito menor nos sistemas agroecológicos do que nos convencionais. Nestes, a tendência é de aumento dos custos de produção e diminuição da produtividade, porque os insumos estão ficando mais caros e porque os agroecosssistemas vão perdendo fertilidade. Como dizem os agricultores, a terra vai ficando fraca, vai cansando. Em sistemas agroecológicos, acontece exatamente o contrário.

Mas os dados levantados acima deixam de fora um aspecto muito importante: sistemas agroecológicos trabalham com diversidade, integração de criação animal e cultivos, policultivos e sistemas agroflorestais, além do agroextrativismo dos frutos nativos.

No Agreste da Paraíba, uma pesquisa identificou 55 etnovariedades de trễs espécies de feijão: comum, de corda (ou macassa) e fava. Nessa mesma região, a partir de critérios estabelecidos pelos próprios agricultores, as variedades locais de milho se mostraram superiores às variedades comerciais desenvolvidas pela Embrapa, em produção de grãos, de biomassa, sabor, resistência a insetos no campo e no armazenamento, entre outros indicadores. A pesquisa foi desenvolvida pela Embrapa Tabuleiros Costeiros em parceria com organizações locais. Na Paraíba, as variedades locais são conhecidas como Sementes da Paixão.

No semiárido brasileiro, desde 2003 foram adquiridas, via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), mais de 536 toneladas de sementes de variedades locais, beneficiando 23.000 famílias. Mas o governo federal insiste em distribuir, no Programa Brasil Sem Miséria, sementes de poucas variedades comerciais, não adaptadas às condições ecológicas e socioculturais locais.

Já experiências com uso de plantas medicinais evidenciam quintais rurais e urbanos com mais de cem espécies, somente de uso medicinal. No cerrado, o conhecimento das populações tradicionais é tão vasto que a Articulação Pacari, que reúne grupos do bioma, organizou uma Farmacopeia Popular do Cerrado. No Rio de Janeiro, há mais de 100 grupos de saúde alternativa organizados na Rede Fitovida, que produzem os remédios caseiros com as plantas cultivadas em sítios e quintais. Além de serem usadas para tratamento humano, em farmácias caseiras e comunitárias que tem impactos muito positivos nas comunidades, as plantas tem também uso veterinário e no combate a insetos e fungos das plantações. Estas experiências são conduzidas em sua ampla maioria por grupos de mulheres.

Trabalhos desenvolvidos na zona da mata de Minas Gerais pelos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e pelo Centro de Tecnologias Alternativas (CTA), nos “mares de morro”, áreas de relevo acidentado, demonstram o potencial dos sistemas agroflorestais (SAF’s) numa região que tem no café o principal cultivo comercial. Num estudo comparativo, o café produziu, em sistema agroquimico, 34,9 sacos/ha, enquanto o agroflorestal produziu 21,2 sacos/ha. No entanto, apesar da produtividade menor, os custos de café agroflorestal foram três vezes mais baixos, e o SAF produziu ainda outras 33 espécies, para auto-consumo e mercado, o que fez com que o saldo econômico do SAF fosse superior ao do café convencional. Os grupos de mulheres da região se organizam para beneficiar a produção e levam os produtos dos quintais e SAF’s, inclusive os de origem animal, para as feiras e mercados da região. Além da motivação econômica, agricultores envolvidos em dinâmicas de intercâmbio optam pelo sistema agroecológico simplesmente porque não querem trabalhar num ambiente com agrotóxicos. Destacam também que a Agroecologia motiva mais a juventude a trabalhar na agricultura.

Estudo feito pela AS-PTA no Paraná em propriedade familiar em estágio avançado na transição agroecológica demonstra que os rendimentos brutos de feijão, milho, arroz e mandioca foram muito superiores aos sistemas convencionais da região e que, mesmo no caso da batata, onde a produção total foi menor, a rentabilidade econômica foi muito maior, em função da maximização dos fluxos de insumos internos aos agroecossistemas e dos menores custos de produção. Isso sem contar na maior diversidade de produção para auto-consumo.

