Por Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
As águas que abastecem comunidades quilombolas no município de Poconé (cerca de 100 km de Cuiabá), na Planície Pantaneira de Mato Grosso, estão contaminadas por oito tipos de agrotóxicos. Este é o resultado alarmante de uma pesquisa realizada pela ONG Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) e o Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (NEAST), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
O estudo analisou a presença de agrotóxicos em rios, poços artesianos, tanques de piscicultura, água da chuva e reservatórios que abastecem as famílias das comunidades Jejum e Chumbo, localizadas em Poconé – município com o maior número de comunidades quilombolas do estado. A pesquisa foi elaborada entre maio e junho deste ano, e divulgada no dia 22 de outubro.
Dos oito agrotóxicos identificados, cinco estão banidos em países da União Europeia, além do Canadá e da Austrália, por apresentarem risco à saúde da população e ao meio ambiente. Entre os agrotóxicos identificados nas amostras de águas estavam: Atrazina, Picloram, 2,4D, Fipronil, Clorimurom-etílico, Tebuconazol, Clomazone e imidacloprido.
Os resultados das análises de água demonstram como o aumento da utilização de agrotóxicos na região pantaneira tem exposto comunidades quilombolas e tradicionais, conforme afirma Franciléia Paula de Castro, engenheira agrônoma e mestre em Saúde Pública, educadora da Fase em Mato Grosso e integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
“Isso pode estar associado ao avanço da fronteira agrícola da soja no bioma. As comunidades estão ilhadas em meio a fazendas de soja e pastagem, e sofrem com a exposição ao veneno”, avalia a pesquisadora, quilombola da região pantaneira do estado.
O relatório técnico com resultados das análises foi encaminhado ao Fórum de Combate aos impactos dos agrotóxicos em Mato Grosso, que é coordenado pelo MPT, e ao Ministério Público Federal (MPF). Também foram informados o poder público do município de Poconé para que tome medidas cabíveis à proteção do meio ambiente e à saúde das populações quilombolas.
Câncer, depressão, má formação fetal
Para a professora Marcia Montanari, do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da UFMT, organização parceira da pesquisa, a presença de agrotóxicos nas águas podem causar riscos à saúde, com intoxicações agudas manifestadas em 24 e 48 horas após o contato com os agrotóxicos. Os sinais são irritação na pele e nos olhos, coceiras, náuseas, vômitos, tontura e dores de cabeça, além de sintomas crônicos.
“Estudos já apontam que a exposição lenta e gradual a agrotóxicos, em contato com as células humanas, vão alterar a capacidade de replicação do DNA, causando mutação genética e ocasionando a formação de tumores e câncer. Além disso, afetam o sistema endócrino e podem causar diversas doenças como diabete, hipertireoidismo, doenças renais, dentre outras doenças relacionadas ao sistema hormonal. E também podem afetar o sistema reprodutivo, causando má formação fetal e contribuindo para o aborto”, garante a pesquisadora.
Entre os agrotóxicos identificados pelo estudo está o Imidacloprido, que afeta o sistema neurológico e pode provocar desorientação e se agravar para ansiedade e depressão.
Nuvem tóxica
A contaminação por agrotóxicos não é uma novidade para as comunidades quilombolas da região. Em março deste ano, cerca de 15 pessoas foram contaminadas por uma nuvem tóxica, durante a colheita de monocultivo de soja.
A máquina que realizava a colheita levantou uma poeira densa que provocou danos à saúde a adultos, crianças, idosos, e também a um bebê de 10 meses. Dores de cabeça, vermelhidão nos olhos, coceira na pele, espirros e garganta irritada foram os sintomas imediatos que evidenciaram a intoxicação aguda.
A situação deu indícios sobre o descumprimento do Decreto Estadual nº 1.651/2013, que proíbe a aplicação terrestre mecanizada de agrotóxicos e afins em áreas localizadas a, no mínimo, 90 metros de povoações, cidades, vilas, bairros, mananciais e nascentes.
Para Franciléia Paula, o episódio ocorrido em março, somado ao resultado da pesquisa divulgada agora em outubro revelam o não cumprimento da lei por parte dos produtores. “Se planta soja e pulveriza veneno praticamente em cima das casas e fontes de águas, e isso é ilegal, se configura ainda como um processo de violação de diretos humanos, considerando a água ser um bem comum e essencial a vida”.
A pesquisadora enfatiza os efeitos ainda mais graves pelas características ecossistêmicas do Pantanal. “O veneno utilizado pelo agronegócio é carregado por quilômetros e impactando todo o bioma e várias comunidades”.
O caso é investigado pelo MPT, e uma denúncia foi encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público Estadual (MPE) pela ONG Fase, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), as Associações das Comunidades Negras Rurais Jejum e Quilombo Ribeirão da Mutuca e a Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, com apoio da organização Terra de Direitos.
Contaminação em Mirassol D’Oeste
As pesquisas realizadas pela Fase também analisaram os agrotóxicos presentes na água usada pelos camponeses/as do Assentamento Roseli Nunes, no município de Mirassol D´Oeste. A comunidade é referência em produção agroecológica no estado, no entanto está rodeada pelo monocultivo de soja e cana-de-açúcar, produzidos com altas quantidades de agrotóxicos via terrestre e área. O estudo também está sendo desenvolvido na cidade de Cáceres em comunidades localizadas próxima a lavouras de soja e pastagens.