Agroecologia nas eleições: estaremos chegando ao século XXI?

Por Laércio Meirelles
Da Carta Capital

Eis que antes da eleição que se aproxima surge uma iniciativa que traz o novo para a pauta dos candidatos. É a campanha “Agroecologia nas Eleições”, liderada pela ANA – Articulação Nacional de Agroecologia.

Essa importante articulação acaba de publicar um audacioso levantamento, feito em todo o País, identificando Políticas Públicas Municipais de apoio à Agroecologia. No documento “Municípios Agroecológicos e Políticas de Futuro”, 725 iniciativas foram sistematizadas, presentes em mais de 500 municípios. Esses números são uma demonstração inequívoca da capacidade do poder público municipal em dar respostas a problemas pelos quais passa a humanidade, resgatando a antiga máxima do movimento ambientalista: “pensar o global, agir no local”.

A agroecologia propõe produzir alimentos saudáveis, em quantidade suficiente e acessível à população, com menor impacto ambiental, maior justiça social e adaptação a diferentes realidades culturais. Esse mister tem como ponto de partida o planejamento das lavouras ou, no jargão agroecológico, o desenho de agroecossistemas sustentáveis. O levantamento feito pela ANA demonstra que a agroecologia não se limita a pensar a lavoura. Quer também refletir como se dá o acesso aos recursos naturais, se homens e mulheres têm os mesmo direitos, como circulam os alimentos após colhidos ou beneficiados.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) reconhece a agroecologia como um imperativo para remodelar o sistema alimentar global e enfrentar os desafios da fome, aumento da pressão sobre os recursos naturais, perda de biodiversidade e as incertezas associadas às mudanças climáticas. Mais especificamente, o documento “Agroecologia e outras abordagens inovadoras para uma agricultura sustentável”, lançado em 2019, no âmbito do Painel de Especialistas de Alto Nível em Segurança Alimentar e Nutrição (HLPE) aponta para o apoio a cadeias de valor que sejam equitativas e sustentáveis, mencionando, dentre outros pontos, a importância dos circuitos curtos de comercialização. 

Em relação aos citados circuitos curtos, das 725 iniciativas mencionadas no relatório da ANA, 113 fazem referência ao apoio às feiras locais e 73 às compras institucionais e outros instrumentos de compra da produção familiar. 

Em tempos de crise climática, é necessário limitar a emissão de gases de efeito estufa. Para isso, estimular o consumo local, de produtores locais, faz-se imprescindível. Quanto menos um produto circula, menor seu impacto ambiental. Bom salientar que o conceito de circuito curto de comercialização não limita-se a distâncias geográficas, mas aponta também para a necessidade de diminuirmos os elos de intermediação que separam quem produz de quem vende. 

A natureza dos mercados locais traz outra vantagem importante. É fato conhecido que o caminho para a comercialização de um produto é decisivo na escolha do que plantar. Se o mercado possível é uma grande empresa interessada em commodities, soja por exemplo, o produtor sente-se estimulado a ter um monocultivo. Se o mercado possível é a merenda escolar ou uma feira de bairro, naturalmente a produção será diversificada, buscando atender a demanda do consumidor. E a diversificação é condição sine qua non para a pratica agroecológica, para uma agricultura que produza de forma eficiente e ao mesmo tempo preserve as bases que permitem sua permanência no tempo. 

Assim, o comprador, mesmo involuntariamente, está colaborando com uma ou outra forma de fazer agricultura. Não há razão plausível para ignorar o poder das nossas decisões de compra. A pergunta que devemos nos fazer é: o meu alimento, a quem e a que alimenta?

O processo eleitoral nos incentiva a refletir não apenas no poder dos consumidores em determinar o caminho que deseja dar aos seus recursos, mas também dos eleitores, que podem eleger governantes preocupados em apontar esses mesmos caminhos com políticas públicas de apoio a equipamentos locais de comercialização. Vale citar que, no levantamento da ANA, municípios de todo o país assumem seu papel de agente econômico e privilegiam compras públicas de alimentos oriundos da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais.  

Como vimos, são centenas de executivos e legislativos municipais que já possuem políticas de apoio à agroecologia e à comercialização local. Querem exemplos? Em Santiago, RS, a prefeitura adotou o “pila verde”. Cada 5 quilos de resíduo orgânico doméstico é trocado por “um pila”, equivalente a R$1,00. Essa moeda tem valor de compra nas feiras do município, que ofertam produtos locais e/ou orgânicos. De posse do “pila verde”, o feirante cadastrado pode comprar o adubo oriundo da compostagem feita com esse resíduo doméstico. Simples, criativo, com impacto local e global. 

Do município de Sobral, no Ceará, vem outra iniciativa interessante: um Restaurante Popular, que oferta refeições para a população em situação de vulnerabilidade social. E de onde vem os alimentos? A maior parte de famílias agricultoras do município e da região. O acompanhamento das ações relacionadas ao funcionamento da iniciativa é de responsabilidade do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de Sobral (Consea), o que demonstra a importância da participação da sociedade civil no monitoramento das políticas públicas. Atualmente o restaurante chega a receber 1800 pessoas por dia, com a oferta de café da manhã e almoço. O mesmo prato de comida nutre com qualidade quem come, remunera com dignidade quem produz.

O momento exige que essas iniciativas multipliquem-se. As eleições próximas podem ser usadas para cobrar comprometimento com essas urgentes pautas. Depende do voto. Do meu, do teu, do nosso voto. E você? Topa mudar o mundo a partir do teu município? 

* Engenheiro agrônomo, agroecólogo, escritor, coordenador do centroecologico.org.br e membro do Núcleo Executivo da ANA

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