No município de Anita Garibaldi, em Santa Catarina, a Associação de Agricultores Ecologistas promoveu a diversificação da produção das 42 famílias associadas, das quais 20 comercializaram, em 2010, R$ 125 mil via PAA e R$ 80 mil pelo Programa de Alimentação Escolar. Já as famílias feirantes tem uma renda média de R$ 700,00 por semana. Segundo relatam os agricultores, a renda melhorou muito entre os membros da Associação: “Quando só plantávamos milho e feijão tínhamos uma renda muito apertada para passar o ano. Agora temos também a couve, os ovos, o tomate, o leite, o mel e o melado, outras hortaliças… essa renda complementar ajuda muito e esse processo todo educou o agricultor para isso”.

Política: o desafio principal

A Agroecologia, como ciência que aplica os princípios da ecologia para o desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis, e como campo político que tem propostas alternativas concretas para a agricultura e o desenvolvimento rural, tem que enfrentar mitos e construções ideológicas erguidos pelo agronegócio. Este, para legitimar-se na sociedade como único caminho possível, desqualifica o enfoque agroecológico e a agricultura familiar como atrasados e incapazes de alimentar o mundo e promover desenvolvimento.

Justamente o agronegócio, modelo que tem gerado uma crise socioambiental de proporções gigantescas em todo o mundo, com expulsão das populações de seus territórios, desmatamentos, assoreamento de rios e nascentes, erosão e privatização das sementes, queima desenfreada de combustíveis fósseis provocando mudanças climáticas, degradação dos solos e uso massivo de agrotóxicos, agora quer apresentar suas novas propostas para, com “mais do mesmo”, resolver os problemas que ele mesmo causou .

Nos apresentam os transgênicos com a propaganda de que são a solução para a fome no mundo, dizem que é preciso privatizar a água, pois se não haverá escassez, destróem a legislação ambiental para desmatar mais e assim “produzir alimentos para o mundo”, dizem que agrotóxico é necessário para não faltar comida, e que comida deve ser comprada nos hipermercados.

É claro, às corporações que vendem sementes e venenos, aos hipermercados multinacionais, peças essenciais dos impérios alimentares, e aos latifundiários, este modelo convém perfeitamente. Os prejuízos ficam com os setores mais pobres da sociedade, com o povo que é expulso do campo e mora em condições precárias nas cidades, com o trabalhador que morre lentamente com uma bomba de veneno nas costas, com o sistema público de saúde que tem que cuidar do povo doente pelos alimentos e águas contaminados.

Talvez, para o agronegócio, a agroecologia tenha muitos pecados, para usar a excelente expressão de Eric Holt-Gimenez : fortalece a agricultura familiar camponesa, pois democratiza a riqueza gerada na agricultura; diminui a venda de fertilizantes industriais, venenos e sementes transgênicas; exige a reforma agrária, pois não existe agroecologia em latifúndio e monocultivo; ao invés de privatização, promove o uso livre, local, comunitário, democrático, da biodiversidade e das águas; produz alimentos saudáveis melhorando a sáude da população e diminuindo o lucro dos hospitais e das multinacionais do setor farmacêutico; promove circuitos curtos de comercialização de alimentos, contrários aos interesses dos impérios alimentares.

Outro pecado da Agroecologia, muitas vezes apontado por seus críticos, é que ela depende do trabalho de milhões de famílias camponesas, quer um campo com gente, recusa o trabalho alienado, pois exige atenção, cuidado, observação, experimentação, conhecimento profundo dos ecossistemas e respeito à natureza, coisas desconhecidas pela lógica do lucro e da exploração que rege a economia capitalista.

Os principais desafios da Agroecologia, como contraponto ao modelo hegemônico são, portanto, de natureza política. Para enfrentá-los, será necessário muita mobilização e resistência, que sejam fortalecidas e multiplicadas experiências nos territórios, construídas redes solidárias entre o campo e cidade, e que se lute pela democratização do Estado e a construção de políticas públicas capazes de promover a Agroecologia como o enfoque orientador para a agricultura e o meio rural, no Brasil e no mundo.

(*) Denis Monteiro é Engenheiro Agrônomo, agroecólogo, secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) Texto publicado originalmente no caderno da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.

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